Desafios para ser rei ou para governar a cidade?

Quando era adolescente, numa das minhas permanências na biblioteca da escola, aleatoriamente, caçava livros nas prateleiras. Num destes movimentos ocasionais, selecionei o volume Sete Desafios para Ser Rei, escrito pelo holandês Jan Terlouw. Pela síntese, parecia-me mais uma daquelas histórias medievais, cheias de aventuras, heróis e com final feliz. Ou seja, ótima escolha.

Realmente, o livro juvenil tinha tudo aquilo e, até por isso, o li rapidamente. Aquela leitura despretensiosa faz mais de vinte anos. No entanto, mesmo depois de todo esse tempo, eu nunca esqueci das aventuras do jovem Stach no reino de Katoren.

O plebeu Stach almejou ser rei e, para tanto, deveria superar desafios hercúleos. Eram, na verdade, graves problemas que afligiam as cidades do reino e, por muitos, considerados realidades insolúveis.

Terlouw, físico e ex-primeiro ministro do seu país, escreveu o livro em 1971. Ele foi capaz de trazer na tessitura do texto, na forma de parábola, temas atualíssimos e ainda hoje desafiadores para qualquer gestor público.

Não quero e não vou dar spoilers. Mas algumas informações tenho que fornecer a fim de justificar minhas lembranças. Daí tirem suas conclusões se é ou não é atual.

O primeiro dos problemas a enfrentar estava na cidade chamada Decibel. Uma urbe onde ninguém se falava, mal havia interações sociais e todos os habitantes andavam com protetores nas orelhas para se proteger dos ruídos estridentes de pássaros. A poluição sonora transformou-se em evidente problema urbano e com repercussões nas emoções e nas sociabilidades.

Noutra cidade, Polvorinho, o pé de romã, contaminado com os rejeitos de uma fábrica de pólvora, tornou-se um produtor de artefatos explosivos, altamente destruidores. A cidade inteira sofria com os efeitos da poluição industrial e de seus resíduos contaminantes. Ainda existia Fumaceira, mais uma das cidades do reino, sempre recoberta pelas fuligens expelidas por um dragão de várias cabeças. Ninguém naquela pequena cidade respirava bem.

Pra mim, o caso mais curioso era da cidade de Ecumênica. Apesar do nome, sua população vivia os percalços das igrejas que se moviam incessantemente, em várias direções, e produziram destruição por onde passavam. As diferentes facetas da intolerância e do conflito social produzem a cidade a sua imagem e semelhança, ou melhor, sempre em ruínas.

A maior coincidência do roteiro com a realidade é que o reino, conduzido por ministros especialistas, e as cidades, por prefeitos, mantinham-se afundados em burocracias, jogos de poder e inércias. Nas cidades, os próprios habitantes haviam esquecido as causas dos problemas e as naturalizavam, aguentando pacificamente suas consequências.

Diga-me se estas situações não são entraves urbanos do presente?

Ao fim do texto, ergue-se uma moral e um alerta. Primeiro, todos os problemas têm causas determinadas e podem ser solucionados com protagonismo social, justiça e criatividade. E segundo, o alerta: na vida real não existe um herói como Stach. Não existe salvador da pátria. A responsabilidade recai sobre a coletividade politicamente organizada, com o papel de eleger os maiores desafios e os problemas prioritários para cada cidade a para cada época.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.