Conforme noticiado amplamente, o atacante e ex-jogador do Santos, Real Madrid e Seleção Brasileira, Robinho, foi condenado na última instância da justiça italiana, nesta quarta-feira (19), a nove anos de prisão, por violência sexual em grupo. O julgamento do fato ocorrido no ano de 2013 em Milão se deu na Corte de Cassação de Roma, que condenou também Ricardo Falco, amigo do jogador.
O caso, como é natural, teve capítulos que atraíram as atenções da mídia de todo o mundo, como por exemplo quando juízes italianos falaram do “particular desprezo” de Robinho pela vítima, ou quando o futebolista disse estar “arrependido de ter traído” sua esposa, negando, porém, “penetração”.
O condenado está no Brasil, livre, e surge a pergunta, cuja resposta só pode ser dada com esforçada pesquisa jurídica: Robinho será ou não preso?
TRIPLA POSSIBILIDADE
Para que alguém condenado criminal e definitivamente em determinado país seja preso de maneira automática há uma primeira e óbvia necessidade: sua presença em referido território. Assim, logo de início informo que se Robinho estiver em solo italiano, provavelmente será privado de liberdade.
Se não estiver no país que o condenou, porém, aparecem três possibilidades suplementares para o condenado:
- o país em que está o condenado entrega referido cidadão ao país que o condenou, num processo chamado de extradição (art. 81, Lei 13.445/2017 – Lei de Migração);
- o próprio país em que está o condenado realiza execução da prisão deste, o que é chamado tecnicamente de transferência da pena, e;
- há a aprovação, pelo Superior Tribunal de Justiça do Brasil (art. 105, I, i, CF/88), da eficácia da decisão italiana, tecnicamente chamada de homologação de sentença estrangeira (art. 9.º Código Penal).
Ou seja, trocando em miúdos, se estiver no Brasil, vamos analisar se:
- o Brasil pode enviar Robinho para a Itália (extradição),
- o próprio Brasil pode prender Robinho (transferência da execução da pena),
- ou se o próprio Brasil pode fazer uma espécie de “aprovação” da sentença que foi proclamada na Itália (homologação de sentença estrangeira).
Essas três possibilidades, a nosso ver, não implicarão na prisão de Robinho, pelo que passo a expor abaixo.
EXTRADIÇÃO: VIRTUALMENTE IMPOSSÍVEL
A primeira possibilidade, no caso específico estudado, é inconstitucional.
É que a Constituição Federal do Brasil , no seu art. 5.º, diz que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.
Em resumo, nenhum brasileiro nato – que caso de Robinho – não será mandado para fora do Brasil a pedido de qualquer país. Esse instituto de Direito prestigia a soberania das nações, e é reproduzido em praticamente todos os Estados Democráticos de Direito.
Não só a nossa Constituição, mas o art. 82, I, da Lei de Migração, também o proíbe, dizendo que “não se concederá a extradição quando o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato”.
Importante fazer a ressalva: mesmo que tratados, resoluções e outras normas inferiores abram a possibilidade de extradição de brasileiro nato – o que eu não acredito -, esta não será possível dada a natureza superior da Constituição Federal e o caráter de Direito Fundamental dessa impossibilidade.
Ressalte-se, igualmente, que até existe o Tratado de Extradição entre o Brasil e a República Italiana (promulgado pelo Decreto 863/1993); porém, a nosso ver, a previsão é inócua para Robinho, que é brasileiro nato, conforme o comando já citado do art. 5.º, LI, da CF/88.
EXECUÇÃO DA PENA NO BRASIL: IMPROVÁVEL
A segunda possibilidade, que é de execução da pena do Brasil - tecnicamente chamada de transferência da execução da pena - certamente encontrará obstáculos: no mínimo há legislação pouco clara, pouco ampla e pouco amadurecida a esse respeito. Para alguns, sequer há legislação autorizando.
Explico.
Pelo menos através da Lei da Migração, executar a pena de prisão no Brasil é impossível: o seu art. 100 informa que a transferência da pena cabe apenas nos casos em que couber também a solicitação de extradição executória, e já vimos que esta não é possível na situação em estudo, em razão da condição de brasileiro nato de Robinho.
Até existe um Tratado de Transferência entre Brasil e o Reino dos Países Baixos (promulgado pelo Decreto 7.906/2013), que autoriza a transferência de execução da pena no seu art. 14; contudo, o instituto vale apenas entre Brasil e Países Baixos, enquanto que a Itália foi o país onde houve a condenação de Robinho. O próprio site do Ministério da Justiça reconhece o caráter recente e pouco abrangente da previsão.
O Tratado de Cooperação entre Itália e Brasil (promulgado pelo Decreto 862/1993) diz, em seu art. 1, parte 3, que a “cooperação não compreenderá a execução de medidas restritivas da liberdade pessoal nem a execução de condenações”.
Apenas uma interpretação extensiva – incomum e imprópria na seara criminal – importaria na transferência da execução de pena.
HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA NÃO DETERMINA PENA DE PRISÃO
Na prática, num novo julgamento: é assim que o Superior Tribunal de Justiça aprovaria a sentença estrangeira. Mas não integralmente.
Segundo o art. 9.º, I e II do Código Penal, sentença estrangeira pode ser homologada no Brasil para sujeitar o condenado apenas a I - reparar civilmente os prejuízos que causou – ou seja, indenizar a vítima - e II - a cumprir medida de segurança, procedimento que se iniciaria por requisição do Ministro da Justiça (parágrafo único, b).
Ora, medidas de segurança são aquelas submetidas ao autor de crime com o fim de curá-lo ou, no caso de tratar-se de portador de doença mental incurável, de torná-lo apto a conviver em sociedade sem voltar a delinquir. Segundo o art. 96 do Código Penal, são exemplos a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou sujeição a tratamento ambulatorial.
Note, então, que não há previsão para prisão.
Assim, resta improvável que Robinho seja preso no Brasil, uma vez que é impossível o reconhecimento de sentenças penais condenatórias estrangeiras a penas restritivas de liberdade, bem como sua extradição ou transferência de execução de pena.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.