Após os sucessivos reajustes operados pela Petrobras elevando fortemente o preço dos combustíveis ao consumidor final, uma saída para reduzir a pressão dos aumentos e acenar aos caminhoneiros – que haviam convocado em janeiro uma nova paralisação – foi colocada em pauta pelo Governo Federal. Mas a ideia de promover alterações no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) desagradou os estados. Especialistas avaliam que uma forma de solucionar a complicada equação passa, necessariamente, pela questão tributária.
O temor do Executivo estadual é que o projeto de lei derrube a arrecadação dos estados, na qual o ICMS assume importante papel. O diretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet), Schubert Machado, avalia que o ICMS cobrado pelos estados é elevado e que as unidades da Federação incluem a gasolina no rol de produtos não-essenciais que podem ser tributados mais pesadamente, o que, na avaliação dele, não deveria ocorrer.
“Alguns produtos como perfumes, joias e jet-skis são tributados mais pesadamente, sendo não essenciais. A gasolina é essencial. Há uma interpretação equivocada em relação ao que diz a Constituição”, pontua Machado.
Ele lembra que os estados estão justificando que não houve elevação do ICMS incidente, portanto, não é o tributo que vem provocando as altas recentes nos preços dos combustíveis. “Mas que o ICMS é o fator de maior peso na formação do preço da gasolina, isso é. E toda vez que o preço ao consumidor final sobe, os estados arrecadam mais”, detalha.
Hoje, o ICMS incide sobre a média do preço final da gasolina, ao consumidor. A ideia da proposta do Governo Federal é definir um valor fixo por litro com cobrança diretamente nas refinarias, e não mais nos postos de combustíveis. Atualmente, de acordo com a Petrobras, considerando a média de 13 regiões metropolitanas brasileiras, o ICMS corresponde a 28% do preço final da gasolina.
No Ceará, esse percentual é de 29% (sendo 2% destinados ao fundo de combate à pobreza), um dos maiores do País.
Sobre uma compensação para a possível queda na arrecadação em função da alteração no ICMS sobre os combustíveis, Machado pontuou que “se trata de uma questão política”. “Compensação é uma questão política, então os estados vão negociar com o Governo Federal sobre liberar isso”, detalha o advogado.
Impactos negativos
Em entrevista ao Sistema Verdes Mares na última segunda-feira (16), a titular da Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, Fernanda Pacobahyba, avaliou que a mudança pode gerar impactos negativos sobre a receita estadual e onerar outros setores da economia.
Ela disse que a medida precisa ser melhor discutida com os estados e que o cenário é de incertezas. “É um tema muito difícil, mas acredito que outras medidas poderiam ser tomadas na política monetária e na política de preços da Petrobras”, argumentou a titular da Pasta estadual.
Na avaliação do consultor na área de Petróleo e Gás, Bruno Iughetti, a política de preços da Petrobras não é a melhor alternativa para conter a pressão dos combustíveis sobre o bolso do consumidor. “É uma precificação utilizada nos EUA e na Europa, onde se consideram as duas variáveis: petróleo cru e variação cambial. A saída realmente reside no ICMS, na minha opinião, que deveria incidir sobre o preço da gasolina na refinaria”, detalha ele.
“Hoje, o ICMS sobre a gasolina no Ceará é um dos mais altos do País, sendo 29% a título de tributo do ICMS e 2% atribuído ao fundo de pobreza no qual o Governo do Ceará aplica. Eu vejo, portanto, que tem muito mais campo na área tributária, não só em relação ao ICMS, mas também vejo que poderia ser reduzido ou eliminado o PIS/Cofins. Isso ocorrendo, a tributação seria na origem e o aumento de arrecadação se daria com o aumento de consumo”, diz Bruno Iughetti.
A Petrobras já operou, este ano, três reajustes no preço da gasolina vendida nas refinarias e o preço ao consumidor teve sucessivas altas nas últimas semanas. De acordo com levantamento da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a média nas bombas chegou a R$ 4,98 entre 7 e 13 de fevereiro. Entre 17 e 23 de janeiro, o preço médio era R$ 4,73.
Cadeia produtiva
O presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-CE), Ricardo Coimbra, lembra que as variações consecutivas impactam toda a cadeia produtiva. “De modo geral, há efeitos sobre o consumo dos produtos e nos preços. Você afeta o transporte público, o transporte individualizado e o custo logístico”, explica ele. “Por isso é importante que se pense em infraestrutura para reduzir o transporte logístico das mercadorias e em outras alternativas de combustíveis”, diz.
Ele também acredita que é inviável alterar a política de preços da Petrobras. “Se a estatal importa o combustível, processa e entrega ao consumidor, creio que a política de preços da companhia deve continuar da mesma forma. Isso dá transparência ao mercado”, diz Ricardo Coimbra. “Os preços que chegam ao consumidor contam com uma carga tributária de estados e Governo Federal. Então, é necessário repensar a carga tributária dos combustíveis? Sim! Mas essa movimentação depende de repactuação dos tributos”.
O presidente do Corecon-CE pondera, entretanto, que boa parte dos estados já estão em uma situação fiscal complicada, sobretudo considerando os impactos do avanço do coronavírus na economia. “Hoje, uma parcela significativa dos estados advém da tributação do consumo dos combustíveis, então já há todo um planejamento orçamentário com base nessa arrecadação”, pontua. Ele arremata que a política cambial também pode ajudar a segurar os efeitos da flutuação de preços.