Quais os possíveis impactos do novo governo da Argentina na economia do Ceará?

Ceará possui importantes acordos de exportações com o comércio argentino

Primeiro ultraliberal a ser eleito presidente da Argentina, Javier Milei vai encarar desafios econômicos complexos ao assumir a Casa Rosada, como a inflação, alto índice de pobreza e a instabilidade cambial. A condução do novo governo diante dessa conjuntura definirá não somente o futuro do país vizinho, mas poderá alterar a dinâmica do comércio entre os principais parceiros, incluindo o Brasil. 

Atualmente, a Argentina é o 3º maior comprador dos produtos brasileiros, conforme estatística do Comex Stat, plataforma do Ministério da Indústria, Comércio e Relações Exteriores. Ao todo, foram US$ 14,9 bilhões negociados, conforme dados coletados entre janeiro e outubro deste ano. 

O Ceará também possui importantes acordos de exportações com o comércio argentino, mas essa balança comercial ainda é deficitária (quando importa mais do que exporta). Neste ano, a nação vizinha comprou US$ 81,6 milhões em produtos cearenses. Por outro lado, a Argentina vendeu US$ 95,8 milhões em mercadorias para o Ceará, principalmente o trigo. 

Nesse contexto, levanta-se o questionamento sobre os possíveis impactos desse governo para essa relação bilateral. Durante a campanha, Milei prometeu a dolarização da economia argentina (substituir a moeda local, o peso, pelo dólar). Além de ser uma medida impopular e que deve enfrentar resistência no Congresso, o grupo do presidente não tem nem um terço do Legislativo.

Outro ponto que gerou preocupação foram as falas de Milei sobre a saída do Mercosul. Economistas especializados, no entanto, ponderam ser necessário aguardar as medidas da nova gestão, a iniciar em 10 de dezembro. 

Exportações cearenses ganhariam competitividade?

O economista e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e membro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon), Ricardo Eleutério, observa que, no discurso da vitória, Milei foi moderado, diferentemente do tom adotado na campanha. “Não foi tocado no tema da dolarização. É uma possibilidade, mas a Argentina já experimentou esse câmbio fixo e também já sofreu as consequências desse regime”, avalia. 

Para ele, o modelo poderia ocasionar impactos negativos para o país vizinho, mas beneficiaria o Brasil. “Uma das desvantagens do câmbio fixo ou da dolarização é que a combinação com a inflação produz queda nas exportações e aumento das importações do país que adota esse regime”, aponta.

Nesse cenário, acrescenta, a balança de comércio ficaria negativa, gerando mais escassez de dólares. Portanto, no médio prazo, seria insustentável manter tal estratégia. 

“É uma lição básica que aprendemos, e os professores de economia monetária ensinam. Termina o país entrando numa crise cambial, sofrendo ataques especulativos, e os efeitos maléficos da dolarização são bastante significativos”, complementa, observando também provocar um controle da inflação a curto prazo. 

Conforme Eleutério, se a medida for implementada, a possibilidade de gerar déficit comercial na Argentina favoreceria o mercado brasileiro, já que os superávits cresceriam. “Na relação comercial Ceará-Argentina, as exportações cearenses ganhariam mais competitividade naquele país”, completa. Em relação ao Mercosul, o economista lembra ser o Brasil o maior e mais importante país do bloco.

"A Argentina, quer seja com governos à direita ou à esquerda, sempre produziu dificuldades no processo de integração do mercado comum do Sul. Possivelmente, não seria diferente com o presidente eleito. A expectativa é de haver mais entraves ainda, pelo menos o discurso ideológico caminha nessa direção, mas é preciso separar também ideologia de comércio", frisa.  

Sem mudanças negativas

Para o conselheiro da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), Ricardo Coimbra, não deve ocorrer mudança negativa da política exportadora, considerando que Milei se apresenta como libertário. “Pode ser que vá na direção do que ele promete: uma menor intervenção na economia. Ou seja, destravar os processos existentes nas relações de comércio”, analisa. 

“Nesse sentido, algum tipo de problema em relação ao bloco econômico não deve existir, porque o próprio Mercosul gera mecanismo de proteção da região. Muitas vezes, o próprio governo argentino buscou proteger sua indústria local, dificultando a entrada dos produtos brasileiros dentro das negociações do Mercosul”, recorda.

Coimbra destaca, ainda, existir um movimento para a União Europeia finalizar o acordo com o Mercosul antes de Milei assumir.