A redução tributária do setor de confecção e vestuário em média de 10%, anunciada pelo governo do Ceará nesta quarta-feira (17), é uma tentativa da gestão de estimular o segmento. A expectativa é que a diminuição das tarifas chegue até o consumidor final, mas a medida pode não ser suficiente para retomar a competitividade dessa indústria.
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza), Assis Cavalcante, prevê que os preços diminuam na mesma proporção que a redução da alíquota. Com o barateamento, a tendência é que as vendas aumentem, impulsionando uma maior produção e geração de empregos, embora a CDL ainda não tenha uma previsão do impacto no aumento de vendas após a medida.
“Muita gente que tem vontade de montar confecção pode se estimular quando perceber que o imposto da roupa é mais barato que o de outros produtos. Porque isso aumenta o poder de investimento da pessoa”, explica Assis Cavalcante.
O dirigente considera que a medida é um pontapé inicial para que a confecção cearense fortaleça a competitividade nacional.
MERCADO DE CONFECÇÃO
Durante o evento de anúncio das medidas, o secretário da Fazenda, Fabrízio Gomes, ressaltou a necessidade de colocar o Ceará de volta ao patamar de referência no mercado de confecção.
“O Ceará já foi o segundo maior polo do Brasil no setor de confecção, atrás apenas de São Paulo. Contudo, em decorrência da informalidade, temos tido muito prejuízo, muitas perdas. Ficamos felizes com o acontecimento, um alento para que possamos seguir contribuindo com o crescimento do Ceará”, afirmou.
Assis Cavalcante reitera que um dos pontos que enfraqueceu a confecção cearense foi o surgimento de muitos pontos de informalidade, como as feiras da José Avelino e do Buraco da Gia. Assim como negociou a redução tributária, a CDL atua para que os lojistas das feiras populares sejam formalizados.
“Estamos agindo junto à Sefaz para o pessoal da José Avelino e esses shoppings populares irem para a formalidade. Estamos negociando, já fizemos algumas reuniões com esse público para que eles venham também contribuir. A formalização deixa todo mundo em pé de igualdade”
REDUÇÃO DOS IMPOSTOS EM 10%
As duas medidas assinadas pelo governador Elmano de Freitas (PT) nesta quarta-feira (17) devem gerar redução dos impostos para o setor de vestuário e confecção em cerca de 10%.
Um dos decretos reduz os percentuais de carga tributária líquida aplicados nas atividades de comércio atacadista e varejista de vestuário e confecção. Já a outra medida retira o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo das contribuições para os programas PIS e Cofins.
O economista Alex Araújo explica a determinação impede a tributação em cascata do segmento e elimina o pagamento repetido de impostos. “É uma medida de racionalidade tributária que deveria se aplicar a todos os casos”, avalia o especialista.
Alex explica o sistema tributário brasileiro se dá pelo conceito de valor adicionado. Nesse caso, a produção de fios e tecidos é tributada e parcialmente compensada na fase de confecção, que por consequência é compensada na fase de comercialização.
No processo de transformação do fio em tecido, como o tecido já é tributado no início da cadeia, usa-se o crédito para excluir esse efeito. A fiação paga então o imposto incremental pelo acréscimo de valor de sua indústria. No fim da cadeia, quando o produto chega ao consumidor, o preço traz o somatório desses impostos parciais.
“O preço final para o consumidor inclui os impostos pagos em todas em etapas da cadeia produtiva e a expectativa é que o benefício seja integralmente repassado para o consumidor final, dando competitividade para o produto local”, aponta Alex Araújo.
CONCORRÊNCIA COM O E-COMMERCE
Além da concorrência com os produtores informais, a confecção cearense sofre com a consolidação das multinacionais digitais, como a Shein. Assis Cavalcante afirma que um fator fundamental para a retomada da confecção cearense seria a taxação das compras internacionais em níveis semelhantes aos produtos locais.
“Acaba o comércio, acaba com a indústria, é muito ruim para todo mundo. O ticket médio da confecção é em torno de R$ 250, o mesmo valor que fica isento [US$ 50]. A hora que tributar esses produtos, certamente nós vamos ter uma indústria de confecção voltando a ser o que era”, alega o presidente da CDL Fortaleza.
Alex Araújo pondera, entretanto, que o problema da competitividade com as gigantes da moda internacionais é muito mais grave. “Inclui outros fatores além da tributação, como materiais utilizados, mão-de-obra e tecnologia empregada. A redução tributária ajuda, mas não enfrenta os problemas estruturais de competitividade da indústria”, comenta o economista.
O governo federal reformulou, em 2023, o sistema de tributação para compras internacionais. É concedida isenção tributária, ou seja, o não pagamento de imposto, para compras de valor máximo de US$ 50 de empresas certificadas.
Caso o valor seja superado, pode incidir cobrança de 60% do valor da compra. Algumas empresas oferecem créditos ou até a devolução do dinheiro gasto em taxas pelos clientes.
Eduardo Yamashita, especialista em varejo e diretor de operações da Gouvêa Ecosystem, comenta que a consolidação das compras internacionais transformou o consumo de moda globalmente. “A mesma realidade é enfrentada no mercado norte-americano e europeu. São empresas absolutamente digitalizadas, com cadeia de valor completamente integrada e que usam a tecnologia de maneira sinérgica, para entender comportamento do consumidor”, explica.
Na visão de Yamashita, a redução tributária é positiva, mas a indústria e o varejo nacionais devem se movimentar para aumentar a competitividade. "Cada empresa toma a decisão de onde vai realocar essa redução de tributos, seja em recomposição de imagem, importante para esse segmento, ou na baixa de preços para se tornar mais competitivo. O mercado se autorregula", aponta.