A tribuna na Assembleia Legislativa do Estado, como a de qualquer parlamento, é um local sagrado para a democracia. Tanto que a fala do parlamentar é inviolável. Por muitas vezes, vem do Legislativo o bom combate, a oposição responsável e a denúncia contundente.
Em tempos estranhos, como os que vivemos, entretanto, saem dos microfones dos plenários, pérolas que seriam cômicas se não fossem trágicas.
Veja o caso ocorrido nesta quinta-feira (4) no plenário da Assembleia Legislativa do Ceará. Bolsonarista de carteirinha, o deputado Delegado Cavalcante (PSL) defendeu um "tratamento precoce" para a Covid-19. O uso de algumas medicações chegou a ser sugerido no início da pandemia, mas a ineficácia deles está comprovada pela comunidade médica, inclusive pela Organização Mundial de Saúde.
Para o delegado, o motivo da lotação das UTIs e das mortes é a ausência de um tratamento preventivo. Este colunista, evidentemente, não estaria gastando tempo (nem o meu e nem o seu) para tratar do assunto, caso a defesa do parlamentar se resumisse a cloroquina, hidroxicloroquina ou ivermectina.
É que ele incluiu no hall das substâncias quase milagrosas, 'lambedor', 'chá de boldo' e 'antibióticos naturais'. Um coquetel capaz de produzir quase um elixir da vida eterna. E a eficácia, complementou o parlamentar, é atestada por ele mesmo, que se salvou da doença graças à mistura.
O deputado estadual deu essa sugestão como forma de evitar que os pacientes com Covid cheguem à UTI.
Seria cômico, se não estivéssemos em uma pandemia que produz mais de 1.900 mortes por dia. Se não estivéssemos em um estado que teve, já nesta semana, 84 mortes em 24h.
Se não estivéssemos com os leitos de UTI completamente lotados. Se centenas de famílias não estivessem hoje aflitas no Ceará, em busca de um leito na rede pública ou particular para internar uma pessoa querida.
Da forma como foi feita, com todo respeito ao parlamentar, a sugestão soou como deboche ao momento crítico que vivemos.