A profissional de Educação Física Juliana Barboza percebeu que o leite, o chocolate outros produtos que ela costuma comprar reduziram as quantidades nas embalagens. Em alguns casos, ela nota a diferença já no supermercado, mas em outros, só viu quando chegou em casa: foi o que aconteceu com um pacote de batata chips, cujo conteúdo ela e o marido perceberam estar menor após abrirem o pacote.
“A gente compra porque tem que comprar. O preço não cai, só cai quando tem aquela promoção”, aponta a consumidora. Além disso, ela destaca que a legibilidade das informações nas embalagens dificulta a visualização de que o produto mudou ainda no supermercado, já que dessa forma seria preciso olhar muito cuidadosamente a embalagem. “Eles colocam tudo miudinho”.
A prática de alteração nos tamanhos de produtos pelas indústrias não se trata de algo novo, porém a situação se popularizou nos últimos anos, sobretudo com a disparada dos preços desde o início da pandemia de coronavírus e o descompasso econômico no Brasil.
O que é relativamente novo, porém, é o regimento de como deve ser comunicada a mudança no peso de um produto ao consumidor, tema da primeira de uma série de matérias sobre o fenômeno da reduflação e como ela vem se assentando no mercado e moldando os hábitos de consumo do brasileiro.
Essas novas regras foram publicadas no Diário Oficial da União (DOU) em setembro do ano passado, conforme a Portaria Nº 392, do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Governo Federal, e começaram a valer no fim de março deste ano. Apesar de cerca de sete meses em vigor, a obrigatoriedade da informação sobre a alteração na quantidade dos produtos parece não estar sendo cumprida em plenitude.
O Diário do Nordeste foi às compras na última sexta-feira (21) e observou o rótulo de 18 produtos que tiveram alteração no conteúdo comunicada na embalagem, entre itens de alimentação, higiene pessoal e limpeza. Desses 18 produtos, apenas duas das alterações se tratavam de um aumento no conteúdo do pacote e os outros 16 comunicavam a redução.
Em pelo menos três situações, a reportagem verificou o não-cumprimento das regras estabelecidas pela Portaria Nº 392 ou de dificuldade na visualização da comunicação de mudança do peso da embalagem. Foi o caso de dois produtos da marca Vigor, em que foi possível perceber que a comunicação da mudança não está em negrito, e um item da marca Fini, cuja informação parece muito próxima da área de selagem do produto.
Questionada, a Vigor justificou que o aumento da inflação afetou a indústria como um todo e que “a mudança está sendo comunicada na embalagem do produto e tem como principal objetivo manter a transparência junto aos consumidores”.
A empresa disse ainda que o ajuste não é prática recorrente e visa evitar o repasse total do aumento de custo de toda a cadeia produtiva para os consumidores. “Com a adaptação do peso, a marca também se adequa competitivamente em relação a outras marcas do mercado”.
A Fini disse que “respeita integralmente a legislação brasileira e as determinações dos órgãos regulatórios de proteção ao direito do consumidor” e que “segue à risca a orientação do Ministério da Justiça de informar, claramente, as alterações quantitativas nos seus painéis frontais, pelo prazo obrigatório, de forma que o consumidor tenha total conhecimento do produto que está adquirindo”.
“A cada lançamento e/ou alteração de produtos, a Fini reforça seu compromisso de oferecer produtos de qualidade, com inovação e melhorias contínuas, que atendam às expectativas dos clientes de acordo com seus requisitos, bem como aos requisitos estatutários, regulamentares e normativos vigentes”, destacou a empresa.
Exigências
De acordo com o documento do Governo Federal que dispõe sobre a obrigatoriedade de informar ao consumidor sobre a alteração quantitativa do produto posto à venda, a empresa precisa comunicar no rótulo a quantidade de produto existente antes da alteração; a quantidade nova, após a alteração, e o quê essa mudança representa a mais ou a menos, em termos relativos (porcentagem) e absolutos.
Além disso, a portaria diz que a informação deve estar no painel principal do rótulo da embalagem modificada, em local de fácil visualização, com caracteres legíveis e que atendam aos seguintes requisitos de formatação:
- caixa alta;
- negrito;
- cor contrastante com o fundo do rótulo e altura mínima de 2mm, menos em embalagens cujo painel seja igual ou superior a 100cm². Nesse último caso, a altura mínima dos caracteres é de 1mm.
O texto estabelece, entre outras disposições sobre o tema, que é vedado colocar as informações em locais encobertos e de difícil visualização, como áreas de selagem ou torção. Além disso, a informação deve estar disposta na embalagem por seis meses após a data da mudança na gramatura.
O coordenador jurídico do Programa Municipal de Defesa do Consumidor (Procon Fortaleza), Airton Melo, explica que as empresas que não cumprirem as da portaria estão sujeitas a sanções, entre elas multa que pode chegar a R$ 15 milhões, a depender do porte da empresa e da gravidade da infração.
Um dos direitos basilares do consumidor é justamente o direito à informação, que tem que ser clara, precisa e ostensiva. A gramatura do produto, bem como a sua composição, são indispensáveis
A reportagem procurou o sindicato ligado à indústria alimentícia local (Sindialimentos) para saber como a entidade tem atuado no sentido de orientar as empresas para o fornecimento de informações objetivas nos rótulos.
O presidente, Isaac Bleu, destacou que o Sindialimentos "tem procurado sempre orientar e dar suporte às indústrias associadas no sentido de estarem sempre atualizadas e cientes das mudanças na legislação".
