Uma criança sem limites pode invadir o espaço dos outros e desrespeitar as normas sociais

Nos últimos dias, a mídia social divulgou um caso de uma criança que desejava se sentar na cadeira da janela do avião em que viajava, mas uma senhora adulta se recusou a concedê-la

Escrito por
Adalberto Barreto ceara@svm.com.br

Quando se cultiva batatas, as ramas crescem tão rápido que ocupam todo o espaço do entorno. Ela invade tudo e não tem respeito pelo território vizinho. Ao educarmos, estabelecemos limites aos filhos para os espaços interpessoais serem respeitados para favorecer uma convivência harmônica.

No início da vida, as crianças têm uma tendência a ser egocêntricas; elas se concentram em si mesmas e têm dificuldades em se colocar no lugar dos outros. Esta fase é caracterizada por um desejo incontrolável: tudo o que se vê se torna objeto de desejo e posse, e a noção de propriedade ainda não está clara. Não há limites para sua vontade. As birras e os choros são ferramentas que utilizam para manipular situações e obter o que querem.

É neste contexto que a educação se torna indispensável, por ser através dela que as crianças aprendem a importância do respeito mútuo e dos limites nas relações. Na convivência pacífica, não se aplica a máxima da política atual: “América first”. Primeiro, meu país, os outros que se danem. Agindo dessa forma, estamos criando um cenário inquietante para a paz entre as nações.

Enquanto alguns países hegemônicos agem de forma autoritária e egoísta, outros do sul da África têm filosofias profundamente humanistas: UBUNTU, palavra que significa a humanidade para todos. “Eu sou porque tu és”, ou seja, eu só posso ser pessoa através das outras pessoas. O Ubuntu nos ensina a importância da relação entre as pessoas, que devemos tratar a nós mesmos e aos outros com a dignidade devida.

Precisamos ensinar nossos filhos a serem ecocêntricos, “ubuntuistas”, ou seja, a compreender que convivem com outras pessoas e que é essencial ser empático, generoso e respeitar os outros, assim como é fundamental serem respeitados. Temos muito o que aprender com outras culturas. Essa mudança de foco, do “eu” para o “nós”, é vital para garantir uma convivência pacífica em sociedade.

A educação moral e social começa em casa, com os pais ensinando comportamentos para a harmonia familiar e social. É importante estabelecer limites em prol da convivência pacífica, aplicando leis justas para todos. É aqui que surgem os “nãos”. “Tesoura e faca não são brinquedos!” Não bata em seu irmão! Espere a comida esfriar, senão você se queima.” É quando a criança experimenta a frustração. Ela chora, reclama, insiste e faz chantagens emocionais. Age desta forma porque ainda não compreendeu que, para conviver em família e sociedade, é necessário seguir e respeitar as regras que asseguram uma convivência pacífica.

Ela precisa de tempo para entender e os adultos, por sua vez, devem ser firmes em suas respostas e precisam de paciência e determinação para garantir a lei e a ordem. É pela educação que se introduz à noção de regras e consequências. Esses “nãos” são cruciais para o desenvolvimento da criança, pois a ajudam a compreender que a convivência em sociedade requer respeito e consideração pelos demais. Essa frustração inicial é normal. Os pais não devem permitir que suas emoções interfiram na aplicação das regras. Um sim ou um não, não devem estar relacionados a um estado emocional. Se estiver alegre, direi que sim. Se estiver chateado ou com raiva, direi que não. O sim ou o não devem ser de acordo com os princípios universais.

Por exemplo, apropriar-se de objetos de outros em qualquer lugar do mundo é considerado um crime e pode ser punido. Pais atenciosos estão sempre vigilantes quando os seus filhos chegam em casa com objetos novos, geralmente trazidos da escola. Na minha infância, quando chegava em casa com um lápis novo ou borracha que não era minha, minha mãe sempre perguntava: onde você conseguiu isso? Ela aproveitava para ensinar-me que não devemos nos apropriar do que é do outro e exigia que eu devolvesse. Eram as primeiras lições que eu aprendia desde pequeno.

