“É minha busca infinita, a arte”. É assim que a atriz Amandyra define o próprio percurso à procura de se expressar. Foi tal “fervor” surgido desde a infância que levou essa filha de cearenses nascida em São Paulo a buscar, junto à arte em si, uma espécie de retorno ancestral ao Ceará.
A artista veio ao Estado — no qual viveu o primeiro ano de vida — para estudar teatro na UFC e encontrou um território fértil que a impulsionou aos palcos e, também, às telas. Em 2024, Amandyra protagoniza o 1º longa da carreira — “Greice”, coprodução Brasil-Portugal do cearense Leonardo Moramateus — e é um dos destaques da série “Da Ponte pra Lá”, da plataforma Max.
Arte para “expressar” e “liberar”
O pai, do interior, e a mãe, da Capital, foram para São Paulo atrás de emprego e, lá, se conheceram e fizeram vida. Cria do bairro Ponte Alta, em Guarulhos, Amandyra lembra: “Desde pequena faço arte. Na escola, era o que me interessava porque via possibilidade de me expressar, me liberar”. Daí a cursos de teatro, foi um caminho natural.
As formações na área começaram já aos nove anos e foram diversas. “Ou eu faria isso, ou não faria nada. Na minha família, sempre teve apoio com um ‘você tem certeza?’, mas eles viam que isso mexia comigo e começaram a tecer esse sonho. A gente ia ter que investir junto, nas condições que tínhamos, no que era viável”, partilha.
Após fazer o Enem, Amandyra sabia que queria um curso na área. Não tinha predileção pelo local, mas o Ceará era uma das opções possíveis. Com apoios da família e de uma professora de São Paulo, ela acabou se concretizando.
“Era um movimento de retorno para um lugar que me pertence, que faz parte da minha ancestralidade. O que me trouxe ao Ceará foi o teatro. Isso que entendo como retomada e reconexão com os meus territórios sempre teve a ver com arte”
UFC como ponto de virada
Foi em 2015 que a artista, aos 19 anos, entrou no curso de Teatro da UFC, o que demarcou “uma Amandyra antes e uma depois dessas relações da universidade”. Nela, se aproximou do audiovisual muito por conta da aproximação física com o curso de Cinema, no antigo Instituto de Cultura e Arte da rua Carapinima.
“Os alunos de cinema precisavam de atores e os alunos do teatro queriam uma interação com a galera do audiovisual. Minha primeira experiência de curta foi na Universidade, aí veio o segundo, o terceiro, até que conheci Rafael Luan e Mike Dutra”, contextualiza.
A dupla dirigiu o curta “Preces Precipitadas de um Lugar Sagrado que não Existe Mais” (2020), “um filme que circulou em muitos festivais e que fez com que outros diretores conseguissem ir ao encontro do meu trabalho”, explica.
“Greice” e os paralelos de estar em trânsito
Para chegar à comédia “Greice”, de Leonardo Mouramateus — diretor cearense radicado em Portugal —, o teatro também foi fator importante no caminho. “Na época, eu trabalhava com a (diretora e atriz) Andréia Pires no espetáculo ‘Barracal’ e ela falou de mim pra ele, que apostou numa conversa pra gente se conhecer”, explica.
O encontro aconteceu em Fortaleza, na praia, e foi “atravessado por muitos eventos confirmadores para que eu fizesse a personagem”. “Nós, atores e atrizes, temos o fantasma do teste, dá insegurança. Com o Leo foi diferente, foi trocando ideia. Passamos o dia inteiro juntos, almoçamos e foi isso. Assim, ele entendeu que eu seria a personagem principal do filme”, lembra.
“Greice” acompanha a personagem-título, uma jovem brasileira de 22 anos que estuda em Lisboa e, após um incidente, precisa retornar para Fortaleza para tentar resolver o problema. No elenco, nomes como Dipas, Bruna Pessoa e Mauro Soares.
“A gente conversava muito sobre o trânsito do próprio Leonardo entre Fortaleza e outras cidades, essa inquietude do espírito, e meu trânsito entre Fortaleza e São Paulo. Muitas conexões foram feitas para a gente conseguir tecer a personagem”
O longa estreou em janeiro no Festival de Rotterdam, na Holanda, e no fim de maio foi exibido no IndieLisboa, evento português. Ao circuito nacional de festivais, chega em 15 de junho, no Olhar de Cinema — Festival Internacional de Curitiba. Para Fortaleza, ainda não há previsão de sessão. “Esperamos que seja em breve”, torce a atriz.
Responsabilidade da representatividade
Além do trabalho no cinema, a participação de Amandyra na série “Da Ponte pra Lá”, original da Max, também foi destaque do ano da atriz. A obra, que estreou em abril na plataforma, é ambientada em São Paulo e acompanha personagens entre duas realidades distintas separadas por pontes, a de elite e a da periferia.
Na narrativa, ela interpreta Nayara, mestre de cerimônias das batalhas de rimas que ocorrem na trama. A utilização do rap como fio condutor poético, destaca Amandyra, foi bem-vinda coincidência entre a série e o trabalho dela no teatro.
“Me coloco como uma atriz que pesquisa a palavra e gosto de pensar nos fundamentos das culturas negras e indígenas. A Nayara é totalmente isso, é uma MC, lida com a palavra, então foi muito gostoso trabalhar com ela”, relaciona.
Outro ponto destacado é a repercussão do casal da série formado por Nayara e Lola (Esther Tinman). “Por mais que eu não seja a roteirista das palavras, dou vida a uma forma de existência e a uma figura que simboliza uma representatividade muito importante”, destaca.
“É muita responsabilidade ver pessoas se identificando com a personagem, com a atriz. Pessoas jovens, principalmente meninas, me mandam muitas mensagens agradecendo, falando que a personagem é muito bonita. Recebo muito carinho inclusive dos meus colegas de elenco”, celebra.
Ceará como referência
Em Fortaleza, a atriz atualmente compõe o Vulcão Coletivo, juntamente de Garcyvyna e Ruído Preto. O grupo teatral desenvolve trabalhos a partir dos conceitos de “imaginação radical afropindorâmica” e “surrealismo negro”.
Entre os espetáculos, o grupo desenvolve “Zoada”, sobre o falatório da poeta Stella do Patrocínio (1941-1992), e já estreou “Vulcão Anastácia - O Concerto”, com direção de Amandyra.
A obra se inspira na figura mítica de Anastácia, mulher escravizada que viveu no século XVIII e é cultuada hoje por diferentes crenças religiosas. O coletivo desenvolve, ainda, uma adaptação audiovisual da pesquisa do espetáculo.
Seja qual for a linguagem, Amandyra atesta: “O Ceará é referência para mim. Já começou no curso, que é um dos melhores do Brasil, e segue com uma produção de curtas grande e de qualidade”, ressalta.
A artista reforça a importância do pensamento e da ação em políticas públicas para a construção desse cenário. “As produções e os alunos produtores de cinema daqui tem muita relação com as escolas de ensino de artes, não consigo não associar”, avalia.
“Pela minha experiência, pelas experiências de amigos e pessoas próximas, se consegue produzir e desenvolver um filme graças, também, ao apoio de escolas como a Vila das Artes, principalmente, e o Porto Iracema”, elenca. “É referência. O Ceará está cada vez mais virando referência nacional”, reforça.