Por que o Ceará perdeu posições nos últimos anos em ranking de energia eólica? Entenda

Estado protagonizou a produção do País e agora é o quarto do ranking que tem Bahia, Rio Grande do Norte e Piauí na frente

O Ceará, conhecido como a terra dos melhores ventos para esportes náuticos, como o kitesurf, é um dos estados que mais produz energia eólica no país. O pioneirismo no assunto iniciou ainda na década de 80 e o protagonismo começou em 1998, com os parques eólicos da Prainha e Taíba. Porém, o ano de 2011 foi o último em que o Ceará figurou como primeiro estado em produção deste tipo de energia renovável.

Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), em 2011 foram 506,33 MW de capacidade instalada, cerca de um terço da produção total do Brasil, que era de 1.528,78 MW. A partir de 2012, o Rio Grande do Norte passa o Ceará em produção.

Já em  2015 a Bahia também cresce em produção e passa a ser o segundo estado de maior produção, deixando o Ceará em terceiro lugar.

Em 2022, o Estado é ultrapassado novamente no ranking, desta vez pelo Piauí. Nesse ano, a capacidade instalada do Ceará era de 2.568,34 MW. Já o Piauí tinha 3.552,45 MW, Rio Grande do Norte apresentava 7.569,23 MW e a Bahia 7.618,90 MW.

No Brasil, naquele ano foram produzidas 25.664,36 MW. Assim, somados, esses quatro estados produziram 21.308,92 MW, ou seja, 83% de toda a produção brasileira vem destes quatro estados nordestinos.

Por que o Ceará perdeu posições em ranking de energia eólica?

Porém, para entendermos melhor o que levou o estado a este quarto lugar no ranking nacional, conversamos com o diretor regulatório da Abeeólica, Francisco Silva. Ele explica que o principal fator foi a falta de linhas de transmissão para o escoamento de produção.

“O que aconteceu foi que, em um determinado momento, a região Nordeste passou por um gargalo muito grande de transmissão, e o maior afetado acabou sendo o Ceará”.

Ele afirma que a última vez que o Estado vendeu um projeto em um dos leilões do Governo, foi no leilão A-5, de 2015. Depois disso, o Brasil teve leilões, onde principalmente os estados da Bahia e do Rio Grande do Norte foram os que mais venderam projetos ao longo desses últimos anos.

"Hoje a gente vê uma possibilidade de resolução desse assunto, temos visto um esforço na parte do governo (federal) realizando os leilões de transmissão. Este ano tivemos um que beneficia o Ceará e esperamos que ao longo dos próximos tempos se equacione um pouco essa situação, já que o Ceará continua sendo um estado com a característica de eventos muito bons".

Silva ressalta que atualmente o estado tem 2,5 gigawatts instalados de fonte eólica e é um dos que mais tem projetos na matriz. "Então, equacionando a questão da transição, esses projetos também serão competitivos ao ponto de poder fazer de novo com que o estado venha a ter mais projetos sendo viabilizados nos próximos anos".

O especialista ainda explica que há algum tempo os projetos do Ceará estão sem espaço para entrar na rede e que por isso empreendimentos acabaram migrando para estados vizinhos.

Maior produção é no Nordeste

No último dia 1º de agosto, a região Nordeste registrou o segundo recorde em produção de energia eólica em menos de uma semana. Ao todo, foram produzidos 19.083 MW de potência. O número equivale a 180,4% de toda demanda da região naquele momento.

O último recorde registrado havia sido no dia 27 de julho, quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) registrou 19.028 MW também no Nordeste brasileiro. Conforme a entidade, o montante seria suficiente para, naquele minuto, abastecer todo o Nordeste e ainda atender à demanda dos estados do Rio de Janeiro e Goiás.

Como está a produção do Ceará 

A geração de energia eólica corresponde a 46% da matriz energética do Ceará. A maior parte da produção é realizada em grandes usinas.

O Estado possui 100 parques eólicos que geram 2.577 MW de potência, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Há outros 72 empreendimentos, em construção ou obras não iniciadas, como capacidade contratada de 2.876MW.

