Mesmo antes da pandemia, percebi o quanto o amor pelo futebol e pela leitura, dois de meus hobbys, produzem sociabilidades urbanas. O primeiro é mais poroso, abrangente e dispersa territorialidades. O segundo não alcança a mesma popularidade, mas, ultimamente, vem criando seus territórios e ganhando admiradores em diferentes pontos da cidade.
As torcidas do esporte bretão são nosso primeiro exemplo. A paixão pelos seus clubes leva milhares a participar de torcidas uniformizadas. Essas constroem sedes que se tornam lugares de encontro. Nas ruas e nas praças, o apego à mesma agremiação esportiva aproxima “desconhecidos”.
Dos tantos cantos da cidade, dentro e nos arredores dos estádios, hordas de uniformizados cantam hinos e entoam gritos de guerra. A cada disputa, exibem criatividade, organização e solidariedade.
Os torcedores se sentem unidos, independentemente do bairro onde habitam, da profissão que exercem ou dos seus apreços partidários.
As camisetas com suas cores tradicionais são a principal referência, demarcam temporariamente os territórios nos bares e nos estádios. Naqueles noventa minutos, o amor pelo clube é o que importa, é o principal cimento social, é uma profissão de fé, uma verdadeira religião.
O nosso segundo exemplo é menos conhecido, porém consagrado, a difusão do gosto pela literatura. As bibliotecas e livrarias agregam interessados pelas letras, histórias e fantasias.
Certo dia, lembro-me de observar atentamente um grupo de dez jovens, sentados em círculo, no piso superior de uma livraria em Fortaleza. Agarrados a exemplares de um livro, descreviam e defendiam com tamanho entusiasmo seus personagens preferidos que aparentavam torcedores. Tratavam-se como se formassem uma fraternidade do livro.
E as bibliotecas comunitárias? Quem me fez compreender a importância desses espaços foi um grupo de universitários que certo dia me apresentou um lindo trabalho sobre a biblioteca comunitária no bairro Presidente Kennedy. O saber e o conhecimento se tornam caldo cultural e esperança para novas trajetórias e mobilidades sociais.
Jovens e, principalmente, crianças aprendem e se divertem através do mundo das páginas. Essa apropriação reverbera e forma leitores, na mesma sintonia, cria simbologias e ativismos sociais nos lugares onde se espacializa. São territórios sublimes e catalisadores de sonhos.
As sociabilidades produzidas pelo futebol e pela literatura fazem bem à cidade.
Ambos os casos provam que somos capazes de nos relacionar e nos unir para fins em comum. Demonstram a capacidade de criar sociabilidades populares e criativas. E como comprovou Nelson Rodrigues, o amor a ambos é possível. Saudamos o futebol como arte e a leitura como paixão nacional.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.