Meu avô materno, Zé Caruca, quando encontrava um objeto na rua, gritava alto: quem perdeu isso? Levarei para casa e ficará guardado até o dono aparecer. Ele sempre me dizia: só queira o que é seu. Quando precisar de alguma coisa, peça. A educação familiar é a base para o desenvolvimento de cidadãos conscientes e respeitosos. Essas lições simples, mas poderosas, formam a base do que significa viver em sociedade. A nossa família é nossa primeira escola. Lá, aprendemos as regras do bem viver. Diz o ditado popular que o costume de casa vai à praça. Se a família não cumpre esse papel de educar para a vida, se a escola também não exerce essa função, expomos à sociedade essas lacunas, deficiências da família de origem.

Nos últimos dias, a mídia social divulgou um caso de uma criança que desejava se sentar na cadeira da janela do avião em que viajava, mas uma senhora adulta se recusou a concedê-la.

A família da criança que estava ao lado em nenhum momento fez seu filho compreender que cada um tinha sua cadeira e que a dele era aquela. Esta criança estava em seu direito originário de querer para si o que era direito de outra pessoa. Faltou-lhe a lição não aprendida ou não ensinada em sua casa. E o fato apresentado como falta de empatia de uma adulta para com uma criança tornou-se uma indignação nacional ao testemunhar uma birra de uma criança mal-educada por não ter aprendido uma regra básica da convivência humana.

A filosofia nordestina afirma que não se cria filhos como areia cria batatas. Assim como as ramas das batatas crescem descontroladamente, uma criança sem limites pode invadir o espaço dos outros e desrespeitar as normas sociais. Também causou surpresa a falta de reação da família e de pessoas ao lado, diante deste evento, como se a culpa fosse da senhora desconhecida e não da família da criança mal-educada. É hora de refletir sobre o que as famílias ensinam aos seus filhos.

As leis que visam assegurar uma convivência pacífica parecem não estar presentes no processo de aprendizagem, sobretudo diante dos desafios enfrentados pela sociedade brasileira, sobretudo em relação à tentativa constante de desvalorização das leis e dos legisladores. Quando a sociedade começa a atacar suas instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF), isso mostra um desrespeito pelas normas que garantem a ordem e a justiça.

Atualmente, assistimos a ataques e ameaças aos defensores das leis do Supremo Tribunal Federal no Brasil. Isso não seria reflexo do que acontece em nossas famílias e na nossa sociedade? Destruir ou desmoralizar os legisladores, não seria uma tentativa de erosão do respeito às leis e um incentivo ao caos, onde a força prevalece sobre o bem comum e a justiça?

A quem interessa uma sociedade, uma nação sem o respeito às leis estruturantes do bem comum, senão aos seus predadores? A lei deixa de ser a garantia da ordem jurídica e vence o mais forte, o mais poderoso. Seria o retorno à lei da selva? O universo está em equilíbrio porque existem leis que garantem essa harmonia. Precisamos estar vigilantes para não deixarmos que nossas leis e seus legisladores sejam atacados. Seria o fim de uma nação, o fim da democracia, que, apesar das limitações, ainda é a melhor de todos os regimes.

É inaceitável a existência de exceções à aplicação da lei. Os policiais, que são os responsáveis por estabelecer a ordem social, não podem negligenciá-las ou desrespeitar-lhes, como temos observado recentemente nas redes sociais. Quando todos perceberem que, sem leis e regras, não haverá paz social, nos tornaremos suas defensoras. Mas, quando percebermos que elas estão servindo uns em detrimento de outros, nos tornaremos juízes cruéis entre si e o caos social se instalará. É o final da civilidade e o começo da barbárie.

Sem um compromisso coletivo com a educação e o respeito, a sociedade arrisca retroceder a um estado de barbárie. A educação, portanto, não é apenas uma responsabilidade individual, mas um pilar fundamental para a construção de uma sociedade justa, pacífica e solidária.

 
Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.