A saudade: a presença da ausência

O que sentimos ao dizer que estamos com saudades de algo ou de alguém? Antes de mais nada sentimos e lamentamos por uma ausência. Contatamos que algo ou alguém nos falta, nos faz falta. Apontamos para uma lacuna que se abre no presente, uma não presença que se constata e que se apresenta. 

Essa ausência punge, ou seja, ela nos toca, ela nos fere, ela dói, ela nos faz sofrer. Mas, a saudade seria nostalgia ou melancolia se ela fosse apenas essa constatação da ausência e a dor e tristeza que a acompanham. A saudade não implica apenas encarar que algo ou alguém se ausentou e isso causa dor e sofrimento. 

A saudade é um sentimento mais complexo porque envolve o desejo de retorno do que se faz ausente, ele é integrado por uma ânsia e um desejo de volta, não apenas do objeto ausente, mas do próprio tempo e realidade que o envolviam e constituíam sua figura.

A saudade provoca um misto de dor e tristeza pela constatação da perda, da partida, da não presença e de prazer e alegria pelo retorno momentâneo e fugaz que a lembrança, que a recordação do outro permite viver. Quando sinto saudade de alguém um misto de emoções se passa em meu interior: no mesmo instante em que sofro por ter perdido algo ou alguém, sinto um alívio e quase uma alegria em poder tê-lo, revê-lo novamente, em minha lembrança. 

A saudade, quanto mais intensa, mais ela permite a vivência dessas experiências ambivalentes, mais ela pode ser uma mistura de sentimentos contraditórios, em que a alegria de reviver o passado se conecta com a tristeza do presente esvaziado da presença do outro.

A saudade é um sentimento que provoca a aproximação e a fusão de temporalidades. Através da saudade o passado habita o presente, com ele se mistura. O sentimento saudoso é como uma tinta que dá cores e tons ao presente. A saudade é como um filtro, como uma viseira, como uma película através da qual olhamos para as coisas e para o mundo. 

Quando estamos tomados pela saudade, a vida, as coisas, as pessoas ganham tonalidades e aspectos que não possuíam antes. A saudade produz em nós uma espécie de olhar anacrônico, recuado, distanciado, que faz com que olhemos tudo com uma sensação do remoto, do distante. 

A saudade é, ao mesmo tempo, a constatação e a produção de uma distância entre o presente e o passado. A saudade abre como que uma fenda entre o que foi e o que está sendo. Ela, ao mesmo tempo, que se esforça para produzir uma continuidade entre passado e presente, abre uma descontinuidade entre eles, instaura uma ruptura, onde quer ver uma permanência.

A saudade, ao mesmo tempo que nos aproxima das coisas e seres do passado, nos coloca diante de seu distanciamento e desaparecimento. A saudade traz as coisas de volta através do recurso a memória e a imaginação, mas, ao mesmo tempo, nos faz perdê-las novamente, nos faz reviver a sua presença e a sua perda. 

A dor maior contida na saudade reside nessa reencenação do gesto de partida, do momento de perda, que está atrelada a próprio reencenação da presença e do encontro. A saudade é reencontro e desencontro, simultaneamente. 

A saudade é motivada não apenas pela vontade de lembrar, pela reminiscência que aflora em nós, mesmo sem desejarmos, pelo encontro com algo que obriga a recordação (uma música, um rastro de perfume, um objeto, uma imagem), mas também pela ânsia de retorno, pela busca de retomada de um tempo que o ausente veio tornar diferente, veio constituir um marco. 

Quando desejamos a volta de alguma coisa ou de uma pessoa, desejamos, de fato, voltar no tempo, se instalar em um tempo anterior ao que estamos vivemos, queremos que o futuro repita o passado, que o futuro traga como promessa e novidade o retorno do que se foi.

O saudosista é, justamente, aquele que tem como projeto de futuro o retorno do que se foi, o retorno de um passado idealizado, um passado visto como superior ao presente. O saudosista recusa o presente, considera que ele representa uma debacle em relação ao passado, ele convive mal com esse tempo em que ele se sente como se fosse um exilado. 

Ele tem como projeto de vida reaver o tempo que se foi, o tempo que perdeu. Ele tem como horizonte de expectativa a volta a um tempo perfeito e harmonioso que ficou perdido no antanho. O saudosismo é uma maneira de se relacionar com o tempo e com a vida. É uma maneira de olhar para o mundo, uma maneira de conceituá-lo e contá-lo. 

Olhar para a vida e para o mundo através da saudade é encontrar neles sempre um certo quê de inautenticidade, de perda de essencialidade, de verdade, até mesmo de beleza. O mundo presente, a vida presente, parece falsificadas, uma espécie de engodo, uma espécie de mascarada, por perda de substância e realidade.

