Taxação do aço anunciada por governo federal deve beneficiar siderurgia no Ceará; entenda

Medida é considerada uma vitória para o setor siderúrgico brasileiro, que enfrenta concorrência com o mercado chinês

Nas próximas semanas, 11 tipos de produtos de aço passarão por aumento na alíquota de importação no Brasil. Caso excedam o volume permitido para compra, os materiais serão taxados em 25% além dos impostos já em vigor.

De acordo com especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, a medida do Governo Federal fomenta os mercados siderúrgicos cearense e brasileiro e estimula a produção dos componentes frente à chamada "concorrência predatória" de países como a China.

A decisão foi do Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), na última terça-feira (23), atingindo 11 produtos, oficialmente denominados como Nomenclaturas Comuns do Mercosul (NCMs). Outros quatro itens são e studados se também podem entrar na lista de aumento da tributação (confira lista abaixo).

Segundo o Mdic, a medida estabelece "cotas de volume de importação para esses produtos — de maneira que a tarifa só sofrerá aumento quando as cotas forem ultrapassadas". Ainda não há detalhes sobre qual será esse limite.

A pasta esclarece que o aumento na alíquota é em decorrência do aumento no volume adquirido de derivados do aço, que em 2023 superou em 30% a média das compras realizadas entre os anos de 2020 e 2022. 

A medida deverá passar a valer no fim de maio. Para entrar em vigor, os países parceiros do Mercosul precisam analisar a resolução da Camex antes de ser publicada no Diário Oficial da União, além de ser necessário esperar a Receita Federal publicar uma portaria oficializando as novas cotas.

"Estudos técnicos mostram que a medida não trará impacto nos preços ao consumidor ou a produtos de derivados da cadeia produtiva. Durante os 12 meses, o governo vai monitorar o comportamento do mercado. A expectativa do governo é que a decisão contribua para reduzir a capacidade ociosa da indústria siderúrgica nacional", explica o MDIC.

China produzindo em larga escala

Em outubro de 2023, a retomada da cobrança das alíquotas de importação de produtos derivados do aço, principalmente vindos da China, indicava que o mercado siderúrgico nacional enfrentava problemas para competir com os baixos preços do país asiático.

As siderúrgicas brasileiras têm afirmado haver uma invasão do aço chinês, que chega ao Brasil mais barato que os produtos nacionais. Atualmente, as alíquotas variam entre 9,6% e 12,8%.

A atual decisão de elevar para 25% a taxa de importação ultrapassado determinado limite de exportação vai ao encontro das solicitações do setor, como pontua o economista Alex Araújo. Pela superprodução chinesa, o preço praticado no Brasil deixa o mercado local sem condições de competir.

O risco disso, assim como já vimos acontecer no segmento de automóveis e placas solares, por exemplo, é ter uma desindustrialização dos países em decorrência do processo de concorrência predatória. O aumento da importação foi um pedido da própria indústria nacional como mecanismo de proteção. A ideia acertada com o Governo é de que a medida seja temporária, de tempos em tempos seja revisada. Caso seja desnecessária, é retirada para o mercado funcionar normalmente.
Alex Araújo
Economista

O economista pondera ainda que o mercado siderúrgico cearense tem como característica mais exportar do que importar aço e derivados, e que a nova taxação é considerada uma das altas do mundo, garantindo "igualdade de competição" entre os produtos nacional e importado.

"A gente está protegendo dessa forma a parcela que é consumida localmente. Vão ter revisões periódicas nessa taxa. Ela foi estabelecida agora por se entender que seria um limite mais ou menos de sobrepreço para agregar ao produto importado, mas somente a realidade do dia a dia que a gente vai conseguir ver. A princípio, sim, porque é uma taxa muito elevada. Quando se compara com outras tarifas internacionais, esse percentual é um dos mais altos", classifica.

Proteção ao mercado cearense

No que diz respeito às exportações cearenses, o aço, ao lado do ferro e do ferro fundido, é o principal produto exportado, sendo responsável por mais de 53% de tudo o que foi comercializado com o exterior em 2023, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).

O secretário para assuntos jurídicos do Sindicato dos Metalúrgicos do Ceará (Sindmetal-CE), Francisco Silveira, elenca que essa taxação é "ótima" pelas atuais circunstâncias da importação do aço chinês, uma vez que deixa o produto produzido no Ceará e no Brasil "incompetitivo".

"Sem a taxação, teríamos uma queda nas vendas e consequentemente possíveis demissões. Essa taxação nos torna competitivos e consequentemente garante os nossos postos de trabalho, como também margem para reivindicarmos melhores salários e benefícios para os trabalhadores do setor metal mecânico", enumera.

Para o economista e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Ricardo Coimbra, a medida protege a indústria nacional de ter mais perdas com lucros de exportações para o mercado chinês, e gera uma consolidação, ainda que temporária, do segmento.

