O aquecimento do mercado de trabalho pós-pandemia vêm evidenciando a busca dos profissionais por melhores condições. Um dos fatores ainda cruciais e mais considerados na hora de troca de trabalho continua sendo o salário. Porém, outros benefícios como a possibilidade do trabalho remoto, ou a proximidade entre endereços de trabalho e residência, aumento de tempo para outras atividades, ou ainda o apoio em questões físicas e mentais, também apareçam como determinantes na hora de buscar outra colocação.
No Ceará, nos últimos cinco anos, o número de pedidos de demissões subiu de 35.610 (ano 2020) para 102.839 (ano 2024), no período de janeiro a agosto. Ou seja, houve um aumento de 188,7% nos pedidos de saída voluntária do trabalho no Estado.
Além disso, no Brasil, no mês de agosto, último contabilizado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a quantidade de trabalhadores que pediu demissão de forma voluntária bateu recorde. Foram 755,2 mil desligamentos a pedido do empregado. O levantamento considera o emprego com carteira de trabalho assinada.
Há seis anos atuando como fotógrafo, videomaker e storymaker, Davi Costa Menezes, 31 anos, já fez alguns pedidos de demissão de empregos. A última vez que tomou essa decisão foi no começo de agosto deste ano. Há 4 meses em uma empresa do ramo de calçados, surgiu uma oportunidade melhor de trabalhar na campanha eleitoral de um candidato a vereador.
Então pedi demissão e fui trabalhar com ele. Porém, já pedi outras vezes demissão para assumir um cargo que me pagava melhor".
Após essa experiência em campanha política, ele afirma que planeja investir na carreira autônoma, como freelancer. "Dentro da minha função é mais comum o trabalho autônomo, mas acredito que no caso dos pedidos de demissão, ainda tem tabu. Porém, isso vem mudando com essa nova geração".
Pandemia mudou alguns parâmetros
Conforme Victor Miro, professor da Universidade Federal do Ceará e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), no Brasil há um certo desafio para os pesquisadores, para se ter dados absolutos a respeito desses movimentos dos trabalhadores.
"Porque existe uma necessidade de ter uma base de dados que nos permita acompanhar os indivíduos ao longo do tempo, que tenha essa característica de acompanhar o que a gente chama de mobilidade, que é esse percorrer de um posto de trabalho a outro, e uma base que tenha algumas características desses trabalhadores como educação, estado civil, cor e raça".
Porém, ele afirma que artigos da literatura internacional apontam algumas características contextuais, econômicas e questões individuais desses fenômenos de mobilidade.
No campo da economia do trabalho há uma teoria de busca de empregos na qual os indivíduos exercem mais o direito de pedido de demissão nos momentos em que o mercado de trabalho está mais aquecido. Miro comenta que desde meados de 2023 o mercado de trabalho está observando reduções das taxas de desemprego, aumentos na taxa de participação. Inclusive, um estudo do Ibre mostra indicadores de melhora do mercado de trabalho e melhora nos níveis salariais.
"Então, muitos trabalhadores, quando estão em situações de insatisfação com o trabalho atual, observam redução de desemprego, aumento de salários médios, e começam a ter o sentimento de segurança para pedir demissão porque está mais fácil de encontrar outro posto de trabalho e oportunidades estão surgindo. Com isso, se sentem mais confiantes para abandonar o emprego atual".
Outros aspectos que, para o pesquisador, corroboram com esse movimento de pedidos de demissão voluntária, são as experiências tidas no período da pandemia, quando os trabalhadores puderam ter a liberdade de trabalhar de onde estivessem (no caso no confinamento). "O trabalho remoto mudou o problema da barreira geográfica no mercado de trabalho e fez com que muitos pudessem exercer suas atividades para empresas, inclusive de outros países, de suas casas".
Miro reforça não haver um perfil totalmente traçado sobre esse público que pede demissão. Porém, jovens solteiros, ou sem filhos têm essa maior tendência de mobilidade, assim como grandes executivos, com uma carreira já bem consolidada.
"O fato é que as novas gerações já não possuem mais aquele medo de terem muitos empregos na carteira, como existia anteriormente, quando o trabalhador era visto como quem não dava em lugar algum e estão buscando qualidade de vida além dos benefícios que a atividade proporciona", ressalta.
