Você sabe o que é brincar?

Brincar não é a mesma coisa que brincadeira, nem a mesma coisa que brinquedo. Brincar é uma ação

Brincar é liberdade, diversão e aprendizagem. A criança que brinca desenvolve a imaginação, criatividade, inteligência, emoções e outras habilidades. É na primeira infância, período que compreende o nascimento até os 6 anos de vida, que esse universo deve ser mais próximo e estimulado.

É o momento em que aprendemos a explorar o mundo, a nos comunicar e adquirir confiança. Crianças seguras e apoiadas possuem grandes chances de se tornarem adultos também seguros. Por isso, devemos entender o brincar como condição essencial para o desenvolvimento das pessoas. 

A pergunta que está no título do texto parece estranha, óbvia, e sugere uma outra indagação: "quem não sabe o que é brincar?". Pois é. Mas brincar é algo complexo. Requer estudo, amor, dedicação e disposição. Para entender do brincar precisamos entender da infância. 

No livro "Criança que brinca mais aprende mais", a pedagoga Denise Pozas faz um breve retrospecto da posição da criança, da sociedade medieval aos dias atuais. Na Idade Média, a mortalidade infantil era muito alta devido às condições gerais de higiene e saúde muito precárias.

As crianças que sobreviviam eram inseridas no mundo adulto, no que diz respeito a tarefas e obrigações dentro e fora de casa. Depois, com as descobertas científicas e redução dos óbitos infantis, as crianças passaram a ser vistas com seres frágeis, ingênuos, sem história e sem voz. Segundo Denise, o que vinha das crianças era desvalorizado e as brincadeiras eram consideradas passatempos sem consequências. 

Somente no século XVIII, começa a existir a valorização dos interesses e das necessidades das crianças. Hoje, elas possuem histórias, produzem, aprendem e ensinam. Denise Pozas foi muito feliz nas suas palavras quando disse que "a criança não é padrão; seu progresso, então, também não o pode ser". E o brincar é progresso. 

Há anos que o direito da criança ao brincar foi garantido. Ele está em muitos documentos, mas é sempre bom lembrar e cobrar a sua aplicação. Ele está na Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada em 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, que declara "brincar, praticar esportes e divertir-se como aspectos que compreendem o direito à liberdade".  

Em 1996, foi promulgada a Lei nº 9.394 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que reconhece a importância do brincar quando determina como um dos princípios que norteiam o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil o "direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil". 

Em 2017, foi aprovada a atualização da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que norteia os currículos e propostas pedagógicas de todas as escolas brasileiras. Ela entrou em vigor no ensino infantil em 2019 com seis direitos de aprendizagens: conviver, brincar, participar, explorar, expressar, conhecer-se.

Muitas pessoas questionam a necessidade de crianças na escola ainda tão pequenas. Já ouvi muito "criança pequena na escola só faz brincar" ou "vou colocar em qualquer escola porque é só para brincar mesmo".

As falas são sempre num tom crítico negativo tanto com relação as crianças como com relação aos profissionais da educação. Quem pensa assim desacredita nas potencialidades das crianças, desconhece sobre o brincar e desvaloriza o trabalho do educador que tanto estuda e se prepara para esse desafio que, quando é assimilado e incentivado, só apresenta bons resultados. 

Brincar não é fácil porque brincar não é a mesma coisa que brincadeira, nem a mesma coisa que brinquedo. E considero essa diferenciação o primeiro passo para conseguirmos enxergar os benefícios que o brincar proporciona. 

Brincar é uma ação. Brincar é imaginar, criar, transformar, ser livre. A brincadeira é o espaço que abriga tudo que engloba o brincar. O brinquedo pode ser resultado do brincar, como por exemplo um carrinho feito com papelão, tampas e outros objetos, criados pela própria criança; ou pode ser o tradicional que é criado por adultos, com manual de instruções, regras, como atividade direcionada. 

Como brincante e mãe não vou dizer que o brinquedo já produzido não tem valor. Acho interessante e acho que ensina também. Confesso que aqui em casa temos muito mais do que deveríamos. Já comprei demais. Mas que bom que a vida e as experiências nos ensinam também. Acredito e reconheço a importância do brincar. Tenho na minha vida provas humanas, meu filho e tantas outras crianças que no contato com o brincar se desenvolvem brilhantemente.

Passei alguns anos da minha vida sem brincar e a maternidade proporcionou o meu reencontro com esse mundo mágico. Desde bebê, o meu filho foi inserido nesse universo com o meu amor e aceitação dele também. Sem isso não seria possível. Precisaria escrever tantos outros textos para dizer o que o brincar é capaz na vida de uma pessoa.

Mas, resumidamente, posso falar sobre a minha experiência. O brincar ensinou o meu filho a aprender as cores, letras, números, ler. Ensinou a conhecer os próprios sentimentos e emoções. O considero uma criança que tem uma boa compreensão do mundo, dentro do que alcança, seguro dos sentimentos e tem uma determinação, verdade e simplicidade que muita gente grande não tem. E eu acredito que isso é fruto de amor, do colo, da escuta, da confiança e do brincar, muito brincar. 

Entrar e viver nesse mundo não é fácil pelo que já disse sobre interesse e dedicação. Tempo também é algo muito delicado e difícil quando temos cada vez mais tarefas e obrigações diárias. Entendo demais e acolho a dores de quem não consegue fazer por inúmeros motivos. Eu sacrifiquei muito da minha vida pessoal para investir no brincar. Não me arrependo um só instante.

Mas sei que muitas pessoas não fazem porque não conseguem, porque as condições de vida são diferentes, porque não possuem rede de apoio, porque simplesmente não se identificam com o que falei aqui até agora, porque acreditam que a criança também pode ter uma vida e crescimento saudável de outra forma.

Eu respeito todas as formas de pensar e agir. O que disse sobre a minha experiência é fato. Mas não é a forma única. Jamais vou apontar o que é certo ou errado porque sou mãe como muitas outras mulheres. Acredito que acertei em algumas coisas, mas errei e ainda erro em tantas outras. 

Mas reforço aqui. Acreditem na força do brincar. Acreditem que ele ensina, forma e desenvolve pessoas. O brincar é lindo porque é democrático. Ele pertence a todos, independente de classe social, cultura ou raça.

Para encerrar, lanço um ideia aqui para mães, cuidadores e outros familiares que convivem com crianças. Entregue para elas materiais diversos como caixas, objetos de cozinha, cola, canetas ou qualquer outra coisa que venha na sua cabeça e que acredite que aquilo não tem qualquer relação com o brincar e veja o resultado. Você vai se surpreender e ela vai ser muito feliz nessa experiência. Isso é brincar.