Fortaleza é enorme e seu tecido urbano diverso. Dos anos 1970 para cá, as franjas de crescimento tornaram-se bairros consolidados, habitados por milhares de cidadãos e distantes das áreas dinâmicas e centrais da cidade.
A urbe em sua totalidade é difícil de conhecer. Não obstante, não é essa a tese principal. Na verdade, existem áreas urbanas socialmente invisibilizadas, e que dados segmentos sociais não fazem questão de visitar.
Vejam o que acontece nesse momento de ampliação da vacinação. Esse processo se avança para faixas etárias inferiores, alcançando camadas populacionais mais abrangentes da metrópole. Uma ótima notícia! Nesse momento, a estratégia municipal é evitar aglomerações e distribuir pelo território da cidade mais pontos de aplicação dos tão sonhados imunizantes contra a famigerada Covid-19.
Se antes, o Castelão, os Shoppings e o Centro de Eventos eram, fundamentalmente, as referências espaciais de vacinação; hoje, dezenas de postos de saúde compõem a rede de distribuição das preciosas vacinas. Até aí tudo bem! Solução totalmente coerente e apropriada.
Todavia, em muitos casos, a grande distância entre residência e local de vacinação gerou críticas aos gerenciadores do processo. De fato, com as tecnologias do presente e o cruzamento dos dados de localização, é bem simples estabelecer uma escala espacial de abrangência de cada ponto de imunização. Melhor dizendo, é plausível fazer uma distribuição equitativa das distâncias e apontar o lugar mais próximo, da residência, para receber a dose.
Pelo que li no noticiário, os gestores aceitaram a crítica e, para a administração da segunda dose, mais pontos de vacinação foram constituídos e as distâncias diminuíram. Isso, evidentemente, se houver doses em quantidade adequada.
Em realidade, muitos trabalhadores foram compelidos a atravessar a cidade de norte a sul, ou de oeste a leste. Conversei com um morador da Granja Lisboa cuja a vacinação da esposa foi atribuída para um posto de saúde no Ancuri e a dele, no mesmo dia e com uma hora de diferença, fora agendada para um shopping no Papicu.
Isso não é lógico! Para alguns, as dificuldades para deslocar-se, o tempo, os custos e até as fakenews, podem levar, inclusive, à abdicação da imunização. O que seria, inegavelmente, uma perda para toda sociedade.
Além disso, um fato no mínimo curioso me chamou a atenção. Colegas e outros que escutei, cujo desconhecimento da cidade é latente, relataram constrangimento ao serem obrigados a deslocar-se até bairros periféricos para receber a vacina.
A vacinação possibilitou visitar as paisagens periféricas de Fortaleza. Eles “viajaram” aos bairros Canindezinho, Jangurussu, Barra do Ceará e Pan-americano. Em muitos casos, tamanha a alienação urbana, lá chegaram graças aos aplicativos de guiamento urbano. Um chegou a dizer: “nunca imaginei que em Fortaleza havia ruas com nome dos estados brasileiros” ou “nem sabia que aquela área era Fortaleza”.
Esse contratempo gerado pela distribuição dos pontos de vacinação possibilitou aleatoriamente algo de bom. A situação se constituiu em momento pedagógico, quase uma aula de campo. Na geografia, adoramos as imersões no espaço urbano. Socialmente, elas nos ajudam a superar os preconceitos e nos tornam mais curiosos e empáticos.
Então, pensando positivo, encare a viagem à vacinação como uma bela aula de campo. Assim nunca mais esqueceremos que Fortaleza é mais que seus belos trechos à Beira-mar.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.