Eu tinha, à época, uns onze anos de idade. Mas ainda lembro do dia em que, depois de saborearmos juntos minha fruta predileta na infância — abacate, amassado com açúcar no prato —, eu e minha mãe plantamos o caroço redondo e marrom na parte lateral do quintal de casa.
Ela explicou-me que demoraria muito tempo até aquela semente — que regávamos todos os dias e aos poucos vimos se transformar em broto e, mais adiante, em pequeno arbusto — virar uma árvore de verdade, frondosa, de galhos e ramos fortes, apta a produzir e sustentar o peso dos primeiros frutos. “Isso pode demorar uns sete anos”, avisou-me.
Por coincidência, poucos meses depois disso, começou a tocar no rádio uma música de Gilberto Gil que parecia ter sido composta especialmente para nós e para servir de trilha sonora à nossa resignada espera. “Abacateiro, acataremos o teu ato”, diziam os versos da canção. “Aguardaremos, brincaremos no regato, até que nos tragam frutos, teu amor, teu coração”.
Emociono-me, ainda hoje, todas as vezes que escuto “Refazenda”, uma das mais belas composições do artista baiano. “Enquanto o tempo não trouxer teu abacate, amanhecerá tomate, anoitecerá mamão”, cantava Gil, como se tivesse escutado as palavras de minha mãe e as convertido em poema e melodia.
Por um desses mistérios insondáveis da arte, tínhamos também, entre outras plantas frutíferas, um tomateiro e um mamoeiro no quintal. Como Gil sabia disso? — eu indagava, impressionado, à minha mãe.
De tal modo, durante a espera interminável para que viessem os tão desejados frutos do abacateiro, seguíamos o sábio conselho de Gilberto Gil: amanhecíamos e anoitecíamos comendo tomates e mamões — além de pitombas, cajus, mangas, seriguelas, goiabas, atas e graviolas.
Entrava ano, saía ano, o abacateiro crescia, cada vez mais alto e gracioso, no quintal de nossa casa, na rua VX de Novembro, em Caucaia. Todas as tardes, depois de chegar da escola, eu o espiava, na esperança de que já houvesse despontado nele o primeiro fruto.
Mas, claro, ainda era cedo demais para isso. “Abacateiro, teu recolhimento é justamente o significado da palavra temporão”, explicava-me Gil, a voz bonita saindo do pequeno alto-falante de meu inseparável radinho de pilha. Impossível apressar o correr das horas, o passar dos dias, o ritmo dos calendários, ensinava-me o poeta.
Enquanto isso, eu também crescia, por vezes sem me dar conta do quanto aquele lento transcorrer do tempo também agia dentro de mim. Quando mal percebi, de menino, transformara-me em adolescente. Um adolescente desajeitado e tímido que, a pretexto de admirar o tronco do abacateiro, escondia-me atrás dele e espichava a vista em direção ao quintal do lado, na esperança de encontrar os olhos de Francilene, a filha da vizinha, arriscando um flerte jamais correspondido.
“Abacateiro, saiba que na refazenda tu me ensina a fazer renda, que eu te ensino a namorar”, denunciava-me Gil, fazendo-me ruborizar, flagrado no mais íntimo dos desejos. Assim sendo, fiz daquela árvore uma espécie de confidente silencioso. “Abacateiro, serás meu parceiro solitário nesse itinerário da leveza pelo ar”.
Contudo, quis o destino que eu jamais saboreasse seus frutos. Antes mesmo que ele se abrisse em flor, mudamos de casa e de cidade. Pelos meus cálculos, baseados nas previsões de minha mãe, deveria faltar pouco mais de um ano para que nosso abacateiro começasse a produzir.
Hoje, quando compro abacates no supermercado, nutro a expectativa de que eles me proporcionem o sabor daqueles que tanto almejei na infância. Em vão. São todos deliciosos, mas comuns, sem nada de especial. Não é pela ausência de açúcar, que hoje evito, e os prefira agora com sal, pimenta, azeite, tomate, limão e coentro, na forma de guacamole.
Na verdade, é que nenhum deles veio de uma árvore plantada por mim e pelas mãos de minha mãe. São só abacates. Não têm sabor de calma, promessa e ternura.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.