Usina de dessalinização: concorrentes do projeto contestam resultado de licitação

Segundo os documentos apresentados pelas empresas concorrentes ao Consórcio Águas de Fortaleza, o conjunto vencedor foi favorecido durante o processo. Consórcio vencedor afirma que contestações fazem parte do processo licitatório

A licitação para construção e operação da usina de dessalinização em Fortaleza, processo operado pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), está sendo contestada por dois dos consórcios participantes do edital, a GS Inima e a Cobra Brasil. Segundo as queixas, houve quebra de isonomia na competição que favoreceu o Consórcio Águas de Fortaleza, vencedor do certame. 

A empresa cearense Marquise, parte do conjunto ganhador, alega que os processos de contestação fazem parte do processo licitatório, e que "está tranquila" em relação às análises da Comissão Central de Concorrências do Governo do Estado. 

 

O processo agora está sendo analisado pela comissão de licitações responsável pelo projeto da usina de dessalinização. 

Contudo, de acordo com Eduardo Berrettine, diretor de concessões da GS Inima, a Marquise e o Consórcio Águas de Fortaleza se beneficiaram de condições especiais para garantir a consolidação do resultado. Segundo Berrettine, o conjunto formado por Marquise, PB Construções e Abengoa S/A, da Espanha, não entregou todos os documentos exigidos pelo edital.

Quando consultado pela Cagece sobre alguns detalhes que precisariam ser adaptados, o Consórcio, segundo a GS Inima, teria entregue novos documentos em vez de corrigir os textos originais. 

"Na diligência promovida pela Comissão de Licitação, o Consórcio não prestou esclarecimentos sobre documentos já juntados no certame ou corrigiu falhas, mas sim juntou novos documentos que poderiam ter apresentado oportunamente e não o foram, o que deveria ter resultado em sua inabilitação", diz a GS Inima em um dos protocolos de contestação aos quais a reportagem teve acesso. 

Pontos contestados 

Além disso, segundo os autos do processo, na contestação elaborada pela GS Inima, a Abengoa, empresa de origem estrangeira, não teria a "devida certificação pelo Consulado Geral do Brasil no País".

"Não comprovou, por meio de nenhum documento válido, mesmo que equivalente, que a consorciada Abengoa possui em seu quadro permanente de pessoal um ou mais profissionais de nível superior detentores de atestados que comprovem a sua responsabilidade técnica", afirma a empresa contestante. 

Outro ponto questionado, explicitado pela Cobra Brasil em um dos protocolos, é que o Consórcio Águas de Fortaleza não comprovou ter um patrimônio líquido exigido pelo edital.

Exigência de patrimônio

Segundo as regras da concorrência, a empresa ou consórcio deveria apresentar um patrimônio mínimo equivalente a 10% do valor estimado do contrato, que é de R$ 3.220.888.440,00.

A condição exigiria um patrimônio líquido de R$ 322.088.844,00. Contudo, no caso de a concorrência ser disputada por um consórcio, o patrimônio líquido teria de ter um acréscimo de 10% em cima do valor mínimo e ser calculado de forma proporcional à participação das empresas. 

Como o Consórcio Águas de Fortaleza se divide  em 60% da Marquise, 30% da PB e 10% da Abengoa, o cálculo deveria seguir essa proporção. E segundo a Cobra Brasil, que ficou em segundo lugar conforme a Cagece, o conjunto vencedor somou apenas R$ 321.867.512,48, o que invalidaria a concorrência. 

Os cálculos apontam um patrimônio de R$ 350.991.00,00 para a Marquise, R$ 719.466.608,40 para a Abengoa, e R$ 131.987.505,47 para a PB. 

"O edital é quem dita as regras, e ele fala que você precisa comprovar um valor de capital social e você comprova isso pelo percentual que está registrado como parte da sociedade do consórcio. e isso nosso jurídico levantou que a conta que eles apresentaram não está batendo, porque isso garante a competição. Se existe um regramento e um critério é preciso dar isonomia às propostas", disse Berrettine.

Patamar das propostas 

Para o diretor de concessões da GS Inima, a desabilitação do Consórcio Águas de Fortaleza não geraria aumentos de gastos consideráveis para a Cagece já que a diferença entre as três melhores propostas, considerando o critério de menor valor não são tão distintos, com uma diferença de cerca 1,8%. 

Veja o valor anual das propostas:

  1. Consórcio Águas de Fortaleza (Marquise, PB Construções e Abengoa) - R$ 118.187.178,72
  2. Cobra Brasil - R$ 119.909.773,72 
  3. Consórcio GS Inima (GS Inima Brasil e GS Inima Enviroment) - R$ 120.454.091,39 

"É uma diferença de R$ 1,5 milhão por ano, a questão é uma condição técnica, pelas questões específicas e temos um prazo muito curto. As capacidades técnicas e de operação são muito importantes e quando você não comprova isso, complica muito o projeto. Todos tivemos os mesmos prazos. Nós apresentamos tudo, então, porque não foi apresentado pelo Consórcio Águas de Fortaleza? O edital é que manda", disse Berretine. 

Posicionamento da Marquise

Questionada, a Marquise alegou que a contestação faz parte do processo licitatório. Segundo Renan Carvalho, diretor da Marquise Infraestrutura, líder do Consórcio Águas de Fortaleza, a empresa está tranquila em relação aos pontos contestados e apenas aguarda a avaliação da comissão de licitações do Estado. 

"Os recursos administrativos fazem parte do processo licitatório e, portanto, já eram esperados que ocorressem. Por outro lado, todas as matérias abordadas pelos concorrentes não trazem nenhuma novidade aos temas que já foram exaustivamente analisados pela Comissão e devidamente respondidos e refutados pelo nosso Consórcio. Aguardamos com serenidade a análise e posição da Comissão.  Esperamos que tudo se resolva com brevidade para que a Administração e, consequentemente, a população não sejam ainda mais prejudicados pelo atraso de tão relevante equipamento", disse Renan. 

Procurada, a Cagece afirmou que não irá se pronunciar sobre o caso até a conclusão da análise dos recursos.

Saiba mais sobre o projeto

A usina de dessalinização que vai ser construída na Praia do Futuro, em Fortaleza, deve utilizar a tecnologia por osmose reversa - também conhecida como osmose inversa - para obtenção de água potável.

Este processo é uma técnica que separa a água do sal por meio da aplicação de uma pressão sobre a água. Pressionada sobre uma membrana, a solução mais concentrada não penetra, mas a solução mais diluída atravessa o filtro, separando as duas soluções. Hoje, há 55 plantas de dessalinização em funcionamento no mundo que utilizam o sistema de osmose.

Os estudos também preveem que a usina captará água do mar a uma distância de 2,5 mil metros da costa e 14 metros de profundidade.