Esta terça-feira, 31, será um dia de conversas dos atores de uma crise que está dividindo os produtores de leite do Ceará e a sua indústria de beneficiamento.
O motivo da divergência é o preço pago pelos industriais aos que – de pequeno, médio ou grande porte – lhe fornecem a matéria-prima para a produção de lácteos.
Um pequeno produtor de leite com fazenda na zona rural de Maranguape disse à coluna que, nos anos de 2021 e 2022, ele vendia leite à indústria por R$ 2,15 por litro, “enquanto nas gôndolas dos supermercados o produto era vendido entre R$ 5 e R$ 8”. Ele acrescenta: “Hoje, em 2023, recebemos R$ 2,20 por litro e nas gôndolas o preço é de até R$ 4,80”.
Em resumo, os produtores reclamam do preço que lhes paga a Betânia Lácteos – cujo nome mudou para Alvoar Lácteos, fruto da fusão da empresa cearense com a mineira Embaré.
Os produtores divulgaram na tarde de ontem, segunda-feira, um comunicado a que deram o título de “Manifesto dos Produtores de Leite do Ceará – Balde Cheio, Bolso Vazio – Não podemos ficar de braços cruzados”, convocando uma manifestação para o próximo sábado, 4 de fevereiro, em frente à fábrica da Betânia, na cidade de Morada Nova, no Sertão Central do Estado.
O comunicado diz:
“Diante das seguidas e injustificáveis reduções no preço do leite, que vem causando graves prejuízos aos produtores e impactando negativamente na economia dos municípios, os produtores de leite de todo o Ceará realizarão na manhã do próximo dia 4 de fevereiro de 2023 manifesto de protesto em frente à sede da Betânia Lácteos no município de Morada Nova”.
Os produtores afirmam ainda que as reduções no preço do leite e o alto custo de produção estão inviabilizando a atividade. E acrescentam que o movimento visa “resgatar o direito de seguirmos produzindo com dignidade, e a presença de cada um de nós no dia 4 de fevereiro é imprescindível”.
Esta coluna ouviu o acionista e CEO da Betânia Lácteos, Bruno Girão, que transmitiu as seguintes informações:
1)Há neste momento um excesso de oferta de leite no Nordeste, cuja produção tem crescido nos últimos anos, segundo atesta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);
2) A Betânia processa, diariamente, na sua fábrica de Morada Nova, 650 mil litros de leite, fornecidos por mais de três mil produtores, aos quais paga, mensalmente, R$ 47 milhões, sem contar o pagamento de impostos, fretes e rações;
3) No ano passado de 2022, a Betânia aumentou em 18% o volume de leite captado no Ceará e incrementou o preço pago ao produtor, que subiu 22% em relação ao ano anterior de 2021. “O maior valor pago no Nordeste por uma indústria de beneficiamento”, como ressaltou Bruno Girão;
4) A recente implantação de uma fábrica de leite em pó na planta industrial da Betânia em Morada Nova teve o objetivo estratégico de assegurar a captação do excesso de leite produzido no Ceará;
5) Com o mesmo objetivo de assegurar a aquisição do leite produzido aqui, a Betânia está, neste momento, elaborando um novo projeto de ampliação de sua unidade de produção de queijos, incluindo o muçarela, muito utilizado pelas pizzarias e restaurantes de Fortaleza e das demais cidades cearenses. As obras dessa ampliação serão iniciadas ainda neste ano.
O presidente do Sindicato da Indústria de Lacticínios do Ceará, José Antunes Mota, confirmou as informações transmitida à coluna pelo CEO da Betânia, afirmando:
“A Betânia paga ao produtor de leite o melhor preço do Nordeste”. E adicionou um detalhe importante:
“Hoje, a pecuária cearense, como a do Nordeste todo, melhorou muito sua genética. Antigamente, dizia-se que o gado leiteiro só produzia quando havia boas chuvas para fazer crescer o pasto. Mas isso não é mais assim: nas boas vacarias, o rebanho vive confinado, com nutritiva alimentação e boa condição de repouso, e isso faz com que a produção por animal chegue de 30 a 40 litros/dia, e é por esta razão que a produção leiteira cresceu”.
Em seguida, o presidente do Sindilacticínios indagou:
“Por que esse protesto será na Betânia, que presta um serviço de alta relevância à economia do Ceará? Por que a manifestação não será feita em frente à Fiec e à Faec, onde estão os sindicatos que têm direta relação com a produção leiteira bovina?”
Por sua vez, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária (Faec), Amílcar Silveira, que na manhã desta segunda-feira, 30, se reuniu com Bruno Girão, disse à coluna que, ao mesmo tempo em que ele e sua entidade estão a favor dos pequenos produtores rurais, defendendo seus interesses, trabalham também para que as duas partes encontrem um caminho convergente que conduza ao bom entendimento.
Na sua opinião, “a Betânia precisa de melhorar seu relacionamento com os produtores cearenses, algo que a Embaré faz muito bem em Minas Gerais com os seus fornecedores”.