Do paganismo da Europa pré-católica aos festejos juninos do Nordeste

O verão chegou oficialmente aqui no Hemisfério Norte. Escrevo esta crônica naquele que, devido ao passeio elíptico e inclinado da Terra no espaço, será o dia mais longo do ano: 14 horas, 53 minutos e 8 segundos, contados entre o nascer e o pôr-do-sol. O solstício estival acontece hoje: o círculo solar atingiu, agora há pouco, às 4h32 da madrugada, a distância angular máxima em relação à linha do equador, determinando assim o final da primavera.

Desde tempos imemoriais, em diferentes pontos do planeta, povos e civilizações olham para o céu, em busca de sinais, mensagens, avisos, instruções. Celtas, romanos, persas, bretões, sumérios, egípcios, maias e astecas, entre outros, celebravam o solstício de junho em rituais de louvor à luz, à fertilidade e à abundância das colheitas. Deixaram, como testemunhas milenares destes festejos, uma série de inscrições, frestas e estruturas de pedra que se alinham, de modo fascinante, com as sombras e luminosidades produzidas pelo Sol.

Em Stonehenge, no sul da Inglaterra, como sempre ocorre nesta data, ele, o Sol, despontou em perfeita simetria com a pedra principal daqueles misteriosos círculos concêntricos de rocha. Indígenas norte-americanos, em um dia igual a este, executavam a célebre Dança do Sol, em agradecimento à fonte de calor da Mãe Terra. Gregos, por sua vez, iniciavam a contagem regressiva para o início dos jogos olímpicos.

Na Europa católica, os antigos rituais pagãos do início de verão — que incluíam danças, muita comilança, farta bebedeira e grandes fogueiras em homenagem ao solstício astronômico, mas também envolvia, ao que parece, sacrifícios para invocar divindades e esconjurar maus espíritos — foram incorporados e higienizados pela Igreja, que os converteram nos dias dos santos populares de junho: Santo Antônio, São Pedro e, principalmente, São João, a principal festa do calendário anual aqui do Porto, em Portugal.

Restou, dos ritos mágicos de fertilidade do paganismo, certas tradições, algumas de notório teor fálico, a exemplo do gesto de bater na cabeça dos outros com um feixe de alho-poró, ultimamente substituído aqui no Porto por onipresentes martelinhos coloridos de plástico com apitos. Mas ficou também o simpático costume de presentear vizinhos, amigos e namorados com um pequeno e verdejante vaso de manjerico. Permaneceram também os costumes de se acender grandes fogueiras e de se empanturrar de bebida e comida — aqui, particularmente sardinha assada na brasa, em torno dos animados arraiais que varam a madrugada às margens do rio Douro.

Foi daqui, de Portugal, que as festas juninas atravessaram o Atlântico com as primeiras caravelas e chegaram ao Brasil, ainda no século XVI, com todos os seus balões, bandeirinhas e quadrilhas, fundindo-se a outras tradições e folguedos populares, particularmente no Nordeste do país.

Há nisso todo um repertório de trânsitos de significados e sentidos, inesgotável objeto de estudo para historiadores, antropólogos e semioticistas.

Em livre associação de ideias, penso nisso quando olho pela janela e vejo o céu do Porto enevoado, neste verão que se inaugura debaixo de uma chuva miúda, mas constante. Ergo então uma ponte simbólica e afetiva, desde as águas do Douro que desaguam bem ali no Atlântico até, do outro lado do grande oceano, alcançar o mar de Fortaleza.

Uma manhã assim, de Sol encabulado, escondido entre nuvens, de aparência tão tipicamente portuense, faz-me lembrar a expressão “bonito de chuva”, que usamos aí para definir o céu nublado, em oposição ao calor inclemente que nos remete aos tormentos das grandes secas. Os daqui costumam reclamar do aguaceiro recorrente, desse vento de enregelar os ossos em pleno início de verão.

Pois sim. Matuto que sou, prefiro cantar com Luiz Gonzaga: “Olha pro céu, meu amor/ veja como ele está lindo!”. Não são os balões multicores de São João, que cantava o velho Lua, e hoje sabemos serem perigosos e causadores de incêndios. É mesmo a nuvem escura, enorme, a pairar sobre a cidade. Bonita de chuva.