Resiliência é palavra-chave para qualquer empreendedor em qualquer lugar do mundo. No Brasil, mais ainda. A capacidade de se adaptar e de criar soluções em meio às adversidades parece ser um dos pilares da Aguapé Moda Praia, uma marca cearense que nasceu no Beco da Poeira há 20 anos, quando o shopping de moda (à época um dos símbolos da informalidade no comércio fortalezense) era um importante centro de compras popular.
Hoje, quem faz a marca lembra com carinho dos caminhos percorridos até a Aguapé de atualmente. Os produtos, que ganharam espaço até nos Estados Unidos, são fruto de uma história que começou com a insistência da empreendedora Ana Tavares. Natural de Lavras da Mangabeira, interior do Ceará, ela explica de onde vem a paixão por vender. “Eu morei muito perto de um tio meu que era comerciante, tinha primo comerciante. No interior, a maioria é comerciante e ficou na minha mente que o comércio que é bom”.
Quando veio de Lavras para desbravar Fortaleza, Ana trabalhou em um cartório. Com o nascimento dos filhos e a necessidade de uma nova dinâmica de trabalho, começou a vender doce de leite no Beco da Poeira. Do doce de leite, passou pela venda de confecção com blusas femininas que ela pegava e revendia antes de chegar à moda praia.
"Eu observava o pessoal saindo com fardos de mercadoria do Beco da Poeira e pensava que era ali que a gente ia ganhar dinheiro. Quando eu falei isso para o meu marido, ele não acreditou", recorda. O marido, à época bancário, estava acostumado com algo "mais sofisticado e seguro".
Entre risos e gratidão, ela descreve como era o Beco da Poeira entre o fim dos anos 90 e o início de 2000. "O Beco da Poeira parecia um cortiço, né?! Coisa pendurada, um emaranhado de fio. Mas eu gostava de trabalhar lá e lá era onde girava dinheiro. Com a venda de doce de leite e com o trabalho do meu marido no banco, juntamos um dinheirinho e compramos o primeiro box".
Na venda das blusas, que ela pegava para revender, o lucro era pequeno: R$ 0,50 na peça. Ela lembra ainda que, nesse segmento, as vendas eram poucas. Era vizinha de um box de moda praia que vendia bem e ali o seu olho brilhava, mas ela ainda não sentia que era páreo para competir com alguém que já estava lá há tanto tempo.
Aproveitando a oportunidade
Foi quando veio a notícia: o vizinho bom de venda na moda praia ia se mudar para outra rua do box. "Quando eu soube que esse meu vizinho ia sair, eu pensei: 'é agora!'. Eu cheguei em casa naquele dia com o coração acelerado para falar com o meu marido".
"'Mas nós não temos dinheiro!', ele disse pra mim. Aí eu falei pra ele vender o carro dele", conta Ana. "Ele não queria vender, tinha passado dez anos juntando dinheiro para comprar esse carro e não queria voltar a andar de ônibus", detalha Ana.
Com jeitinho, muita conversa e "muita choradeira", como costumamos dizer quando alguém está pedindo incansavelmente por algo, Ana conseguiu fazer com que o marido refinanciasse o carro. "Ele disse que era eu quem ia pagar tirando dinheiro do box e eu falei pra ele que com seis meses eu daria um carro novo para ele". Ana conseguiu finalmente entrar no comércio de moda praia e a promessa para o marido foi cumprida.
Como todo bom empreendedor que enxerga as necessidades e oportunidades de forma rápida - e às vezes dá o passo antes que haja chão para pisar -, Ana sentiu que era hora de uma mudança: eles apenas revendiam os biquínis, o que tinha lá a sua comodidade, mas fim de ano era "uma briga danada" porque a demanda de outros comerciantes junto aos fabricantes era elevadíssima. "A gente cansou de perder venda porque de outubro pro fim de ano não tinha mercadoria".
"Pra mim, fabricar foi difícil. Eu sou comerciante, mas não tinha experiência na indústria. Aí a gente se associou a uma pessoa que na época tinha expertise", lembra.
Reformulação do Beco da Poeira, altos e baixos e a entrada da família na empresa
O Beco foi grande parte do ganha-pão durante muitos anos, até meados de 2010. A mudança de local do centro de compras derrubou em 70% as vendas. "Quando saímos do Beco, tínhamos sete boxes", lembra Ana. Era hora de mais uma vez explorar novas possibilidades: o negócio começou a entrar em magazines (private label), distribuindo para grandes redes.
Hoje, o grupo Aguapé conta com 25 funcionários. Com a marca Aguapé, há três lojas em Fortaleza. O grupo conta ainda com outra marca, a Onda Mania, que também é de distribuição própria. "Hoje, trabalhamos com as duas marcas: Aguapé e Onda Mania. A Aguapé é, de fato, a marca premium, é onde a gente coloca mais energia, marketing, investe em posicionamento, inclusive a marca que a gente trabalha a exportação para os EUA".
Atualmente, a Aguapé distribui seus produtos para Boca Raton e para Miami, ambas cidades da Flórida, nos Estados Unidos, mas já teve comercialização na região de Algarve, em Portugal. Após participar da recente rodada internacional de negócios durante o evento Ceará Está na Moda, a empresa mantém conversas com empresários das Filipinas e Espanha para envio dos produtos.
Ana conta, com orgulho, que uma das grandes viradas de chave do negócio foi a entrada de forma mais robusta do filho, Felipe, após ela e o marido levarem um golpe na empresa. "O Felipe veio para salvar a empresa", diz, entre lágrimas. "Ele tinha ido estudar no Paraná, queria uma carreira diferente e voltou. Ele me disse: 'mãe, eu não vou deixar o seu sonho morrer'", lembra.
Ana, mais mãe do que empreendedora naquele momento em que a entrevista se encaminhava para o fim, direcionou o olhar marejado ao filho, que em um cantinho da loja assistia a tudo com orgulho e um desejo de ver a mulher que lhe deu a vida ser enaltecida. Felipe Tavares e a esposa, Elaine Alves, hoje tocam o que um dia foi o sonho de uma comerciante do Beco da Poeira.
Paixão de mãe para filho e nora
Felipe a Ana dividem a paixão pelo empreendedorismo e o respeito pela história que nasceu no comércio popular - e que, conforme ele mesmo reconhece, lhe possibilitou tantas outras coisas. "Se fala muito em comércio popular, lugares ocupados por ambulantes e é óbvio que uma feira precisa ter uma organização mínima para resguardar a vida e a saúde das pessoas, mas a feira é lugar de transformação social".
"A minha vida, a vida da minha família e da Dona Ana, pela visão empreendedora e pela coragem dela, foram transformadas pela feira. Nós saímos de determinado padrão de vida e passamos a ter condições de saúde, educação e futuro graças a um trabalho que começou em uma feira popular", relata Felipe.
Com mais orgulho ainda, Ana exalta a feira. Lembra de cada detalhe como uma foto guardada na mais bela caixa da memória: o vento frio que vinha do mar abraçar os desbravadores da madrugada, os amigos que "não se encontra em outro lugar, só na feira" e o calor das pessoas. "A jornada foi difícil, mas a feira foi bom demais. Foi gratificante".
"Eu sou feirante", arremata Ana, com orgulho.