Protesto a favor do Dnocs, que fez tudo e hoje morre à míngua

Tendo construído a infraestrutura hídrica - incluindo a piscicultura - rodoviária e até aeroportuária da região, a autarquia, que foi uma espécie de Universidade do Nordeste, sofre de abandono. Culpa dos maus políticos.

Há pelo menos 10 anos, Brasília e sua rede de intrigas emitem sinais que, traduzidos, indicam uma tramoia pela extinção do centenário Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), que nasceu em 1909 com o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), denominação que mudou, em 1919, para Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Em 1945, saiu a Inspetoria e entrou o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, que, em 1964, se tornou uma autarquia com autonomia técnica, administrativa e financeira.

Hoje, o Dnocs guarda nenhum resquício de autonomia. Pior, morre à míngua, sem gente e sem dinheiro para cumprir o que determina a Lei,

Para alertar o Nordeste e os nordestinos sobre a grave e renovada ameaça de extinção do organismo que implantou toda a infraestrutura hídrica, rodoviária e até aeroportuária desta região do país, o Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Ceará (Sintsef-CE) promoverá segunda-feira, 21, um ato de celebração pelos 115 anos de criação do Dnocs e, ao mesmo tempo, de protesto contra a inação da liderança política do Nordeste – a do Ceará no meio – que faz nada para reverter essa verdadeira situação de abandono em que se encontram a autarquia e seu conjunto de colaboradores.

A manifestação do Sintsef-CE ocorrerá às 9 horas defronte ao grande e ocioso edifício sede do Dnocs, na Avenida Duque de Caxias, em Fortaleza.

A história do Dnocs tem tudo a ver com a da região nordestina. O que há de bom e de melhor nos 9 estados do Nordeste foi o Dnocs e sua formidável equipe de engenheiros e técnicos que construíram.

Os grandes açudes nordestinos, a começar pelos cearenses Orós e Castanhão, passando pelos paraibanos Corema e Mãe D’Água e pelo potiguar Armando Ribeiro Gonçalves, foram projetados e construídos pela invejável inteligência dos luminares da engenharia nacional que fizeram do Dnocs uma verdadeira universidade especializada em desenvolvimento regional.

Foram os especialistas do Dnocs que implantaram e espalharam pelos estados nordestinos a sua rede de Postos de Piscicultura, em cujos laboratórios nasceu, pelo processo da hipofisação, a tilápia, que hoje é o peixe mais consumido na região.  

Foi o Dnocs que projetou e construiu – com erros e acertos, e já sob a influência da má política que invadiu seus gabinetes e tomou conta dos seus postos de comando – os grandes perímetros de irrigação, como o Jaguaribe-Apodi (o Dirja), o Morada Nova, o Acaraú e o Tabuleiros de Russas, todos no Ceará.

O que fizeram a má política e os maus políticos? Preocupados muito mais com a execução de obras – e, principalmente, com os seus  processos licitatórios – eles levaram o Dnocs a investir na segunda e até na terceira etapa dos perímetros irrigados, mesmo sem a conclusão da primeira etapa. Para os que duvidam, a coluna sugere uma visita ao Dirja e ao Acaraú.

O maravilhoso time de engenheiros e o dedicado quadro de antigos servidores do Dnocs aposentaram-se. Eram 15 mil funcionários. Hoje, são cerca de 400, que, sem praticamente o que fazer, apenas lamentam e choram o descaso com que o governo da União – nesta e nas anteriores gestões presidenciais – trata a questão.

Tarefas que eram executadas pelo Dnocs estão sendo repassadas para a Companhia do Desenvolvimento do São Francisco, a Codevasf, que, também por causa da má política, costuma ocupar mais as páginas policiais do que as de economia, algo que já aconteceu com o próprio órgão de combate às secas.

Em mensagem a esta coluna, o Sintsef-CE diz em forma de denúncia:

”A falta de concursos e os drásticos cortes orçamentários estão comprometendo severamente a atuação do órgão. As principais barragens da região semiárida estão a operar sem pessoal adequado para a sua gerência e o seu monitoramento, o que coloca em risco a estrutura desses reservatórios e ameaçam o fornecimento de água a milhões de pessoas.”

E diz mais:

“Barragens cruciais, que fornecem água para consumo, irrigação e produção de alimentos, estão sendo mantidas com vigilância e conservação reduzidas, o que pode resultar em falhas estruturais graves, colocando em risco não só a economia local, mas também vidas.”

“Além disso, contratos com empresas terceirizadas responsáveis por parte da manutenção e segurança das barragens estão à beira de cancelamento por falta de pagamento. Isso amplia o risco de abandono de projetos essenciais, como o monitoramento de níveis de água e a manutenção de equipamentos críticos para o controle de cheias e secas.

“A área de piscicultura, outro pilar do desenvolvimento regional, também enfrenta um cenário crítico. A falta de técnicos e pesquisadores especializados está levando ao abandono as estações de piscicultura e à perda de matrizes de peixes, comprometendo seriamente a produção de alevinos (filhotes de peixes) que abastecem diversos projetos de pesca e aquicultura na região. Esses alevinos são fundamentais para a segurança alimentar e para a renda de inúmeras comunidades que dependem da pesca artesanal e da piscicultura para sobreviver.”

E ainda acrescenta:

“Enquanto isso, cerca de R$ 900 milhões em restos a pagar estão destinados a ações que não fazem parte da missão central da autarquia, como a compra de tratores e obras de pavimentação, em vez de projetos essenciais de infraestrutura hídrica e irrigação. Esse desvio de recursos tem impacto direto na capacidade do DNOCS de cumprir seu papel.

“Sem um concurso público para repor o quadro de servidores e sem investimentos adequados, o Dnocs corre o risco de não só paralisar suas atividades, mas de colocar em xeque sua própria existência. O Sintsef-CE, que sempre esteve presente nas lutas em defesa do órgão e de seus servidores, faz um apelo urgente à sociedade e às autoridades para que reconheçam a importância do Dnocs e atuem de forma decisiva para reverter essa grave situação.

“O Dnocs, que já foi um exemplo de desenvolvimento regional, hoje clama por socorro. Sem o apoio necessário, as consequências serão devastadoras para a população do semiárido e para o Brasil como um todo, comprometendo a segurança hídrica, alimentar e o desenvolvimento de áreas já vulneráveis. A ação é urgente. O futuro do Dnocs e de milhões de pessoas depende de decisões que precisam ser tomadas agora.”

Com a palavra quem dela desejar fazer uso neste espaço.