Uma empresa cearense de contact center obteve na justiça uma decisão inédita que deverá servir de precedente em casos semelhantes. Por unanimidade, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu à companhia o direito de deduzir integralmente as despesas de vale-alimentação e refeição no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
Esta é a primeira decisão colegiada a tratar do decreto 10.854, de 2021, que limitou as possibilidades de dedução de gastos relativos ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) no IRPJ.
Segundo Gustavo Bevilaqua, um dos advogados responsáveis pelo caso, o decreto 10.854/2021 limitou "o benefício fiscal concedido sobre os gastos com a alimentação do trabalhador ao restringir o alcance apenas à alimentação fornecida pela empresa aos seus funcionários com remuneração até 5 salários mínimos. Contudo, a lei que trouxe o benefício não trazia essa restrição".
No acórdão, os ministros da 2ª Turma entenderam "que o decreto não pode limitar um benefício fiscal naquilo que a Lei não limitou. Ao decreto cabe regulamentar o que a ei diz, mas não contrariá-la ou inová-la. Como a lei se trata de instrumento normativo de maior hierarquia, o decreto deve segui-la", explica o advogado.
A decisão foi comemorada pelo presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB Ceará, Hamilton Sobreira, pois os julgadores reconheceram a ilegalidade da limitação do PAT dada feita por uma norma inferior. "De fato, um decreto não pode limitar onde a lei não limita. O decreto serve para regulamentar a legislação, não criar limitações", resume.
Precedente para outras empresas
Com o novo precedente, empresas que oferecem aos empregados os benefícios do PAT podem utilizar a decisão favorável à companhia cearense em processos judiciais. "Por se tratar da primeira decisão do STJ sobre o tema, o precedente deverá nortear diversos tribunais e juízes na análise do tema", reforça Gustavo Bevilaqua.
Apesar de a decisão ainda não ser definitiva, o advogado acredita que o processo deve transitar em julgado, pois "como não existe outra decisão no STJ, não é possível apresentar recurso para uniformizar a jurisprudência do órgão. Também não existe, a priori, matéria constitucional passível de ser levada ao STF", afirma.
O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) foi criado em 1976 pelo governo federal com o objetivo de melhorar a qualidade da alimentação dos trabalhadores, possibilitando incentivos às empresas, como a isenção de encargos sociais e incentivo fiscal.
O que diz o decreto
O decreto 10.854/2021, ao regulamentar legislações trabalhistas, limitou a possibilidade de deduzir do IRPJ as despesas do PAT apenas para os gastos em benefício de empregados que recebem até cinco salários mínimos (atualmente R$ 6.600) por mês.
Além disso, a norma determina que essa dedução "deverá abranger apenas a parcela do benefício que corresponder ao valor de, no máximo, um salário-mínimo", ou seja, R$ 1.320 por empregado (art. 186).
Antes do decreto, os gastos do PAT que beneficiavam trabalhadores com renda mensal superior a cinco salários mínimos poderiam ser deduzidos desde que fosse "garantido o atendimento da totalidade dos trabalhadores contratados".
"Caminho jurídico adequado"
A decisão da primeira turma se deu a partir de um recurso da Fazenda Nacional, negado pelos ministros do STJ, que mantiveram o entendimento do Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região. No acórdão, o relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, criticou a forma como a restrição ao benefício foi normatizada:
Se o Poder Público identificou a necessidade de realizar correções no programa há que fazê-lo pelo caminho jurídico adequado e não improvisar via comandos normativos de hierarquia inferior, conduta já rechaçada em abundância pela jurisprudência".
"Ocorre que tais limitações para a dedução não constam expressamente nas leis criadoras do Programa de Alimentação ao Trabalhador - PAT, não podendo ser estabelecidas via decreto regulamentar, ainda que as leis regulamentadas tragam cláusula geral de regulamentação, pois carecedor de autorização legal específica", escreveu o relator no acórdão.
Conforme a decisão, "o estabelecimento de prioridade para o atendimento aos trabalhadores de baixa renda, na forma do regulamento, não significa a autorização para a exclusão dos demais trabalhadores pelo regulamento, tal a correta interpretação dos arts. 1º e 2º, da Lei n. 6.321/76".