Proposta de reforma tributária do Governo pode aumentar carga tributária durante a crise

Projeto de unificar PIS e Cofins também não traz mudanças para o caráter regressivo da legislação, avaliam especialistas. Fatiamento da reforma em fases é vista como problema

Apresentada como sugestão de simplificação do sistema tributário brasileiro, a proposta de reforma entregue pelo Governo Federal ao Congresso ontem (21) não altera o perfil dos impostos no País e ainda pode gerar um impacto consideravelmente negativo ao setor de serviços, com um possível aumento da carga tributária. A análise é do advogado tributarista e diretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET) Schubert Machado.

O modelo apresentado pelo Ministério da Economia trata da unificação do PIS (Programa de Integração Social) à Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), passando a aplicar uma alíquota única de 12%. A proposta ainda traz uma taxa menor para entidades financeiras, incluindo bancos, planos de saúde e seguradoras (com 5,9%), e a garantia de benefícios para zonas de livre comércio.

Além disso, os itens da cesta básica continuam isentos. Para esse último ponto, contudo, pode haver mudanças a partir de novas sugestões do Governo Federal, que busca integrar o benefício ao um novo programa de distribuição de renda.

Segundo Guedes, a proposta do governo é complementar às da Câmara e do Senado, ambas já em discussão no Congresso. Dessa forma, o governo apenas abordou uma simplificação de tributos federais. "Trazemos o IVA, o Imposto sobre Valor Adicionado dual, mas nunca porque quisemos ter só o imposto federal, mas para complementar a reforma da Câmara, que já era a do IVA a nível de estados e municípios", disse o ministro.

"Em sinal de respeito, nós oferecemos uma proposta técnica do IVA, mas com apoio total ao que está estipulado na PEC 45, que busca o acoplamento desses impostos", acrescentou Guedes. Ele apontou que o governo ainda mandará propostas em relação a outros tributos, entre eles imposto de renda, dividendos e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que poderão ser acrescentadas aos textos já em discussão.

Pela proposta encaminhada, a CBS vai incidir apenas sobre a receita bruta do faturamento empresarial, e não pelo cálculo da receita total, como ocorre atualmente com o PIS e a Cofins. A ideia é dar mais segurança jurídica à cobrança de impostos, que atualmente gera disputas judiciais que representam 51% do Produto Interno Bruto (PIB).

Regressivo

De acordo com Machado, a sugestão apresentada por Guedes, inicialmente, não altera o perfil regressivo do sistema tributário brasileiro, isto é, em que mais pobres são mais taxados que mais ricos. Durante a crise do novo coronavírus, o advogado ponderou que mudar esse perfil seria uma ótima solução para aumentar a arrecadação do Governo.

Além disso, o tributarista comentou que a unificação de PIS e Cofins não traz muitas novidades, já que os impostos já têm uma legislação semelhante e são cobrados juntos. Outro ponto preocupante apontado por ele é que o modelo poderá levar ao fechamento de muitas empresas do setor de serviços. Com a mudança, negócios passariam de alíquotas entre 4% e 9% para um valor único de 12%.

Para contornar o impacto, os empresários teriam apenas duas opções: repassar o preço ao consumidor final ou absorver o custo do tributo e redobrar esforços de trabalho. Contudo, como o setor foi um dos mais impactados pela crise, ele afirma que muitas empresas podem não sentir que há espaço para aumentar preços. Com a redução da atividade econômica, o número de clientes diminuiu e a elevação de preços pode não ser uma estratégia favorável.

"Você ouve que os empresários passam tudo para o preço, mas vivemos uma pandemia e quem define preço é o mercado. E os prestadores são os mais afetados pela crise. Se a carga tributária é maior e eu estou sem gente, como eu vou conseguir passar essa carga tributária para o preço? Isso vai implicar um esforço muito maior desses empresários, que poderão até fechar", disse.

Segundo o secretário da Receita Federal, José Tostes Neto, a reforma tributária tem como princípio a manter o atual patamar de arrecadação do governo federal com impostos sobre o consumo. "Independentemente das várias alterações e propostas que serão implementadas, manter no global o mesmo nível carga tributária atual", disse o secretário especial da Receita.