Recalcular a rota é possível e pode ser feito mais de uma vez
Patrick Farias Lima, 30 anos, é um destes milhares de cearenses que viram na possibilidade de pedir demissão a chance de ter uma vida mais equilibrada, respeitando os seus limites físicos e psicológicos. Há sete meses, trabalha remotamente em uma empresa de tecnologia, com sede em Brasília, como desenvolvedor full stack.
Mas sua carreira já passou por duas grandes mudanças resultantes de pedidos de demissão. Engenheiro de alimentos por formação, ele começou trabalhando na área, em uma grande empresa do segmento alimentício do Estado. Logo depois do estágio, assumiu como supervisor de produção, exercendo essa função por quase quatro anos.
Até então, tinha pretensões, desejos, mas algo me incomodava muito em relação a essa vida trabalhando em uma fábrica, que era a questão da abdicação. Acabava que passava muito tempo trabalhando, não tinha um tempo de lazer, e o trabalho me perseguia em casa e acabava sendo o ponto central da vida".
Ao chegar a pandemia, o jovem viu o incomodo de se sentir "sugado" pelo trabalho, se "multiplicando por mil". Com aquela realidade também chegou a culpa por ter pouco cuidado consigo e por ter pouco tempo para aproveitar com as pessoas que gosta.
"Independente das possibilidades de crescimento que tinha lá na fábrica, acho que a tendência era que as demandas e esse consumo que eu tinha só aumentassem. Foi aí que decidi sair daquilo. Então, comecei a procurar outras oportunidades".
Conversando sobre seus pensamentos e insatisfações sobre o rumo que sua vida tomava com amigos, Lima tomou conhecimento sobre uma vaga na área administrativa de uma empresa de educação localizada em Fortaleza. "Era algo totalmente diferente do que fiz e, profissionalmente falando, significava regredir um pouco em relação ao estilo de vida, valores de salário, mas enxergava ali, uma oportunidade de crescimento e condições também de conciliar com minha vida pessoal. Foi aí que tive o meu primeiro momento de pedir demissão, em 2021".
Preconceito e 'burnout'
Ao falar com o seu gestor na fábrica em que trabalhava, a decisão de pedir demissão não foi bem vista pela liderança. "Não gostaram. Não era muito comum as pessoas pedirem demissão lá, geralmente eles que demitiam, mas assim fiz e, realmente, foi uma virada de chave muito grande, porque estava acostumado com um ambiente de trabalho que sugava 100% da minha energia".
O então supervisor de produção, que chegou a trabalhar por muito tempo no terceiro turno, trocando o dia pela noite, no novo emprego teve a oportunidade de trabalhar pela primeira vez em um horário comercial. "Nessa empresa tive bons resultados, fui promovido, cresci. Só que não me sentia realmente feliz com o que estava fazendo. Além disso, descobri uma depressão que já existia e estava escondida".
Sem suporte das lideranças para lidar com suas questões mentais, o profissional viu a sua depressão evoluir para um quadro de burnout (síndrome do esgotamento profissional, é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso).
Perdi sono, apesar da rotina de trabalho ser aquilo que eu queria, depois de um pouco mais de dois anos ali, preferi também dar mais um passinho para trás e tentar rever o caminho que estava fazendo. Foi quando pedi demissão pela segunda vez, em 2023".
Sentimento de privilégio
Ao ser questionado sobre como avalia a possibilidade de pedir para sair de empregos que não o satisfaziam, Lima diz se considerar um privilegiado, principalmente por conseguir sempre se preparar para esses momentos e "entender que às vezes é preciso dar alguns passos para trás e rever rotas".
"Apesar de me considerar ainda novo, com 30 anos, acho que nos cobramos muito para que a nossa decisão de carreira seja a decisão mais assertiva possível logo de primeira. Agora, estou nessa carreira de tecnologia onde tive um tempo para estudar, me aprofundar em assuntos. Percebo que existem novas formas de trabalho e de cobranças e, muitas vezes, você não precisa estar em um ambiente que te consome muito ou que é tóxico. O que temos que procurar e a identificação com o que estamos fazendo, com a posição que se está, com o local de trabalho e, caso isso seja um problema, estar preparado para pensar no que é melhor e mudar".