Por uma Cultura de Paz na Comunidade Escolar

Quando o mundo da restauração se abre na frente de um sujeito, nunca mais ele vai olhar para a violência ou o conflito da mesma forma

Estive durante nove anos em sala de aula lecionando para crianças e adolescentes das escolas públicas de Fortaleza. A disciplina era a Matemática, que nunca foi a preferida da maioria de nós. A primeira profissão foi aquela escolhida pela intuição, pela afinidade e pela influência silenciosa do fazer do meu pai, que também era professor de Matemática. 

Gerenciar a sala de aula sempre foi um desafio por conta dos conflitos corriqueiros da criançada que vai se tornando adolescente ali no meio dos professores, dos colegas e da rápida dinâmica da sociedade. 

Eu, que sempre me senti naturalmente conciliadora, na hora da lotação dos professores, não fazia oposição ao ser escolhida para as turmas de sexto ano. Ahh! As turmas de sexto ano! A visualização é assim: crianças de dez anos em sua maioria e alguns até doze anos, entrando na tão complexa adolescência, que vão preenchendo o espaço escolar com muita energia, intensidade, descobertas e muito barulho. 

A escola, como eu repetia muitas vezes para meus alunos, é o laboratório da “vida real”. Aquele espaço e tempo em que estávamos juntos todos os dias era o nosso treino para evoluirmos juntos: profissionais, alunos e família.  

Aprender com amor é a melhor forma, mas o estopim das transformações é o conflito. Aquelas divergências naturais e que, muitas vezes, quando não tratadas de forma adequada, evoluem para violência.

Tratar o conflito na escola é um desafio que merece mais atenção, mais cuidado. Estamos lidando com seres humanos em desenvolvimento, crianças e adolescentes que, pela própria legislação nacional e internacional, devem ser tratados com o fundamento constitucional da Proteção Integral.

Nos tempos de escola de outrora, quando o professor ameaçava expulsar o aluno da sala de aula, o terror estava instalado. Todo aluno mais sensato morria de medo de ser levado para a diretoria. Só em pensar em ser suspenso, ou chamar os pais ou ainda ficar fazendo tarefa na hora do recreio, dava uma mistura de medo com vergonha. Ocorre que havia e ainda há alunos que não se sentem motivados a terem um “bom comportamento” ou não voltar a repetir determinada “conduta inadequada”, apesar desses recursos. 

O conflito na escola pode se dar em forma de indisciplina, mas o mais conhecido e nocivo é o bullying, que é a intimidação sistemática. No Brasil, por meio da Lei nº 13.185, de 06 de novembro de 2015, foi instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). 

O dispositivo legal define o “bullying” como todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas e traz, dentre os objetivos do Programa, promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua. 

Essa lei foi publicada há quase sete anos, apesar disso, essa semana o povo cearense se deparou com uma tragédia que marcará profundamente a sociedade, mas principalmente a comunidade escolar, na conhecida cidade de Sobral: um adolescente atirou em três colegas. 

A notícia reacendeu a necessidade de nos aprofundarmos sobre os tipos de conflitos que existem nas milhares de escolas do Brasil e do mundo e nos convida a refletir sobre qual a melhor forma de tratar esse conflito e seus envolvidos. A lei contra o bullying nos direciona a uma cultura de paz.

Em minha experiência como professora nunca tive êxito com a austeridade como forma de combater a indisciplina ou casos de violência. Pelo contrário, sempre que quis impor em vez de persuadir, explicar, dialogar ou abrir espaço para o acolhimento, afastei o aluno e perdi a oportunidade de compreendê-lo melhor ou de o influenciar de forma positiva. 

Tempos depois, quando ampliei minha visão sobre a escola, tive a oportunidade de conhecer o que chamamos de práticas restaurativas. Aprendi que existem ferramentas que podem ser utilizadas para tratar o conflito de forma alternativa ao paradigma da punição. 

Uma mãe, chamada Kay Pranis, canadense, cujos filhos estudavam em uma escola próxima de suas residências, acabou se aproximando muito da comunidade escolar para que pudesse acompanhar melhor os filhos e desenvolveu uma prática chamada de Processos Circulares. 

Conhecida como ativista na área de práticas restaurativas, Kay Pranis elaborou um Guia de Práticas Circulares, chamado No Coração da Esperança. O manual traz diversos modos de planejar, incentivar e realizar Círculos Restaurativos ou Círculos de Diálogos, que são utilizados para promover um espaço seguro e acolhedor em que as pessoas possam falar sobre os sentimentos gerados após situações de violência, de modo a restaurar um sistema afetado e cuidar da vítima, oportunizando ao ofensor meios de responsabilização e não de punição.

Tive a oportunidade de participar de capacitações, junto a outros professores, sobre Práticas Restaurativas, que foram momentos de muita riqueza de aprendizado sobre o ser humano, as emoções e a formas de comunicação não-violenta. 

Em outros momentos, aprendi sobre mediação escolar e, junto aos conhecimentos de práticas circulares, conseguimos resolver muitos conflitos entre pais de alunos, funcionários, gestores e alunos de forma pacífica, abrindo espaço para uma escuta ativa, em que as pessoas tiveram oportunidade e ambiente acolhedor para se compreenderem mutuamente e refletirem sobre suas emoções.

As práticas restaurativas são ferramentas eficazes de disseminação da Cultura de Paz para a coletividade, especialmente no ambiente escolar, onde se precisa de muito amor para educar e contribuir com o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Conhecer e utilizar as várias ferramentas que essas práticas proporcionam me moldaram enquanto profissional e ser humano.

Quando o mundo da restauração se abre na frente de um sujeito, nunca mais ele vai olhar para a violência ou o conflito da mesma forma. O pacificador/mediador é aquele ser humano que vai pensar um pouquinho mais antes de julgar, não importa a circunstância. Combater a intimidação sistemática e todos os tipos de violência na comunidade escolar é tarefa para os agentes de uma Cultura de Paz. 

 

Nahiana dos Santos Araújo é graduada em Matemática e em Direito