Machado também ponderou o sistema de créditos gerados na cadeia produtiva para diminuir o impacto do novo modelo nas empresas. Como os créditos dependem da aprovação do Governo, a União poderia aumentar a carga tributária simplesmente ao negar parte desses créditos. A decisão poderia gerar impactos negativos em todo o mercado.

"Na teoria, é maravilhoso, na prática, é complicado. Mas o fator cumulativo dos impostos dá margem para o Estado aumentar a carga tributária, pois o ele pode negar os créditos e aí não tem jeito. O governo pode usar expedientes como esses para aumentar as cargas tributárias. Não é algo bom para um país como o Brasil. Era melhor que fosse cumulativo, mas com uma alíquota menor", explicou.

Proposta fatiada

Esta será a primeira de quatro etapas da reforma tributária preparada pelo governo, afirmou Tostes. Na avaliação do conselheiro federal de Economia e PhD em Desenvolvimento Regional, Lauro Chaves Neto, não se pode discutir uma proposta fatiada e é preciso conhecer todo o projeto para ter mais clareza nas observações. "Me causa estranheza depois de tanto tempo de debate, o Governo não entregar um projeto completo. Não se pode discutir isso de forma fatiada porque prejudica a qualidade do debate. Você precisa ter o conjunto completo da reforma para avaliar cada ponto".

Neto defende uma proposta que reduza o imposto sobre o consumo e aumento o taxação sobre a renda, patrimônio, dividendos e heranças. "Porque na hora que você faz isso, você está impondo uma maior justiça tributária. O princípio de quem tem mais, paga mais. Hoje no Brasil, a carga tributária maior é sobre o consumo".

O conselheiro criticou a falta de informação sobre como será tratada a questão do desenvolvimento regional. "O ICMS é o maior gargalo que temos no Brasil porque são 27 legislações diferentes. Dentro da reforma temos que debater a questão das desigualdades regionais. Ter essa proposta (a que foi apresentada ontem) é um avanço, mas é algo extremamente limitante".

Para a economista Tânia Bacelar, o Congresso Nacional é quem deve assumir a reforma tributária. "A minha visão é que o Congresso vai tomar a iniciativa da reforma. Já tem dois projetos avançados. Isso (proposta apresentada ontem) é uma pequena modificação do imposto federal. Quem vai sofrer é o setor de serviços, mas dentro dele eu não sei quais seriam mais prejudicados. É uma simplificação, aumenta a alíquota e onera os serviços. Diante da complexidade do que é o problema, isso é decepcionante".

Setores

Para o presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Ceará (Fecomércio-CE), Maurício Filizola, um dos pontos positivos dessa proposta é a simplificação dos tributos. Ele disse ainda que é preciso ouvir os setores antes de debater os impactos que a reforma terá em cada segmento.

"O que nós estamos cobrando dos governos é que quando se trata de assuntos de tributação, é necessário ouvir os setores. Eu acho que não houve diálogo mais aberto em relação a isso. Quando há amplitude de uma reforma, alguns setores podem sair ais vitoriosos que outros, mas é importante abrir essa discussão".

Filizola afirmou que vai se reunir com o setor produtivo para debater as propostas. "Esperamos esses dias fazermos isso e apresentarmos propostas. É necessário ouvir mesmo no momento da negociação o lado representativo. Eu não posso dizer mais detalhes porque não houve uma ampliação do diálogo".

Para o presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Ceará (FCDL-CE), Freitas Cordeiro, a forma como o Governo Federal está apresentando a proposta é incorreta.

"O Governo está picotando a proposta. A gente não consegue saber o propósito. Isso deixa a gente preocupado, porque essa reforma não vem com o propósito de diminuir a carga tributária. A gente precisa de uma reforma que simplifique e expanda a base de contribuição e não aumente a carga em cima de quem já contribui. O Brasil está precisando aumentar a base de arrecadação", defendeu.