O Ceará também é um dos estados com maior interesse para instalação de eólicas offshore - em alto mar. Há 26 empreendimentos esperando licenciamento do Ibama e regulamentação da geração, com promessa de gerar 64,9 GW no oceano.

O que já se sabe sobre leilões

No fim de março, o Ceará constou em três trechos do leilão de linhas de transmissão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Contemplado nos lotes 1, 3 e 5, de um total de 15 negociados envolvendo 14 estados, o Ceará será beneficiado pela construção e manutenção de 1.991 km novas linhas, que terão investimento superior a R$ 5 bilhões.

Os três lotes foram arrematados pela Eletronorte, subsidiária da Eletrobras, somando mais de R$ 579 milhões negociados nessas concessões. Isso representa, considerando ainda os trechos desses lotes que atravessam Piauí, Paraíba, Pernambuco, Bahia e Alagoas, a estimativa de geração de 10,4 mil empregos, sendo 4,1 mil no Ceará.

As novas linhas de transmissão irão conectar subestações com capacidades de 230kV e 500kV. O desenvolvimento vai potencializar as usinas fotovoltaicas e eólicas.

Na ocasião, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, falou de uma capacidade instalada de mais de 23 GW em geração renovável nas regiões Norte e Nordeste até 2033.

“Com essas obras, até 2027, o Nordeste se consolidará como vetor da segurança e da transição energética em capacidade instalada no SIN (Sistema Interligado Nacional)”, completou.

Muitas são as possíveis variantes para não estarmos em primeiro

Para o professor do departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raphael Amaral, não existe somente uma razão pela qual o Ceará não tem mais protagonismo em energia eólica, apesar do seu “enorme potencial de geração”.

Ele aponta como possibilidades para o estado figurar em quarto lugar no ranking de geração, já que, segundo ele, não se pode afirmar com exatidão, a guerra fiscal dos estados e o possível oferecimento de mais vantagens para os investimentos em parques eólicos.  

O especialista também reforça a falta de abertura de leilões da Aneel, para o Ceará, assim como a falta de infraestrutura para o escoamento dessa produção de energia eólica. “Essa falta de infraestrutura são linhas de transmissão, de subestações para que essa energia possa sair do parque eólico e posso chegar aos centros consumidores”, comenta.

Outra possibilidade que Amaral aventa é o tempo de espera por licenciamentos ambientais. “Tudo isso que mencionei pode estar ajudando para ocorrer essa perda de posições para outros estados do Nordeste”.

O que está sendo feito para voltar à liderança

Questionado sobre o que o Governo do Estado estaria fazendo para mudar esses cenário e voltar ao protagonismo, o professor da UFC comenta que a qualificação tem sido uma preocupação do Estado. Assim, no último mês de maio foi lançado o Projeto H-Tec, ação voltada para qualificação de profissionais na área de energias renováveis.

Ao todo, serão investidos R$ 34 milhões ao longo de quatro anos, com abertura de laboratórios em 13 municípios e a formação de 12 mil técnicos e multiplicadores de conhecimento. O projeto tem nível técnico e de graduação e 20% das vagas deste projeto serão destinadas para as mulheres. 

Amaral lembra que esse investimento em formação está alinhado ao impacto econômico que mais empreendimentos deste tipo trazem ao Ceará, com mais geração de emprego e de injeção de dinheiro na economia local. Além disso, ele diz que cerca de 50% da geração de energia elétrica do Ceará vem da energia eólica, o que ajuda a atrair ainda mais investimentos para cá.

Expectativas ainda em alta

Sobre expectativa do setor, o especialista da UFC garante que são grandes, assim como os potenciais eólicos de geração. “Existem projetos para instalação de parques offshore. Então, no curto e médio prazo essa é uma área que não para de crescer”. 

Amaral também revela que no Brasil e no mundo, quando se olha os gráficos de crescimento de capacidade instalada de geração eólica e também falando um pouco da energia solar, há exponencial crescimento.

“Não vemos, ainda, uma tendência de saturação ou de desaceleração desse crescimento, muito pelo contrário. Tendo leilões de concessão e tendo obras de infraestrutura para que essa energia possa ter escoamento, no médio prazo a tendência é que a área continue a crescer”, acrescenta.