“Minha princesa, minha joia, minha flor preciosa”.
Não houve uma única vez na vida em que minha tia Vanda não tenha reagido assim ao me ver, ou atendido assim ao telefone para falar comigo. Ao longo dos meus quase 35 anos, recebi dela o maior amor do mundo. Hoje, ela se foi.
Eu ainda não sabia quando comecei a preparar a minha coluna de estreia no Diário do Nordeste, naturalmente sobre Rússia e Ucrânia. Agora, não consigo mais escrever nada que não seja pensando nela. E, sendo a minha tia a pessoa tão boa que era, fico feliz que ela tenha descansado sem saber que uma nova guerra mundial começou.
Assistimos perplexos ao crescente descontrole de uma situação que há muito tempo se arrasta. Ora vejam, a diplomacia funciona muito bem, mas só até a hora em que falha. Se, hoje, eu ligasse para a minha tia Vanda, assim como perguntou sempre ao longo dos últimos dois anos de pandemia, ela diria “minha filha, você tá bem né?”.
Estou, tia, em Portugal estamos a uma boa distância geográfica da área do conflito, embora por aqui também haja movimento. O país é membro da Otan, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, e já confirmou que vai enviar tropas para territórios que também são parte da organização, como a Romênia, e que fazem fronteira com a Ucrânia.
É uma resposta singela. A Otan não vai agir em solo ucraniano, apenas dentro dos territórios dos próprios aliados.
Não é com o que Volodymyr Zelensky contava, mas é exatamente o que Vladimir Putin sabia que aconteceria. O ocidente, até agora, não planeja pegar em armas para proteger o povo ucraniano.
Putin, aliás, tem tudo na mão para prosseguir com uma invasão que, já está claro, vai muito além do que seria o objetivo russo: reconhecer e proteger as regiões separatistas de Donetsk e Luhansk.
Em poucas horas, e apenas com uma parte das tropas, os russos se espalharam por outras áreas. Nesse ponto, acertou a inteligência norte-americana, que veio alertando sobre o perigo de uma grande invasão mesmo sob os olhares internacionais que diziam que tudo era apenas histeria ocidental para causar uma guerra.
Os Estados Unidos não são mocinhos. A situação atual está diretamente relacionada aos interesses que o país tem para isolar e penalizar a Rússia e ao caminho que adotou historicamente para alcançar esse objetivo.
Mas, como disseram, e bem, todos os líderes internacionais democráticos que reagiram hoje - grupo no qual não se inclui o presidente brasileiro, que até agora nada falou - a Rússia proferiu um ataque às bases da democracia.
O problema é que a conta não vai chegar agora para Vladimir Putin. As sanções econômicas que pretendem minar as principais fontes de rendimentos do país, e são muitas, certamente foram previstas. Putin escolheu arcar com esse prejuízo, mas em nome de que? Sinceramente, não sabemos.
Se ouvisse tudo isso, minha tia Vanda diria, como sempre, “pois se cuide minha princesa”. Fico muito aliviada por lembrar que a última frase que ela me disse não foi essa, mas um “linda, um beijo”. Sem preocupação, sem medos, só com amor, que era o que ela sabia dar.
Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.