Quando a dignidade feminina custa menos do que uma telha de fibrocimento

A questão da pobreza menstrual, que é a dificuldade em ter acesso a itens básicos para enfrentar o período da menstruação, afeta 12% da população feminina adulta mundial e, no Brasil, uma em cada quatro mulheres. Trata-se de dado constatável por diversos organismos nacionais e internacionais, dentre eles a ONU, que inclusive apontam que as nossas meninas faltam mais às aulas por não terem acesso a absorventes. 
 
Atento a isso, o Estado do Ceará instituiu a Política de Atenção à Higiene Íntima de Estudantes da Rede Pública Estadual de Ensino e autorizou o Poder Público a adquirir e a distribuir absorventes higiênicos, por meio da Lei n° 17.574, de 2021. É o que se espera que um estado que respeita a dignidade humana faça em prol daqueles que efetivamente precisam de uma atuação firme e afirmativa.
 
Em sentido contrário, observamos dois movimentos completamente distintos e de desrespeito à dignidade de qualquer mulher, especialmente daquelas mais vulneráveis. O primeiro deles, com o veto pelo presidente Bolsonaro ao projeto de lei que, aprovado em setembro, previa a distribuição gratuita de absorventes femininos para estudantes de baixa renda de escolas públicas e mulheres em situação de rua ou em situação de extrema vulnerabilidade, dentre outras questões.
 
A negativa desse projeto, sob a alegação de que não foi estabelecida a fonte de custeio, só demonstra o desvalor em nosso país. Ao Governo que ineditamente “aceita” as chamadas “emendas de relator”, bilionárias destinações de recurso com pouca transparência no processo, não resta dinheiro para acolher mulheres que precisam usar jornal, paninhos, sabugos de milho ou outras formas espúrias para suportar o período menstrual.
 
E o outro movimento vem do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz): o Ceará apresentou proposta de convênio para autorizar os estados (não obrigá-los!!) a conceder benefício fiscal de ICMS para os absorventes, com base nos dados disponíveis mundialmente de enfrentamento da pobreza menstrual. Em um primeiro momento, o processo foi rechaçado no Plenário do Confaz pelo argumento de que esse incentivo iria beneficiar mulheres ricas, que podem pagar qualquer valor por um pacote de absorventes, ao que foi sugerida uma limitação no convênio para que ficasse restrito às mulheres inscritas no Cadastro Único.
       
Contudo, na reunião seguinte do Conselho, o Plenário aprovou benefício fiscal para telha de fibrocimento, tijolo refratário e tubo e manilha de concreto, sem que se fizesse qualquer menção a que esses itens, a exemplo dos absorventes, podem ser comprados por uma pessoa rica ou utilizados para construir um resort em Trancoso.
 
Dilemas atuais de um país insensível às questões de gênero e que não reconhece como legítimas as demandas femininas. Assim, continuamos convivendo com atentados fundamentais à dignidade humana. Perde o Brasil, ganha o Ceará.

Fernanda Pacobahyba é secretária da Fazenda do Ceará e Doutora em Direito Tributário pela PUC-SP

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.