"É interesse da empresa estar sempre se comunicando da melhor forma com seus clientes e fidelizando a parceria com os mesmos", enfatizou Isaac. Ele também acredita que o consumidor é "bem munido de informações e vai escolher o produto que melhor lhes atende".
Apesar de o tema reduflação e outros fenômenos ligados aos preços dos produtos e serviços terem passado a ocupar posição de destaque na mídia nos últimos anos, o coordenador jurídico do Procon detalha que mesmo sabendo da insatisfação do consumidor acerca das mudanças, a situação não gerou um volume expressivo de reclamações junto ao Procon, nem sobre a reduflação, tampouco sobre a comunicação referente aos produtos similares.
Na avaliação dele, isso provavelmente se dá em decorrência da falta de informação sobre a possibilidade de denunciar irregularidades e até mesmo sobre o que está conforme a lei ou não. "Não existem dados sobre isso junto ao Procon. Me parece que os consumidores ainda não estão atentos a essas questões, porque eles observam que houve a redução, mas talvez pela manutenção dos preços, eles não reclamam. Mas a verdade é que o consumidor acaba muitas vezes no prejuízo".
Ao contrário do consumidor, porém, ele reforça que os órgãos de defesa e o poder público estão cada vez mais em alerta com relação ao comportamento do mercado nesse sentido. “Com essas regras, o legislador quer justamente que o consumidor esteja atento a esses pontos”.
O Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon) do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) também não possui registros de reclamações nesse sentido. O diretor do setor de fiscalização do órgão, Pedro Ian Sarmento, também acredita que isso está ligado ao desconhecimento dos consumidores em relação ao assunto.
Supermercados
Airton Melo reforça que, além da Portaria Nº 392 trazer disposições sobre a temática, Estado e Município também contam com legislação específica sobre a apresentação correta e objetiva dos produtos ao consumidor.
Uma delas é a Lei do Preço Claro, que é estadual e começou a valer em 2021. Ela obriga os supermercados a informar nas etiquetas das prateleiras o valor do produto por quilo, mesmo que a embalagem em questão seja de outra gramatura. De acordo com os órgãos de defesa do consumidor, isso contribui para que o cliente possa fazer uma comparação mais justa entre os preços dos produtos.
A consumidora Juliana Barboza, além de lamentar a dificuldade de comunicação nos rótulos das embalagens, pontua que os estabelecimentos acabam induzindo o consumidor ao erro por não informarem de maneira clara o conteúdo do produto. “Já fui em um supermercado que não dizia no anúncio o preço por quilo, mas sim o preço por pacote. Aí você vai comprar achando que o pacote tem 1kg, mas quando percebe tem 800g”.
Similares
Mas a redução no tamanho dos produtos desobedecendo a clareza, precisão e ostensividade previstas em lei não é a única insatisfação dos consumidores na hora de ir ao supermercado. No último ano, o Diário do Nordeste publicou várias matérias relacionadas à invasão de produtos similares nas prateleiras, também conhecidos como alimentos fake. Entre os casos mais emblemáticos estão o do composto lácteo e o do produto que é similar ao requeijão.
Nas redes sociais do Diário, consumidores relataram que em alguns casos, compram porque os similares são uma opção mais barata em meio à disparada dos preços. Outros acabaram comprando o produto “sem saber”, por descuido. “Deveriam mudar as embalagens pq a gente compra, quando chega em casa tá lá a ilusão”, disse uma seguidora do Diário do Nordeste no Instagram, na época da cobertura sobre a venda de composto lácteo.
O problema é que mesmo com as empresas afirmando nas embalagens que aquele produto se trata de um similar, a disposição deles nos supermercados ao lado dos “originais” dificulta o discernimento. “O Decon recomenda que os estabelecimentos não os coloquem em prateleiras próximos um ao outro, tendo em vista que tal prática pode confundir o consumidor nas compras por acreditar que está comprando um determinado produto sem ser”, destaca Pedro Ian Sarmento.
A reportagem procurou a Associação Cearense de Supermercados (Acesu) e aguarda posicionamento sobre os temas.
Apelo
Airton Melo reforça a importância de os consumidores conhecerem seus direitos em relação ao tema e os convoca a registrar reclamações junto aos órgãos de defesa em caso de irregularidades.
“Clamamos aos consumidores que fiquem atentos aos comportamentos do mercado, para se resguardarem de manobras que possam trazer prejuízos. Se o consumidor tem uma rotina na aquisição de produtos e serviços e vê que algo está diferente, então ele pode pedir um esclarecimento”.
O consumidor que visualizar algum rótulo que não cumpra as regras ou se sentir lesado de alguma forma pode procurar o Procon ou o Decon, além de registrar a reclamação na plataforma do Governo Federal Consumidor.Gov.
As denúncias ao Decon podem ser feitas por meio do site do órgão, por meio dos contatos dispobilizados (85) 9 8685-6748, que é o WhatsApp do órgão, ou pelo email deconce@mpce.mp.br, das 8h às 17h, de segunda a sexta-feira.
Junto ao Procon, os registros também podem ser feitos pelo site da Prefeitura de Fortaleza, em qualquer dia e horário da semana, ou pelo aplicativo Procon Fortaleza. Além disso, a sede do Procon também recebe denúncias de 8h às 17h, de segunda a sexta-feira. O órgão também disponibiliza o telefone 151 para os consumidores denunciarem.