"A gente vai observar nas indústrias nacionais uma queda de lucratividade em função principalmente dessa concorrência significativa com os produtos dos outros mercados. Vai se gerar uma melhor capacidade de competição da siderurgia nacional e uma maior competitividade desse setor, no médio e no longo prazo. Vai preservar a capacidade do setor de atividade que vinha perdendo a participação no mercado e que poderia ter um impacto mais significativo nos resultados das empresas", argumenta.

Mudanças positivas

A decisão de aumentar a tributação para o aço importado, principalmente o chinês, é algo já observado em outros governos mundo afora, como na Europa e nos Estados Unidos, como destaca Alex Araújo. Para o mercado cearense, as mudanças dos últimos anos, que priorizaram a siderurgia em detrimento de outros materiais, precisam ser consolidadas e fomentadas.

"A gente tinha uma tradição de exportação dos peixes, calçados. A gente perdeu isso ao longo do tempo e hoje o principal produto do Ceará é a siderurgia. Acho que a indústria está muito preocupada com esse aspecto, em particular, olhando aqui para economia do Ceará, esse é um fator de preocupação, e a gente tem que olhar isso de perto para manter a economia pulsante", pontua.

Essa discussão pode impactar outros setores além da siderurgia. A indústria do cimento está sofrendo com essa competição, o Brasil está servindo com plataforma de investimentos para a indústria de automóveis. O excesso de produção chinesa está fazendo isso com que haja prejuízos em grande parte do mundo. Apesar de no curto prazo a gente ter benefícios de produtos mais baratos, a médio e longo prazo desorganiza a base econômica local.
Alex Araújo
Economista

Em nota, o Instituto Aço Brasil, uma das entidades que representam o setor siderúrgico no Brasil, faz uma avaliação positiva do aumento do imposto de importação do aço, principalmente para mitigar os efeitos que vêm prejudicando o setor com a forte concorrência dos produtos asiáticos.

"Ao atender o pleito, o governo brasileiro vai ao encontro de iniciativas implementadas por outros países que, da mesma forma que o Brasil, têm sido fortemente prejudicados pelas importações do aço que competem de forma desleal e predatória nos respectivos mercados internos", declara.

"Migramos para um sistema misto, com cotas de importações, que uma vez atingidas, passam a ter tarifa de importação de 25% para o que vier acima desse teto. É uma decisão histórica, o governo sinaliza que o Brasil não é terra de ninguém. Não é por acaso que Estados Unidos, México, União Europeia e Reino Unido tomaram mesma direção", completa Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil. 

A reportagem procurou as empresas cearenses ArcelorMittal e Aço Cearense para repercutir a decisão do Camex. Enquanto a primeira informou que ainda não tem posicionamento sobre o tema, a segunda preferiu não se manifestar. A Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) disse que não vai se posicionar sobre o assunto.

Que produtos serão taxados?

Oficialmente, 11 materiais importados com aço na composição terão aumento na tributação caso excedam o limite estabelecido pela Camex. Outros quatro estão em análise pelo Governo Federal devido às variações naturais de preços — o que não justificaria a alta na alíquota — ou pelo crescimento da oferta disponível.

CONFIRA A LISTA ABAIXO:

Serão tributados em 25%

  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 milímetros (mm), revestidos de ligas de alumínio-zinco;
  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, folheados ou chapeados, ou revestidos, galvanizados por outro processo, de espessura inferior a 4,75 mm;
  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos simplesmente laminados a frio, de espessura superior a 1 mm, mas inferior a 3 mm;
  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos simplesmente laminados a frio, de espessura igual ou superior a 0,5 mm, mas não superior a 1 mm;
  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, laminados a quente, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos, simplesmente laminados a quente, de espessura igual a superior a 4,75 mm, mas não superior a 10 mm;
  • Outros produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos, simplesmente laminados a quente, de espessura igual ou superior a 3 mm, mas inferior a 4,75 mm;
  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos, simplesmente laminados a quente, de espessura inferior a 3 mm, com um limite mínimo de elasticidade de 275 Mpa;
  • Outros produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos, simplesmente laminados a quente, de espessura inferior a 3 mm;
  • Outros fios-máquinas de ferro ou aço não ligado, de seção circular, de diâmetro inferior a 14 mm;
  • Tubos dos tipos utilizados em oleodutos ou gasodutos, soldados longitudinalmente por arco imerso, de seção circular, de diâmetro exterior superior a 406,4 mm, de ferro ou aço;
  • Outros tubos dos tipos utilizados em oleodutos ou gasodutos, soldados longitudinalmente, de seção circular, de diâmetro exterior superior a 406,4 mm, de ferro ou aço.

— Poderão ser tributados em 25%

  • ​Outros tubos de ligas de aços, não revestidos, sem costura, para revestimento de poços;
  • Outros tubos dos tipos utilizados em oleodutos ou gasodutos;
  • Outros tubos para revestimento de poços, de produção ou suprimento, dos tipos utilizados na extração de petróleo ou de gás, de ferro ou aço;
  • Outros tubos soldados de outras seções.

*Com informações da Agência Brasil.