As catástrofes têm sido uma constante na evolução da humanidade. Na Grécia antiga as tragédias gregas tinham um papel educativo importante para formar o cidadão e instrumentalizar os legisladores para rever as leis do estado, da polis. Cada tragédia uma lição, uma mensagem, tão urgentes quanto a retirada dos escombros. O Rio Grande do Sul está vivendo sua maior tragédia. Cidades inteiras devastadas. Populações tendo que abandonar suas casas, perdendo tudo que foi construído durante toda uma vida.
Este drama a céu aberto tem sido o palco de acontecimentos trágicos, mas também de acontecimentos admiráveis, edificantes. O cavalo caramelo, símbolo da identidade gaúcha, sendo resgatado do telhado de uma casa inundada, sensibilizou toda a nação. A nossa vida é pautada por um tempo cronológico, um tempo material finito marcado por perdas, traumas, desastres, catástrofes, ciclos que se fecham e se abrem.
Nesta linha do tempo, tudo pode acontecer a qualquer momento. Mas a vida não se resume a sua materialidade. Existe uma outra dimensão da vida: o imaterial, aquilo que é eterno, que nem a morte e nem as catástrofes destroem. Quando o material desmorona, quando as catástrofes e acidentes aparecem, a dimensão transcendental ressurge para ressuscitar, reconstruir e corrigir atitudes e comportamentos. Só pelo reforço de valores básicos que constituem uma nação se pode ressuscitar o que é imaterial.
Nesta reconstrução, a espiritualidade tem um papel fundamental. Ela é uma energia ativa, uma consciência cósmica da vida como uma teia de relações. Cada coisa se conecta com outra. Sua essência é o amor incondicional, criativo e fonte de esperança. Sua expressão é a solidariedade, acolhimento e respeito a toda forma de vida. Um proverbio popular explicita esta realidade:” um pássaro pousado em um galho não tem medo de que o galho se quebre, porque sua confiança não está no galho, mas em suas asas, em sua capacidade de voar”.
Os galhos que se quebram são os acidentes, os desastres, as catástrofes, que constituem o tempo material. Muitas vezes é quando o galho se quebra, que descobrimos que somos aves, pássaros voadores.
É quando o lado imaterial, eterno, ressurge, com a missão de reconstruir no campo simbólico o que foi destruído no campo material. Tem aqueles que caem e permanecem caídos e perdem sua vitalidade, como galhos secos. São os que adoecem de transtornos mentais como a depressão. Tem aqueles que, foi preciso o galho se quebrar para que eles descobrissem suas identidades, suas missões, e revisassem seus valores. Esses não adoecem, são como o pássaro fênix, os que renascem de suas cinzas.
O Brasil e o mundo têm vivido momentos desestruturantes das relações interpessoais e sociais. A cultura do ódio alimentado pelas fakes news, o negacionismo e as polarizações têm desestruturado famílias e toda a sociedade. Valores cultivados durante gerações viraram escombros, lixos à céu aberto, tal qual os escombros materiais deste desastre ecológico. Eis que destes escombros materiais desperta em toda a nação o desejo de resgatar a SOLIDARIEDADE, um dos valores da convivência pacífica.
A solidariedade é um valor eterno, é a única maneira de pacificarmos os relacionamentos desfeitos, de reconstruímos pessoas, famílias e cidades e toda uma nação. A solidariedade é um valor que nos aproxima independente de cor, de partido político e de credo. As igrejas, guardiães dos valores espirituais, precisam rever seus conceitos. O comportamento de quem é espiritualizado é diferenciado. Ele acolhe, respeita as outras formas de expressar a fé, jamais nutre um discurso de ódio ao diferente.
A espiritualidade deve promover consciência crítica, se alinhar com o amor universal incondicional, e jamais se alinhar a valores partidários e temporais. A dor de um é a dor de todos. As emoções nos unem e as ideias nos dividem. Uma nação não se constrói só na materialidade, e sim promovendo valores como o respeito à diversidade, à natureza e a seus povos originários. Essa é a lei do retorno. Se plantamos o ódio, se atacamos as bases de uma sociedade, se negamos a ciência, desrespeitamos a cultura de um dos povos que constituem a identidade de uma nação, esta nação está condenada a sua extinção. A história tem nos ensinado isso. Só colhemos o que plantamos.
Desta catástrofe ecológica, podemos tirar pelo menos 3 lições:
- Será pela empatia e a solidariedade que podemos reconstruir uma nação;
- O ressurgimento do sagrado valor da vida. Tudo que se move é sagrado;
- Precisamos acolher e cuidar de mim, do outro e do planeta.
Qual foi a sua?