Por que as festas juninas são as preferidas no Nordeste?

Para quem vive na região Nordeste é fácil perceber que as festas juninas, as festas que ocorrem no mês de junho, em torno dos santos católicos, Santo Antônio (comemorado no dia 13 de junho), São João (comemorado no dia 24 de junho) e São Pedro (comemorado no dia 29 de junho), são as festas preferidas dos nordestinos. Iniciado o mês de junho é como se o clima, o ambiente na região se alterasse.

Os alemães desenvolveram um conceito para isso: Stimmung, que seria o mesmo que atmosfera, ambiência. Embora, no caso do Nordeste, até tenha alguma relação com o clima, com a natureza; essa atmosfera, essa ambiência é de ordem cultural, psicológica, emocional. Para quem mora no Nordeste, é nítida a mudança de astral, do clima emocional, do estado de ânimo coletivo, quando as festas juninas se aproximam.

Essa mudança de estado de espírito coletivo, se pode observar tanto na zona rural, quanto nas grandes cidades, nas metrópoles e capitais dos estados da região. Embora as festas juninas estejam, normalmente, associadas ao universo rural, sejam, ainda, simbolicamente representadas como festas de matutos, festas de fazenda, como um dia elas foram, hoje elas se constituem em grandes eventos urbanos, midiáticos e comerciais, fazendo parte da indústria cultural da região.

São muitas as cidades que têm nas festas juninas a principal data em seu calendário de eventos, contando com elas para a atração de turistas e para a arrecadação de boa parte dos impostos que alimentarão as finanças públicas.

A transformação das festas juninas em megaeventos (como ocorre em cidades como Campina Grande, Caruaru, Mossoró) não significou o que poderíamos chamar de perda da aura dessas festividades. Ao contrário do que supunha o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), no caso das festas juninas nordestinas, a transformação delas em itens e ícones da cultura de massas não significou o declínio da aura, a perda de uma certa sacralidade, de certo toque de magia, que seria característico das manifestações culturais da tradição.

Quem habita a região, e mesmo quem a visita nessa época, pode sentir como se fosse uma alegria, um frisson, uma animação, pairando no ar. Mesmo em anos de estiagens, mesmo em tempos de dificuldades para a maioria da população, como os tempos em que vivemos, é inegável que as festas dos três santos têm o condão de mudar o clima, de desanuviar os semblantes, de instilar uma animação e uma alegria coletivas.

Mas o que tornou as festas juninas eventos tão especiais? O que fez com que a comemoração dos três santos do mês de junho tenha se tornado tão valorizada por aqueles que habitam a região Nordeste? Nenhum estudo mais aprofundado foi feito a esse respeito, mas tenho algumas hipóteses, que me parecem um bom ponto de partida para entendermos essa relação especial que os habitantes ou filhos desse espaço têm com essas festas.

Elas ocorrem no mês em que, normalmente, ocorrem a colheita dos principais produtos da agricultura familiar ou de subsistência na região. Como as chuvas nesse espaço, em anos normais, costumam começar para valer no mês de março, as plantações feitas nessa época costumam estar maduras, prontas para a colheita, no mês de junho. Para uma população marcada pelo trauma das secas, da falta de produção, para uma população acostumada a passar fome, a viver períodos de penúria, as festas associadas a fartura, a boa colheita, que ocorrem em uma época em que a maioria tem o que comer, só podem ganhar um significado muito especial.

Há uma estreita relação entre as festas juninas e a fartura de comidas, notadamente das comidas feitas a base de milho verde (pamonha, canjica, milho assado, milho cozido, bolo de milho). O milho, ao lado do feijão, da fava, da abóbora, da melancia, são as plantações tradicionais dos pequenos produtores nordestinos. Esses cereais e essas frutas costumam levar apenas três meses para produzirem, para alcançarem o estágio da maturação. Plantados em março estarão prontos para serem colhidos e comidos verdes, no mês de junho.

Não há como dissociar festas juninas das chamadas comidas típicas dessa época. Elas marcam um momento de celebração que começa em torno de uma mesa ou mesmo em torno de uma fogueira, onde se assa o milho no braseiro, onde se bebe a caipirinha, o vinho, a cerveja, o cachimbo (bebida feita da mistura de cachaça e mel).

As festas juninas ocorrem, justamente, no período que no Nordeste se chama de inverno, ou seja, durante a estação das chuvas e no período de temperaturas mais baixas na região. Numa área marcada pelas catastróficas estiagens, tempos de chuva, tempos de inverno, já são motivo de alegria e de contentamento. As festas juninas vêm coincidir com o momento em que, em anos normais, o nordestino está vivendo a alegria e a satisfação de ver a terra molhada, de ver as plantações vingarem, crescer e dar frutos.

