Não existe nada mais brasileiro do que Ronaldo assumir o Cruzeiro; para o bem ou para o mal

Um semideus do futebol chega para redimir os erros de um time pecador

"Veja..não diga que a canção está perdida, tenha fé em Deus, tenha fé na vida, tente outra vez..." A letra da canção Tente Outra Vez, escrita por Paulo Coelho e imortalizada na voz de Raul Seixas, ganhou uma conotação futebolística em meados dos anos 2000 ao servir como trilha sonora da campanha "Sou brasileiro e não desisto nunca", da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), utilizada posteriormente pelo Governo Lula em 2004.

Na propaganda, Ronaldo aparece sofrendo as duas lesões que o ameaçaram tirar dos gramados no final dos anos 90 e, posteriormente, erguendo a taça de campeão do Mundo, título conquistado com o Brasil em 2002. Ele marcou os dois gols que deram à seleção Canarinho o pentacampeonato mundial.

A canção, antes feita para simbolizar a luta contra a ditadura militar, casou perfeitamente com a história de Ronaldo nos gramados. De quase aposentado para o futebol, o atleta conquistou o ápice como jogador.

Eis que mais de 20 anos depois, Ronaldo reaparece. Já como ex-atleta e multi-milionário (com justiça), resolve aportar alguns dos seus milhões em um clube destinado à extinção. "Fé em deus, fé na vida". Não tem nada objetivo que explique a escolha em tirar da vala o time que o projetou. Não há previsão de retorno, não há garantias financeiras. Há muita dívida e muita cobrança futebolística.

Não existe nada mais brasileiro do que isso. Um herói, um semideus que surgiu do nada, quase como uma figura paternal, para redimir os pecados de um time que mereceu chegar onde chegou. O Cruzeiro deve do dedinho do pé ao último fio de cabelo. Uma massa que foi levada por dirigentes irresponsáveis e por alguns torcedores iludidos ao fundo do poço.

E Ronaldo vem novamente alimentar isso. Da ilusão do menino pobre que chega ao estrelato do futebol, ao jogador que beira à invalidez e que se torna campeão, ele é agora o mecenas que vai tirar o Cruzeiro do fundo do poço.

E o pior (ou melhor, não sei). Pode conseguir. Com bom aparato jurídico e bons acordos comerciais e judiciais, pode colocar o Cruzeiro nos trilhos de novo. Subir novamente para a Série A e voltar a ser grande.

Eis a questão. Somos brasileiros e não desistimos nunca, pois sempre esperamos o milagre. O milagre do Cruzeiro pode ter aparecido. É Ronaldo. Se vingar, trará à vida um dos grandes do nosso futebol. E perdoará todos os pecados. Aí é que está. Até quando seremos perdoados em nossa incompetência, sempre aguardando o milagre? O Cruzeiro merece Ronaldo? Enquanto brasileiros, merecemos redenção? Nós e o Cruzeiro erramos demais. 

Mas Deus é brasileiro.