Cheia de exclusões e jabutis plantados pelos senadores e acolhidos pelo relator Eduardo Braga, a proposta de Reforma Tributária foi aprovada pelo Senado e agora retorna à apreciação da Câmara dos Deputados, que será, pelas próximas semanas, o espaço de atuação dos grandes grupos de interesse que no Brasil, mais do que noutros países de economia desenvolvida, se acostumaram às benesses oficiais, sustentadas pelo Tesouro Nacional.
Setores da indústria brasileira não sabem produzir sem incentivo ou isenção fiscal – é só olhar para a Zona Franca de Manaus, que há 50 anos goza desses benefícios.
Assim, diante do que se vê, lê e ouve, a transparência, a equidade e a segurança jurídica, que deveriam ser alicerce dessa reforma, “foram para o espaço”, como disse o advogado tributarista e constitucionalista Ivens Gandra Martins.
Parece que a elite política brasileira trabalha para desperdiçar mais uma rara oportunidade de construir e implementar no país um modelo tributário moderno e justo. Hoje, por causa do atual regime tributário, é o trabalhador assalariado que recolhe Imposto de Renda; os mais ricos desfrutam do benefício da legislação, elaborada exatamente para beneficiá-los e para tornar difícil a vida do contribuinte.
No Brasil, as grandes empresas são obrigadas a dispor de um departamento – com especialistas – só para tratar da questão tributária. E é aqui que entram os escritórios de advocacia, que, com pareceres técnica e juridicamente bem redigidos, recorrem aos tribunais superiores na defesa dos seus clientes, cobrando caríssimos honorários ou “taxas de êxito”.
O modelo tributário brasileiro e sua insegurança jurídica assustam o investidor estrangeiro e, de uns tempos para cá, inibem o próprio empresário da indústria nacional.
Neste momento, por exemplo, não há a menor ideia de como será o texto final da Reforma Tributária. Espera-se que os deputados federais podem os “penduricalhos” inseridos pelos senadores no bojo da proposta.
Mas, assim como no Senado, acontecerá – e já está acontecendo – na Câmara a pressão dos lobbies, e aí se incluem os da indústria, do comércio, do setor de serviços, da agropecuária, dos bancos, dos profissionais liberais, dos artistas e até o das igrejas cristãs.
Conta a lenda que o presidente francês Charles de Gaulle, depois de visitar o Brasil e de tanto ouvir sobre os políticos brasileiros, teria dito: “Le Brésil n’est pas um pays sérieux”. É lenda, mas a frase resume o que, hoje, os próprios brasileiros pensam de sua elite política.
O Brasil já deveria ser uma das cinco potências econômicas mundiais. Não o é, porém, por culpa dos que fazem as leis, dos que as deveriam cumprir e dos que as deveriam defender.
Mas o que está ruim pode piorar. O governo Lula, com o apoio do Legislativo, trocou a Lei do Teto de Gastos pela do Arcabouço Fiscal, cuja primeira meta foi, de forma tonitruante, anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad: zerar o déficit do orçamento do exercício do próximo ano de 2024.
O próprio presidente da República, porém, cortou o entusiasmo do seu ministro, ao dizer, na semana passada, que “será muito difícil” alcançar essa meta.
No Palácio do Planalto, há um discurso para fora – o de que “o déficit zero será perseguido” – e para dentro – “um déficit de 0,6% do PIB ficará bem”, e será proposto ao Congresso. Cem entre 100 economistas consideram impossível zerar o déficit no próximo ano.
Com uma caríssima, mas não clara, maioria no Parlamento, o governo terá que mostrar engenho e arte – mais aquele do que esta – para produzir, em 2024, uma receita extra de R$ 168 bilhões, um verdadeiro Everest.
De onde virá esse dinheiro? Da isenção fiscal da Zona Franca de Manaus? Do Finam, do Finor, da Sudene, da Sudam, da Sudeco, do FNE, do FNO? Do Fundo da Marinha Mercante? Do Sebrae, do Sesc, do Sesi, do Senai, do Sest, do Senat, do Senar?
O orçamento da União seria superavitário, se as isenções e os incentivos fiscais fossem reduzidos ao necessário, ou extintos. Simples assim.
No Brasil, contudo, esta hipótese não existe.