Elas se tornam um pretexto para o agradecimento e o festejo da chuva, do bom ano de inverno, da colheita, da fartura. É o momento em que, devido a plantação ter vingado, o nordestino pobre não só tem o que comer, como pode dispor de uma renda extra, para fazer um casório, para fazer o batizado da criança, para comprar uma roupa nova.

As festas juninas, no Nordeste, estão associadas a alegria do próprio renascer da natureza, mas também de serem momentos excepcionais de fartura e de bonança. É muito comum, entre as camadas populares, ser esse o momento de comprar uma roupa nova ou um calçado novo para ir à festa, para procurar, inclusive, romance e casamento. Santo Antônio é o santo casamenteiro e faz parte de suas festividades fazer a adivinhação ou a simpatia visando saber quem lhe está prometido pelo santo ou mesmo para que ele dê um jeito de arrumar um amor, um pretendente para a moça ou o rapaz que já ameaçam ficar para titia ou titio, ou ficar no caritó.

Essas festas se tornaram ainda mais excepcionais e identificadas com a região à medida que as músicas ditas regionais foram a elas atreladas. O forró, o baião, o xote, o xaxado, ritmos inventados e nordestinizados a partir dos anos quarenta, do século XX, notadamente através do trabalho de Luiz Gonzaga, passaram a ser os ritmos mais tocados quando dos festejos juninos, até porque eles se tornaram temas constantes dessas composições. As festas juninas passaram a ser uma espécie de fato social total, ou seja, passaram a agregar tudo aquilo que significa prazer, alegria, felicidade, englobando vários aspectos e momentos da vida social: roupas, comidas, bebidas, dança, namoro, música, devoção, etc.

Elas passaram a sintetizar tudo o que significa o bem viver, o que significa o bom da vida, são eventos que reúnem o sagrado e o profano, a devoção e a festa, a diversão e a comemoração. As festas juninas resumem bem o que podemos nomear de catolicismo popular, essa maneira muito peculiar de cultuar e reverenciar os santos, que não separa a dimensão sagrada e a dimensão profana do festejar. Um culto marcado pela alegria, pelo dispêndio, pela extroversão, pela comemoração pública e coletiva, pela centralidade do corpo e das coisas carnais.

Por isso, chegado o mês de junho, é como se um novo tempo se instalasse na região. Ouvem-se músicas em todas as casas, de preferência as ditas músicas regionais. As cidades e casas se enfeitam, se engalanam com bandeirolas coloridas, as casas comerciais utilizam os motivos juninos como marketing. Os fogos explodem a toda hora, a meninada faz a festa com as bombinhas, traques, estrelinhas, as cidades se tornam ainda mais ruidosas.

Mesmo nas capitais e grandes cidades, nas noites de véspera de Santo Antônio, São Joao e São Pedro, o ar se enche da fumaça das fogueiras, que teimam em ser acesas, apesar de todas as proibições. Notadamente nas comunidades mais pobres, nos bairros populares, mesmo diante da impossibilidade de se comprar a madeira para queimar (cada vez mais cara e escassa), queimasse lixo, restos de móveis, qualquer coisa com que se possa improvisar uma fogueira. A atmosfera das cidades literalmente muda dada a poluição ambiental trazida pela queima de fogos, pela soltura de balões e pela fumaça das fogueiras.

Muitos migrantes escolhem o mês de junho para virem visitar a região e suas famílias, para participarem das festas. Esse se torna mais um motivo para entendermos o caráter excepcional que os festejos juninos adquiriram na região. Eles passaram a ser o momento dos reencontros com a terra, com os amigos, de matar a saudade, de rever os seres amados, de vir ter com os amores que se deixou para trás, que se deixou esperando.

O mês junho, as festas de meio de ano, se tornaram o momento do retorno dos seres queridos, que chegam com os presentes da cidade grande, que chegam com o dinheiro que vai fazer a festa. É o momento em que os familiares da cidade grande visitam os parentes dos sítios e fazendas, em que famílias se reencontram em torno da fogueira, da mesa, da festa, do forró, da sanfona.

Os megaeventos juninos movimentam as cidades durante trinta dias, trazem grandes artistas, celebridades, turistas e permitem que muitos ganhem o dinheiro com que viverão grande parte do ano. Por tudo isso, as festas juninas têm um significado tão especial para aqueles que vivem no Nordeste ou se consideram nordestinos.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.