Por que não é recomendado comprar alimentos parcelados no cartão de crédito?

Hábito de parcelar compras no supermercado tem crescido, mas é desaconselhado por especialistas

Escrito por Mariana Lemos ,
foto de carrinho de supermercado com compras
Legenda: Compra parcelada de alimentos é prejudicial para saúde financeira dos consumidores, alertam especialistas
Foto: Fabiane de Paula

Para ter a garantia de alimentação ou conseguir comprar produtos mais caros, consumidores passaram cada vez mais a parcelar as compras em supermercados. A prática, no entanto, é desaconselhada por especialistas, pois pode levar ao endividamento

Em Fortaleza, comidas e bebidas correspondem a 69,5% dos bens comprados a prazo, segundo levantamento da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Ceará (Fecomércio-CE) realizado em março. 

A alimentação foi o grupo que mais pesou nas dívidas dos consumidores de Fortaleza em março, com 66% de participação, a frente do aluguel residencial (19%). A taxa percentual de comprometimento da renda familiar dos consumidores da Capital foi a maior dos últimos 13 meses.

O parcelamento é uma forma do consumidor que teve a renda comprometida manter o padrão de compra, explica Ricardo Teixeira, coordenador do MBA de Gestão Financeira da FGV. Ele alerta que a estratégia pode parecer vantajosa nos primeiros meses, mas cria uma bola de neve nas finanças pessoais. 

“O que as pessoas estão ganhando não dá para suprir todas as necessidades mensais. Então, parcela-se. Só que esse parcelamento tem que ser feito com cuidado porque, se você consome hoje algo que vai pagar em dois, três meses, você fica com a renda comprometida nos meses seguintes”, explica o professor.

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A longo prazo, o hábito de parcelar alimentos leva à redução ainda maior do poder de compra dos consumidores ou à inadimplência - nesse segundo caso, quando o número de parcelas se torna insustentável e o consumidor deixa de pagar a fatura. Para evitar cair na armadilha das parcelas, é necessário readaptar o estilo de consumo para o potencial de compra, substituindo produtos. 

Os preços dos alimentos vêm subindo acima da inflação geral desde outubro de 2023. No início do ano, a alta no grupo de alimentação levou a inflação a pesar mais para as famílias de baixa renda, segundo análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A expectativa é que, com o plano desenhado pelo governo federal, a alimentação volte a baratear. “Acredito que deve acontecer, mas depende do comportamento da própria sociedade. Porque o governo pode viabilizar o barateamento, mas o comerciante não acompanhar. E o que deve ser feito é não comprar desse comércio. Acompanhar os preços e não se permitir comprar se sentir que o aumento foi descabido”, orienta Ricardo Teixeira. 

AZEITE E OVO DE PÁSCOA PARCELADOS

O anúncio do parcelamento de alimentos é uma estratégia utilizada pelos supermercados para induzir os consumidores a um comportamento financeiro nocivo, alerta a coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim.  

As redes varejistas se beneficiam da prática porque os consumidores costumam comprar mais quando optam pelo pagamento a prazo. Alguns estabelecimentos dispõem ainda de cartões de crédito próprios, com taxa de juros abusivas. Ione Amorim usa como exemplo as compras feitas recentemente para a Semana Santa. “Parcelar o ovo de Páscoa, o Panetone em 10x sem juros. Tem o efeito psicológico para estimular o consumo. Porque uma pessoa que ganha R$ 1.400, a única forma de tornar isso viável é esse parcelamento”, afirma.

A coordenadora explica que o parcelamento de bens alimentares essenciais pode não ser um comportamento espontâneo do consumidor, mas de uma indução do sistema. Ela chama atenção para a necessidade de uma maior educação financeira por parte das famílias, a partir de programas elaborados para as faixas mais vulneráveis da população. 

Precisa ter consciência, controle. Normalmente os cartões têm limites incompatíveis. E o limite não é o referencial, o referencial é a sua renda"
Ione Amorim.
Coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec

"A sociedade está muito contaminada com a ideia de que o crédito pode resolver o endividamento. Então as pessoas vão tomando um crédito consignado para resolver o cartão de crédito, aí você cria uma ilusão”, explica.

Ione Amorim ressalta que os consumidores devem fugir do parcelamento de alimentos e remédios de uso contínuo para evitar um descontrole financeiro que gere dívidas. “Em três meses, você passa a pagar a soma das compras parcelas equivalente ao valor total de uma compra. O cartão gera uma falta impressão de que você tem mais recursos para gastar e o consumidor não é orientado a refletir sobre isso”, afirma. 

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