O querosene de aviação (QAV) voltou a ter o mercado reaquecido após a pandemia de Covid-19 no Ceará, como indicam dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Após uma grande alta até 2022, o que era esperado, houve uma pequena redução no ano passado. O resultado, contudo, ainda está longe de resultados pré-pandemia e refletem o impasse pelo alto preço do combustível.
As empresas aéreas têm atribuído ao valor do QAV a alta precificação das passagens aéreas no Brasil, e os dados do ticket médio no País comprovam a situação. O querosene, segundo cálculos de especialistas, pode corresponder a 30% do custo operacional de um voo.
Para tentar solucionar o caso, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, usou as redes sociais nesta quarta-feira (7) para informar que determinou "a criação de um grupo de trabalho junto ao CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), para estudar formas de diminuir os preços a partir da composição dos valores do combustível de aviação". A decisão foi em conjunto com o ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho.
O Diário do Nordeste selecionou os dados entre 2014 e 2023 de venda de QAV no Ceará para comparar os resultados do combustível no mercado local. Os números da ANP evidenciam que 2014 e 2015 foram os melhores anos para a comercialização de querosene de aviação no Estado, com queda gradativa até 2020, início da pandemia de Covid-19. Após esse período, houve uma retomada, mas ainda abaixo de anos anteriores.
Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste apontam que as razões para a variação no uso de querosene de aviação está intimamente ligada com a movimentação aeroportuária no Ceará, que tem enfrentado sucessivos desafios para recuperar os bons patamares do período pré-pandemia.
Grandes eventos internacionais
O QAV é o combustível "utilizado para grandes aeronaves movidas por turbina", como explica Bruno Iughetti, consultor na área de gás e petróleo. Isso inclui os diferentes tipos de aviões comerciais que pousam sobretudo nos aeroportos Internacional de Fortaleza, Cruz-Jericoacoara e Juazeiro do Norte, as três principais praças aeroportuárias do Ceará em movimentação de passageiros.
A ANP contabiliza, em metros cúbicos (m³), a quantidade mensal de querosene de aviação vendida em cada um dos 26 estados e no Distrito Federal desde 1990. Os últimos dados divulgados pelo órgão são de dezembro do ano passado.
Os dados da ANP mostram que o consumo de QAV, que ficou próximo dos 200 mil m³ em 2013 e deu um salto em 2014 e 2015, no contexto da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, eventos eventos nos quais a Capital foi cidade-sede.. À época, Fortaleza e Juazeiro do Norte eram as únicas cidades com aeroportos que recebiam diariamente voos nacionais e, naquela, também internacionais, como relembra Alessandro Barbosa, especialista em operações aeroportuárias.
O ano de 2015 foi diferenciado, assim como 2014 e 2013, justamente pelos eventos que tivemos no Estado. Em 2013, foi a Copa das Confederações, em 2014 a Copa do Mundo e o encontro do Brics [grupo de países emergentes que, até aquele momento, eram representados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul]. Isso projetou Fortaleza para o mercado internacional de forma descomunal, fazendo com que o aeroporto de Fortaleza fosse muito visitado, tanto o aeroporto como o Estado, durante todo o ano.
Mais turistas
Após a grande movimentação aeroportuária e com uma cidade ainda mais na rota dos turistas de lazer e de negócios, o resultado das vendas do QAV começou a declinar a partir de 2016 e seguiu asism mesmo com a inauguração do aeroporto de Cruz-Jericoacoara, em 2017, o estabelecimento do hub aéreo da Gol em parceria com a Air France-KLM, em 2018, e o início das operações do aeroporto de Canoa Quebrada-Aracati, em 2019.
"A onda [maior número de turistas] só não teve continuidade porque não houve nenhum trabalho mais forte em relação ao fomento das atrações cearenses. Foi muito bem vendido Jericoacoara, Canoa Quebrada, algumas praias de Fortaleza, mas o trade sempre pecou muito em não manter uma tradição de lançar novos produtos do mercado. Esses mercados foram visitados, saturados por esses visitantes e não houve uma continuidade, levando a uma nova queda em 2016, 2017 e daí por diante", observa o especialista em operações aeroportuárias.
O desaquecimento da economia nos anos seguintes a 2015, principalmente com o Brasil tendo dificuldades crescentes de melhoria nos indicadores, também pode explicar parte do problema de menor venda de QAV no Ceará, como destaca Viviane Falcão, professora doutora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
"Até 2016, por conta das Olimpíadas no Rio de Janeiro, os eventos influenciaram muito além da questão econômica. O Brasil vivia em tempos áureos, economicamente falando. A gente tinha um aumento no poder aquisitivo do brasileiro e uma diminuição muito grande das tarifas. Ainda tem outro fator, o câmbio, que influencia muito no querosene, o QAV é comprado em dólar", reflete.
Novas frotas
Para além de questões socioeconômicas, as fabricantes de aeronaves, como Airbus, Boeing e Embraer, estão produzindo aeronaves com cada vez mais eficiência no consumo de combustíveis. Segundo cálculos dos especialistas, o QAV corresponde a 30% do preço de uma passagem aérea.
