Ligo a tevê e lá estão eles, nas bancadas dos telejornais: os “tudólogos”, especialistas em nada, comentaristas de tudo. Falam, com a mesma e peculiar desenvoltura, sobre a guerra na Ucrânia, a variante ômicrom e, quem sabe, a influência da pelagem do tamanduá-bandeira na formação psicossocial dos filhos do primo do vizinho da irmã do guarda.
Conhecem tudo sobre geopolítica do leste europeu, epidemiologia, cibercrimes, física quântica, ambientalismo, cinema indiano, literatura gótica, inteligência artificial, psicanálise, Round 6, sexo entre golfinhos e o que mais lhes der na telha. Padres-mestres que têm ideias prontas e firmes sobre qualquer assunto, notícia ou tema.
Com a segurança, soberba e altivez de um catedrático do Twitter, emitem opiniões polivalentes aos jorros, borbotões e esguichos, glosando seja lá qual for o mote em questão: eleições presidenciais, criptomoedas, terrorismo, saúde pública, novas matrizes energéticas, planejamento urbano, táticas de futebol, menopausa do urso panda, o paredão da Linn da Quebrada, o biquíni de crochê da Anitta.
Já fui convidado a participar de programas radiofônicos do gênero, para falar sobre algum livro meu então recém-lançado — e, já que eu estava ali no estúdio, enquanto aguardava minha vez, os apresentadores começaram a me pedir apreciações, ao vivo, sobre isso e aquilo, alhos e bugalhos, espeto e ovo, cousas e lousas. Política cambial, cerimônia do Oscar, desastre de Chernobyl, voto distrital, tráfego aéreo, Primavera Árabe, a morte do Gugu, os glúteos da Kardashian, o último videoclipe da Beyoncé.
“Não sei”; “sei lá”; “não vi”, “não faço a mais remota ideia do que seja”, deu-me ganas de responder. Pressionado, capitulei. Acabei entrando no jogo e proferi platitudes ginasianas, em tom professoral. Um vexame, em suma. Para sorte minha, no rádio, ninguém nota quando quem está ao microfone começa a enrubescer e suar de vergonha.
Ao final, nos dois únicos casos nos quais caí no disparate de bancar o tudólogo, minha participação foi elogiada pelos locutores, que me consideraram apto e até com algum jeito à arte da embromação. Agradeci, acabrunhado, torcendo para que nenhum amigo meu, sem nada mais de útil a fazer, estivesse sintonizado na emissora àquele horário. Da terceira e última vez que tal me ocorreu, de tão nervoso e constrangido, perdi a fala, acometido de repentina, psicossomática e salvadora rouquidão.
Antes que me questionem por também ser um especialista em generalidades — biografei personagens e escrevi sobre temas tão díspares quanto Padre Cícero e Maysa, José de Alencar e Getúlio Vargas, samba e sefarditas —, cabe um rápido adendo. Cada livro escrito pressupõe anos de pesquisas e leituras.
De fato, sou movido por aquilo que o historiador Carlo Ginzburg chamava de “euforia da ignorância”: assumir não saber nada sobre um assunto, mas estar disposto a aprendê-lo, com disciplina, alegria e esforço, e, por fim, discorrer sobre ele com alguma propriedade. Quase sempre, ao cabo da investigação, termino com mais interrogações do que quando comecei. Quanto mais aprendo, mais tenho dúvidas.
Com os tudólogos, é diferente, outro nível. Doutores em tudo, arautos de certezas inabaláveis, luminares do Facebook, são abençoados com o dom do conhecimento instantâneo. Leem dez linhas sobre algo, ao café da manhã, e ao meio-dia ou à tardinha, quando muito, já saem espargindo juízos categóricos sobre a pauta da vez.
Até anteontem, peremptórios, defendiam teses científicas sobre moléculas de RNA mensageiro; hoje, taxativos, derramam conhecimentos históricos sobre a formação étnica do povo ucraniano. Morro de inveja deles. Transformam os chutes típicos da conversa de boteco — e do thread no Twitter — em trabalho remunerado. Nas horas vagas, fazem palestras motivacionais, postam selfies no Instagram, exibem dancinhas no TikTok.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.