O Senado aprovou nesta quinta-feira (6) o projeto que limita os juros do cheque especial e do cartão de crédito durante a pandemia do novo coronavírus.
O projeto é de autoria do senador Álvaro Dias (Podemos-PR) e o seu relatório estava concluído desde maio, quando iniciaram as negociações para que ele entrasse em votação. O parecer foi elaborado pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS) e traz alterações nos limites em relação ao texto original. O autor propunha um limite de 20% nos juros cobrados ao ano no cartão de crédito e no cheque especial. O relator alterou a taxa para 30% ao ano.
Martins também propôs que as linhas de cartão de crédito das instituições financeiras inovadoras, as chamadas fintechs, tenham um limite de 35% ao ano.
O projeto obteve 56 votos favoráveis, 14 contrários e uma abstenção. Agora, o projeto será encaminhado à Câmara.
"Cabe observar que as sociedades de crédito direto e instituições de pagamento muitas vezes atendem às faixas de renda de menor nível e não cobram tarifas. Dessa forma, buscam incentivar o uso do cartão de crédito e, ao mesmo tempo, obtêm receita apenas dos que atrasam o pagamento da fatura na data do vencimento", disse o relator.
Além de alterar a taxa, Martins também modificou no seu parecer o tempo de validade da proposta para o fim de dezembro deste ano, quando se encerra o período de calamidade decretado pelo governo federal por causa da pandemia. O texto original reduzia os juros das dívidas contraídas até julho de 2021.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), encaminhou voto contrário da bancada. O senador defendeu que a regulamentação dos juros fosse encaminhada ao Conselho Monetário Nacional. A sugestão foi rechaçada pelo autor do projeto.
"Os bancos continuarão lucrando bem com essa taxa de 30%. É possível, sim, praticar margem de lucro civilizada, sem que seja excessiva".
Banco Central
A defesa pela aprovação do projeto foi estruturada por Martins em dados fornecidos pelo próprio BC (Banco Central).
De acordo com a entidade, em março deste ano, quando o país já enfrentava a doença causada pelo novo coronavírus, a linha de crédito do cheque especial tinha um saldo de cerca de R$ 52 bilhões, sendo R$ 20 bilhões para as pessoas jurídicas e R$ 32 bilhões para as pessoas físicas.
Os juros oscilaram em 312% ao ano para as pessoas jurídicas e 130% ao ano para as físicas. A inadimplência média era de 14,8% para as pessoas jurídicas e 15,2% para as pessoas físicas.
"Não tem justificativa, não tem custo para isso", disse o líder do PT, Rogério Carvalho (SE). Carvalho foi autor de um destaque aprovado, em que ficou incluído no texto que o Conselho Monetário Nacional regulamentará o limite de juros para o crédito rotativo do cartão de crédito e todas as demais modalidades de crédito ofertadas por meio de cartões de crédito para o período posterior ao estado de calamidade pública.
"É fundamental que tenhamos um limite para estabelecer o juro que no Brasil é absurdo", disse o autor da emenda.
O cartão de crédito tinha taxas ainda mais pesadas para as pessoas físicas. De acordo com o BC, os empréstimos nessa modalidade totalizavam cerca de R$ 112 bilhões, sendo que as pessoas jurídicas respondiam por cerca de R$ 8 bilhões, e as pessoas físicas, por R$ 104 bilhões.
Os juros médios eram de 140% para as pessoas jurídicas e 326% para as pessoas físicas. A taxa de inadimplência estava em 5,5% e 6,6%, respectivamente.
O projeto determinou ainda que os limites de crédito disponíveis em 20 de março de 2020 não poderão ser reduzidos até o fim do estado de calamidade pública. Durante esse período, os empréstimos dessas linhas de crédito estarão isentos do pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O texto
Pela proposta, fica vetada a cobrança de multas e juros por atraso no pagamento das prestações de operações de crédito, concedidas por instituições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional. O projeto também proíbe a cobrança de juros e multas por atraso no pagamento de compras diretas de produtos e serviços.
O texto aprovado determina que, nos contratos de crédito previstos no período, as prestações que não puderem ser pagas pelo consumidor poderão ser convertidas em prestações extras, com vencimentos em meses subsequentes à data de vencimento da última prestação prevista para o financiamento, sem qualquer adição de cláusula penal ou juros.
"A taxa de juros é exorbitante. E o Congresso, sim, pode tirar essa pedra pesada dos ombros das famílias brasileiras", disse a líder do Pros, Zenaide Maia (RN).
Febraban
O projeto é polêmico. Mexe no mercado financeiro, interferindo em contratos privados. A Febrabran (Federação Brasileira dos Bancos) trabalha contra a iniciativa, alegando que a medida pode prejudicar ainda mais a economia.
Em nota, a entidade diz que concorda com a necessidade de reduzir o custo do crédito, mas que o projeto pode agravar a crise financeira.
"O tabelamento, ao invés de promover alívio financeiro, pode agravar a crise por distorcer a formação de preços, criar gargalos e gerar insegurança jurídica".
De acordo com a entidade, a iniciativa dos senadores promove uma "intervenção artificial" na atividade econômica e nos contratos.
"A Febraban tem procurado sensibilizar lideranças políticas sobre os efeitos danosos de propostas que vão na direção do tabelamento de taxas de juros, aumento de impostos, congelamento de limites de crédito, suspensão obrigatória de prestações do consignado, não negativação de devedores inadimplentes, não cobrança e execução de dívidas".
Fernando Bezerra alegou que a proposta é inconstitucional. "Essa decisão de hoje vai representar uma restrição à recuperação econômica do varejo brasileiro".