"Os aviões estão sempre renovando as frotas, as tecnologias fazem com que se desenvolvam turbinas que utilizem menos combustível. Além dessa questão, a gente tem que avaliar outros aspectos. Se os voos, conexões e escalas estão sendo melhor trabalhados, acaba demandando menos combustível, porque está percorrendo uma menor distância. O consumo também tem a ver com a carga, número de passageiros, quantidades de bagagem. As pessoas cada vez mais estão viajando com malas de mão", diz a professora Maria Valderez Rocha, do curso de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Para Alessandro Barbosa, a economia com os novos motores utilizados nas aeronaves, embora não seja tão mais alta quanto os modelos antigos de turbinas, mostra que a evolução no melhor rendimento do QAV é uma preocupação frequente das companhias e fabricantes de aviões.
Com o lançamento das versões Neo, na caso do Airbus, da versão Max, da Boeing, a nova motorização traz uma redução bem considerável em relação aos motores que equipavam as aeronaves modelo 737 e A320 até 2014, na casa dos 6%.
O professor de Engenharia de Petróleo da UFC, Vitor Moreira, entende que a pandemia dificulta a retomada do mercado de QAV no Ceará, principalmente pela perda de conectividade da capital cearense com cidades de fora do País.
"As aeronaves estão mais econômicas porque tem turbinas mais elaboradas que acabam utilizando menos. Só que nesse cenário teve a pandemia, menos voos. Antes tinha um voo direto para Amsterdã, outros voos internacionais com mais frequência durante a semana. Na pandemia, teve um consumo bem inferior e agora está voltando, mas não no patamar que era por conta dessa logística de voos. Ainda não conseguimos ainda atingir o número de voos que existia antes da pandemia", aponta.
Indicativo de alta
Com o fim das restrições impostas pela pandemia, os três principais aeroportos do Estado estão operando, embora ainda longe da capacidade ideal e da demanda necessária. A alta nas vendas do QAV no Ceará de 2021 para 2022 refletem que a aviação cearense, pouco a pouco, caminha para retomar antigos patamares.
"Depois do Covid, todo mundo quer viajar. O que está atrapalhando o turismo são as altas tarifas. As companhias aéreas estão, de alguma forma, querendo ganhar em cima, porque tem a demanda, o pessoal quer viajar. Estão faltando aeronaves no mercado, significa que realmente a aviação vai voltar antes do que se havia previsto, aos patamares de demanda do que existia em 2019, que foi a maior demanda da aviação global. (…) Em 2022, o Ceará se tornou um destino muito procurado pelos brasileiros, porque alguns países estavam exigindo visto, ainda tinham fronteiras fechadas, e os preços da passagem internacional estavam muito altos", reflete Viviane Falcão.
No caso específico do QAV, a tendência ainda indica que o combustível deve se tornar mais sustentável. A professora Maria Valderez Rocha enfatiza que estudos com fontes renováveis, como biomassa, são realizados pelas universidades brasileiras.
"O que temos conhecimento é que também se investe em novos processos de obtenção do querosene de aviação, buscando fontes de biomassa, oleaginosas, por exemplo, para poder também ficar menos independente do petróleo, porque essa questão de custo também é algo que está pesando. Mais caro o combustível, mais cara é a passagem, menos procura, por conta da situação também econômica da sociedade, apesar de ter muitos viajantes. Tudo uma cadeia que vai mexer uma coisa na outra", esclarece.
Atenção em Jericoacoara e Fortaleza
De acordo com Vitor Moreira, o uso do QAV tende a aumentar nos anos subsequentes, muito a partir da demanda reprimida, e Fortaleza pode se beneficiar do ponto de vista da economia do combustível de aviação pela localização estratégica para o Hemisfério Norte.
"Se tiver investimento nessa expansão em voos, tem que ser considerada a posição geográfica de Fortaleza perante o Brasil. Voos saindo daqui para os Estados Unidos, países da América Central, são mais curtos e vantajosos do que voos saindo de São Paulo. As pessoas do Nordeste teriam mais possibilidade de fazer esses voos e até com um preço de passagem mais acessível. Com a logística melhor, esses voos internacionais poderiam utilizar menos combustível. Quanto mais voos, mais vai utilizar o combustível, por mais que tenhamos desenvolvimento de vários aviões com turbinas para utilizar menos", classifica o professor de Engenharia de Petróleo.
Mesmo com o cenário animador, Alessandro Barbosa alerta para a situação aeroportuária de Cruz-Jericoacoara e de Fortaleza, com aeroportos que estão a cerca de 270 quilômetros de distância por via terrestre.
O especialista em operações aeroportuárias afirma que o aeroporto de Jericoacoara está "concorrendo" com Fortaleza no quesito de atração de passageiros, e consequentemente fomentando o mercado de vendas de QAV no Estado.
Apesar dos bons números, ele acredita que o aeroporto está "fadado a ser um aeroporto tão obsoleto como são outros aeroportos espalhados pelo Brasil" pela saturação do movimento turístico e a estagnação de novas atrações turísticas.
A gente está aí numa leve queda no número de voos. Jericoacoara acabou sendo o aeroporto concorrente ao de Fortaleza, diferente de Juazeiro do Norte, que está estrategicamente bem localizado no Cariri, mas também não deixa de concorrer com Fortaleza. Acaba saindo muito mais em conta que um voo a partir de Fortaleza, acredito que Jericoacoara já esteja no seu máximo, e eu acredito que isso não seja retomado se não houver uma preservação maior daquele equipamento e um incremento de novas atrações no entorno daquela estrutura.