As memórias de um eclipse solar que levou uma multidão às praias de Fortaleza

Em Fortaleza, a Lua estava marcada para começar a passar na frente do Sol às 15h23, eu estava lá na Praia de Iracema para conferir

É incrível como décadas antes de um eclipse é possível prevê-los com exatidão. Em Fortaleza, a Lua estava marcada para começar a passar na frente do Sol às 15h23, eu estava lá na Praia de Iracema para conferir. Uma fila com centenas de pessoas já esperava para ver pelo meu telescópio Maksutov da Skywatcher 90 mm. A Lua parecia atrasada dois minutos, mas não, eu apenas não tinha notado uma pequena interseção do disco solar. As previsões da ciência estavam corretas. 

O dia 14 de outubro de 2023 foi espetacular e muito corrido. Pela manhã, entrevista ao vivo ao grande apresentador Flávio da Conexão Verdinha e mais tarde no CETV 1. As pessoas começaram a chegar por volta das 15h.

Uma enorme fila logo se formou, um senhor perguntou "que horas começa?", eu falei "15h23". "Pois são 15h25", disse ele. Eu verifiquei o telescópio e lá estava a Lua entrando na frente do Sol. Tinha começado e as pessoas na fila se empolgaram. Uma menina de 7 anos perguntava a todo instante se já dava pra ver, ela teve a sorte de ser a primeira a observar e depois, sua mãe.

A fila não parava de aumentar até que meu aluno Thiago chegou para me ajudar com seu telescópio newtoniano. Dividimos a fila onde atendemos mais de mil pessoas. No Aterro deveria ter mais de 10 mil. Quase nenhuma pessoa tinha óculos adequados para observação.

Muita gente usando o filtro de soldador número 12, quando o adequado era o 14. Muita gente também querendo saber onde conseguir um dos 1.000 óculos anunciados por uma instituição. Esse número claramente não seria suficiente.

No mais previsíveis dos fenômenos astronômicos, não houve um bom dimensionamento da quantidade de óculos com filtro e muito menos uma boa logística de distribuição dos mesmos.

O Ceará tem muitos entusiastas da Astronomia. Só no ano passado, cerca de 175 mil estudantes de escolas públicas e particulares, de zona rural e urbana, fizeram a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA). Só na Capital, 47 mil estudantes fizeram a olimpíada ano passado.

É fácil justificar 175 mil óculos de proteção, pelo menos, para estes estudantes que poderiam ter recebido as devidas orientações na escola. Mas parece que não houve submissão de projetos desta natureza, mesmo tendo editais abertos para eventos científicos. 

Já presenciei vários eclipses em nosso estado, começando pelo eclipse parcial de 1995, passando pelos de 2017 e 2020, e é de senso comum que eclipses despertam muito interesse do público.

A Praia de Iracema, com certeza, foi um dos lugares mais badalados. Subestimando, deveria ter pelo menos 10 mil pessoas na Praia. Não há uma estimativa oficial porque não houve coordenação de nenhum órgão competente. Mesmo assim, na praia, tudo ocorreu de maneira muito pacífica.

Tivemos a surpresa de uma aeronave fazendo acrobacias sobre a orla. O público vibrava a cada manobra. Suspeitamos que seria o cantor Waldonys e confirmamos ao verificar na sua rede social. 

O eclipse teve seu momento máximo, às 16h42, com o Sol sendo encoberto em 83,65%. Eu fiz o meu registro ao mesmo tempo que as pessoas continuavam olhando pelo meu telescópio. Para isso, eu e minha assistente, Lívia, tivemos que alinhar o telescópio com a câmera acoplada ao mesmo.

Eu pedia para ela deixar o Sol centralizado na ocular do telescópio ao mesmo tempo que eu procurava às cegas na câmera até conseguir centralizar na tela. Dessa forma, quando vimos o Sol na ocular, o astro também aparecia na tela do computador. 

Aproveitei para fazer meu registro. Nossos fotógrafos profissionais também fizeram o registro espetacular da capa desta coluna. Eles usaram o filtro soldador 14. Os astros parecem maiores porque foi usada uma lente objetiva telescópica em zoom. Os prédios ajudam a dar a impressão de que o corpo celeste estava maior. Percebe-se nuvens comuns da brisa marítima no litoral naquele horário. 

No meu filtro ISO 12312-2:2025 não é possível notar nuvens nem os prédios porque ele realmente só deixa para a banda 550 nm que corresponde a cor em torno do amarelo.   

Perto do pôr do Sol, por volta das 17h20, nós literalmente, seguimos a Luz. Nos movemos para que as últimas pessoas tivessem a oportunidade de observar o eclipse que deixará saudades nos corações dos cearenses. O próximo eclipse solar a ser visto em nosso Estado será no dia 6 de fevereiro de 2027. Mas um anular como este só se repetirá em 2067 no Ceará. Pode ser que da próxima vez, as instituições se preparem adequadamente. Ou não?