Assim como o romancista francês Marcel Proust (1871-1922), o saudosista é alguém que vive em busca dos tempos e dos espaços perdidos, que busca através da memória restaurar, nem que seja através do relato, do testemunho, da escrita, esse mundo que se perdeu. Muitas das obras da literatura, muitos poemas, mas também muitos relatos históricos, nasceram desse desejo de reter o passado, de estancar a passagem do tempo, de vencer a dimensão ruinosa das mudanças históricas, dos acontecimentos. 

O saudosista luta contra o tempo, tenta deter seu caráter corrosivo, tenta impedir que realiza seu trabalho de destruição e de esquecimento. A saudade luta contra o esquecimento e luta contra a morte, ela é uma forma de fazer o luto, de prantear e, ao mesmo tempo, homenagear os mortos, os que se ausentaram, tudo o que não é mais presença concreta e material. A saudade ergue monumentos etéreos para aquilo que toma como motivo. 

A saudade é a produção da presença imaginária e imaterial de algo ou de alguém. Mas se engana quem pensa que esse objeto ou esse sujeito da saudade, por ser etéreo, não machuca e dilacera. Como ouvimos falar no senso comum, a saudade é capaz de morte, ela pode matar. Sendo luta contra o morrer das coisas e das pessoas, ela pode ser motivo de morte, ela pode levar ao perecer.

A saudade é uma forma de evitarmos o esquecimento, essa outra cara da morte. Mas, contraditoriamente, o ser ou o ente que mantemos vivo através da saudade, morre um pouco a cada vez que o recordamos. É como um retrato ou uma pintura que vai desbotando, que vai perdendo as cores vivas, que vai ganhando uma tonalidade sépia, vai, como num ocaso, se tingindo com tons desmaiados, cada vez menos nítidos. 

De tanto ser lembrada, uma dada figura do passado vai se desgastando, vai deixando de ter contornos nítidos, para ir se tornando uma espécie de borrão, de massa informe, de nebulosa, que tende a ir perdendo o seu brilho. Com o tempo, daquele ser saudoso, daquele objeto de saudades só restarão fragmentos, traços, pequenos coágulos a boiar em meio a uma crescente zona de indiferenciação, uma zona opaca, uma escuridão. 

Por mais que tentemos, desesperadamente, fixar as formas dos seres e das coisas das quais sentimos saudades, elas, inevitavelmente, com o tempo, perderão as nítidas linhas que as delineavam, restando como que flashes, como que bolhas de sua existência.

A saudade, ao mesmo tempo que consola, desola, produz a comiseração. Quando ela chega pode, até, num primeiro momento, trazer consolo pelo reencontro com o rosto, com o corpo, com o ser amado, mas logo a seguir ela traz a desolação pela certeza da ausência, da não presença do objeto do sentimento amoroso. 

Sim, sentimos saudade do que amamos, do que queremos, do que não desejamos abrir mão. A saudade tem algo de posse fracassada, de retenção malograda. Sinto saudade de algo que imagino e desejo me pertencer, que penso não deveria se ausentar de mim, não deveria me deixar, não poderia ir para longe de mim. Ao sentir saudade desejo possuir de novo isso que um dia, pretensamente, me pertenceu, foi meu, fez parte de mim. 

São muitas as manifestações de saudade que se baseiam na alegação de que um pedaço de si mesmo foi arrancado, que houve a perda da parte mais preciosa e significativa do seu ser mesmo. A saudade seria, assim, uma espécie de restituição, ela traria de volta essa parte perdida, essa metade arrancada. A saudade permitiria que um ser ao qual falta uma parte voltasse a se sentir e a se encontrar inteiro.

Somos capazes de sentir saudade até do que ainda não vivemos. Gilberto Freyre (1900-1987), o sociólogo pernambucano, se confessava um saudosista convicto, capaz de sentir saudade do futuro, ou seja, ele seria capaz de sentir saudade de alguma coisa que ainda iria viver, dado que ele sabia que tudo que viveria seria passageiro, um dia se perderia, nem que seja com a morte própria. 

Também podemos sentir saudade do que não foi mas poderia ter sido, ou seja, podemos sentir a saudade de algo ou de alguém fruto de nossa imaginação, mas que não chegaram a se materializar, em nossas vidas, como queríamos. A saudade é, muitas vezes, uma forma de vivermos o que não chegamos a propriamente viver, sentimos falta das circunstâncias em que, se tivéssemos aproveitado, algo poderia ter ocorrido (aquele rapaz poderia ter sido o marido sonhado, aquela casa da esquina poderia ter sido o seu lar, aquela loja poderia ter sido sua). Mas, se nos exilarmos nas saudades, podemos esquecer de viver o presente e construirmos um futuro.