Era por volta de uma e meia da tarde quando o ministro da Educação, Camilo Santana, chegou ao auditório da cobertura do Hotel Gran Marquise, na orla de Fortaleza, para um almoço com empresários que compõem o Grupo de Líderes Empresariais do Ceará, o Lide Ceará. Desde que assumiu o MEC, essa foi a segunda agenda do ex-governador como ministro do Governo Lula no Estado. A missão era apresentar as prioridades da gestão para ouvintes, dentre os quais parte que apoiou campanha adversária na disputa eleitoral de 2022.
Ideologia política, no entanto, não era a seara do evento, como ressaltou a presidente do Lide Ceará, Emília Buarque, ao pontuar que o grupo "é apartidário". Não à toa, Camilo foi saudado, dentre outros elogios, por "implementar um jeito novo de fazer política". O assunto era os rumos da educação. Tema que, claro, permeia todas as outras áreas, a economia em especial.
"Se nós estamos embarcando, por exemplo, nessa era da inteligência artificial, da transição energética, a pergunta que nós temos que fazer é: como a escola formará para essa nova realidade? É fato que nós estamos passando por um desafio geracional, com um chamado muito claro para demandas ambientais, climáticas, as desigualdades, os impactos do avanço tecnológico... Então, além de uma profunda reorganização do ministério, que é uma missão dificílima que Camilo está assumindo, entendo que o Governo e todos nós precisamos enxergar para quais demandas os brasileiros que estarão, daqui a 10 ou 20 anos, na vida laboral, precisam estar preparados. As atividades corriqueiras, operacionais, as interconexões, a gente sabe que vão ser feitas pelas máquinas, pelos algoritmos, mas a alta complexidade ficará conosco, o valor do humano precisa ser repensado, os skills (habilidades) que tivemos até ontem não servirão para amanhã e o que nos trouxe até aqui não é definitivamente o que nos levará para frente", disse a presidente do Lide, ao apresentar o ministro.
Acompanhado do presidente da Assembleia Legislativa, o pedetista Evandro Leitão - pela primeira vez presente em um encontro do Lide, e do pai, Eudoro Santana, Camilo apresentou os pilares de seu projeto à frente do MEC, costurando a apresentação do plano com dados sobre os impactos financeiros da evasão escolar, da reprovação de alunos e da falta de investimentos na educação básica.
Com referência ao livro Consequências da Violação do Direito da Educação, Camilo destacou dados econômicos para exemplificar a relação entre educação e economia.
"A perda pessoal ao longo da vida, por um jovem que não conclui a educação básica, é de 290 mil reais. E a perda total para a sociedade chega a 395 mil reais por jovem no Brasil. Diz mais (o livro): que a perda resultante de um jovem que não conclui a educação básica é mais de quatro vezes o que atualmente nós gastamos investindo na educação no jovem da educação básica nos seus 14 anos. Quatro vezes é a perda calculada do ponto de vista econômico para a nossa sociedade. Nós perdemos algo em torno de meio milhão de jovens que passam à fase adulta sem concluir a educação básica no Brasil. Se a gente for calcular, pegar 500 mil jovens e multiplicar pelo valor da perda de um jovem para sociedade, isso equivale a 220 bilhões de créditos para economia de um país como o nosso", pontuou.
O problema do analfabetismo também foi destacado: "Nós temos hoje 7% da população acima de 15 anos no Brasil analfabeta. Nós não conseguimos resolver o problema acima de 15 anos. Estamos perdendo a faixa do período mais jovem do Brasil. Estamos perdendo jovens", disse.
O ministro fez críticas ao governo anterior e à falta de prioridade à educação, ressaltando o desmonte de políticas públicas. "Sou testemunha disso como governador do Estado", frisou.
"Estou dando esses números, esse cenário, primeiro porque nós temos a convicção, exemplo da história do mundo inteiro, de que um país que não investe em educação está fadado ao insucesso. E o Brasil perdeu décadas e décadas por não enxergar muitas vezes. Investiu muito. Nós melhoramos fortemente, mas estamos longe de ser um país que olha a educação como prioridade de uma nação".
Camilo pontuou como prioridade apontada a ele pelo presidente Lula (PT) o investimento em educação básica, focado numa gestão que envolva estados e municípios, "porque é lá que a política é executada".
Ele ressaltou também o reajuste recente no programa nacional da alimentação escolar: "Tem criança no Brasil que a única refeição que faz é na escola", disse o ministro.
"Foi um aumento de 1,5 bilhão de reais, isso significa injetar lá na economia do município também recursos, porque essa merenda também aquece o mercado local na compra da agricultura familiar, do comerciante, para garantir a educação de qualidade", pontuou.
Camilo também destacou os investimentos em Pesquisa de Inovação de Ciência e Tecnologia: "Há 13 anos não se reajustava uma bolsa de pesquisa, seja de doutorado, seja de mestrado, seja de iniciação científica, seja de permanência na universidade", disse.
Três pilares do ministério
Mesmo passeando por diferentes áreas da educação, o ministro destacou três pilares da gestão aos empresários: alfabetização, escolas de tempo integral e conectividade.
"São três eixos, porque também não adianta você atirar para todos os lados, nós temos que ter foco. Então, o foco será uma política forte de alfabetização das nossas crianças na idade certa, para que a gente não possa perder e (possa) diminuir a distorção de série e idade das crianças; e um avanço na política da escola de tempo integral profissionalizante, para gente garantir que esteja conectado com o mercado de trabalho com o mundo do trabalho atual. E a terceira é a conectividade. A pandemia fez com que nós avançássemos. Quem é o jovem hoje que não quer estar conectado? Então, o presidente quer que todas as escolas públicas do Brasil, até o final do seu governo, estejam conectados, mas conectadas com finalidades pedagógicas", disse Camilo.
Impacto do discurso
A percepção das propostas apresentadas pelo ministro foi positiva. "A nossa pauta era bem clara: qual o novo horizonte para educação e os impactos disso na economia e na sociedade. O ministro foi muito imbuído dessa mensagem. Ele trouxe de forma muito clara dados, números, retratando tanto a realidade do Brasil, quanto o comparativo com o mundo", destacou Emília, após o evento.
"Da nossa parte, nós tentamos deixar claro, também, que nós concordamos com isso: o caminho principal é realmente do investimento na educação básica, na escola de tempo integral, numa escola mais criativa, mais atrativa para as crianças, para os jovens, porque realmente as famílias estão sendo impactadas pela evasão dessas crianças e jovens na escola, o que acaba desaguando na insegurança, na ligação com o tráfico, com a violência", disse ainda a presidente do grupo, ressaltando também que o discurso da economia deve andar em paralelo ao da educação.
100 dias no MEC
Camilo está chegando, nos próximos dias, aos primeiros 100 dias de gestão à frente do MEC. Por óbvio, sabe que os desafios são muitos. E bem a seu estilo, segue na toada do diálogo amplo com os setores da sociedade.
"Sei que às vezes eu sou sonhador, mas quem não sonha não constrói dias melhores na vida", disse ao final do discurso.
Isso ninguém pode negar