A Petrobras perdeu R$ 74,246 bilhões em valor de mercado nesta segunda-feira (22), após forte queda de suas ações na Bolsa de Valores brasileira. Somado aos cerca de R$ 28,209 bilhões de desvalorização na última sexta (19), a queda da estatal com a intervenção de Jair Bolsonaro já soma R$ 102,5 bilhões.
As ações preferenciais (mais negociadas) da Petrobras fecharam em queda de 21,51%, a R$ 21,45 nesta segunda. Durante o pregão, chegaram a cair 21,7%. As ordinárias (com direito a voto) despencaram 20,48%, indo a R$ 21,55.
Esta é a maior queda percentual das ações desde 9 de março de 2020, quando os papéis preferenciais derreteram 29,7% com a crise do coronavírus, a pior desvalorização diária da petroleira da história, segundo dados da Economatica.
Com a desvalorização, a capitalização da estatal foi de R$ 354,79 bilhões na sexta para R$ 280,55 bilhões nesta segunda.
"A interferência política na empresa terá efeitos de longo prazo na percepção do investidor estrangeiro em relação ao ambiente de negócios do país", afirma Erminio Lucci, presidente da corretora BGC Liquidez.
Na Bolsa de Nova York, as ADRs (certificados de ações negociados nos Estados Unidos) da Petrobras fecharam em queda de 21%, fechando a US$ 7,94.
Histórico
O imbróglio do governo com a Petrobras teve início na noite de quinta (18), quando Bolsonaro afirmou que a fala do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, de que a ameaça de greve de caminhoneiros não era problema da empresa, teria consequências.
Naquela semana, a companhia anunciou nova alta no preço do diesel e da gasolina, para acompanhar a valorização do petróleo. Bolsonaro disse que "não tem quem não ficou chateado com o reajuste". As falas de Bolsonaro incomodaram o mercado, que viu uma iminente interferência na empresa.
Na noite de sexta, por meio de uma publicação em suas redes sociais, Bolsonaro anunciou que o governo havia decidido indicar o general Joaquim Silva e Luna para assumir como conselheiro e presidente da Petrobras após o encerramento do ciclo do atual presidente da companhia.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) abriu investigação envolvendo a Petrobras após o anúncio. Pela legislação societária, empresas listadas em bolsa como a Petrobras devem comunicar informações importantes como essa por meio de um fato relevante, o que não aconteceu. Além disso, mudanças dos principais executivos das empresas devem ser aprovadas pelo conselho de administração, o que também ainda não houve.
Tendências
"Este tipo de interferência política populista é um déjà-vu da adotada pelo governo Dilma", diz Lucci.
Aos acionistas da estatal, o conselho de especialistas é esperar. "Com os mercados em queda, dificilmente quem possuía a ação irá conseguir algum preço aceitável nesse primeiro momento", diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
Tampouco é uma boa ideia comprar o papel no momento, diz ele. "Quem está de fora deve permanecer de fora. Não é indicado entrar num momento onde o nível de volatilidade do mercado se encontra exacerbado."
Após falas de Bolsonaro, a corretora prevê um câmbio e juros mais elevados, uma eventual maior deterioração fiscal e um PIB (Produto Interno Bruto) mais baixo. "Não acredito que haverá o represamento de preços [na Petrobras], mas todo esse cenário será avaliado com cautela", diz Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa.
No sábado (20), Bolsonaro disse que vai "meter o dedo na energia elétrica" e prometeu mais mudanças.
Reação dos investidores
Um dos responsáveis pela ação coletiva por perdas dos investidores com o esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato, o advogado André Almeida diz já preparar processo semelhante com relação à perda de valor de mercado da empresa após interferência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Ele alega que o governo extrapola suas atribuições como acionista majoritário ao querer que a empresa faça políticas públicas de interesse da União. "A Petrobras não é uma empresa do governo brasileiro, ela tem acionistas privados", afirma ele.
Na ação referente à Lava Jato, iniciada em 2014, a Petrobras acabou fechando um acordo para pagar US$ 2,9 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões, em valores da época) aos investidores. Almeida evita prever valores para a ação atual, mas fala em "bilhões de dólares".
O advogado argumenta que Bolsonaro já vem reclamando há tempos da política de preços dos combustíveis da estatal e que a mudança no comando da companhia é um sinal de que o acionista controlador está agindo em detrimento de outros acionistas.
Almeida diz que a empresa vem sofrendo "diversos meses de influência e pressões" para segurar os preços dos combustíveis. "Agora isso ficou evidente, com as últimas declarações do presidente Bolsonaro", completa. "A Petrobras tem sócios, tem um estatuto, tem que respeitar a lei. Não pode ser usada para fazer política pública."
Desde que sinalizou mudanças na estatal, Bolsonaro tem questionado o preço dos combustíveis no Brasil. Na manhã desta segunda, reclamou em crítica à reação do mercado financeiro que "só tem um viés na Petrobras: atender os interesses próprios de alguns grupos no Brasil".
E chegou a citar, em conversa com apoiadores, que Itaipu Binacional, que era comandada por Silva e Luna, fez investimentos em duas pontes e na pista do aeroporto de Foz do Iguaçu (PR), onde está sediada. Seguindo o presidente, seriam provas da eficiência do general.
"Acho que o presidente está confundindo as coisas", comentou Almeida. "Quem faz política pública é ministério".
Segundo ele, a ideia é buscar parcerias com escritórios estrangeiros, como no caso da ação coletiva da Lava Jato, na qual atuou com o Wolf Popper. Foram os primeiros a protocolar uma ação sobre o assunto na Justiça de Nova York.
Entre os clientes naquele processo, estavam investidores institucionais, como fundos de pensão, descontentes com a perda de valor das ações que detinham da estatal. Na época, o acordo fechado pela Petrobras era o quinto maior da história das ações coletivas por perdas com ações.
Eletrobras
As ações preferenciais da Eletrobras operaram em forte queda durante o pregão, mas fecharam com leve recuo de 0,17%, a R$ 19,24 cada, e as ordinárias, de 0,68%, a R$ 28,91.
Analistas do Credit Suisse reduziram a recomendação para as ações da elétrica e cortaram preços-alvo dos papéis, citando fala do presidente.
"Uma afirmação que pode ter muitas implicações", escreveu a equipe do Credit Suisse em relatório no domingo (21), no qual apontou que eventual intervenção governamental no setor "pode aumentar a percepção de risco", principalmente por levantar ecos de medidas do governo para reduzir tarifas em 2012 que impactaram empresas, principalmente estatais.
O mercado teme ingerência em estatais de outros setores e considera a possibilidade de que André Brandão, presidente do Banco do Brasil, seja demitido.
Assim como Castello Branco, Brandão foi alvo de críticas do presidente. Em janeiro deste ano, ele foi ameaçado de demissão por Bolsonaro após atritos com relação ao plano de reestruturação do banco anunciado pelo executivo, com previsão de fechamento de agências e abertura de programa de demissão voluntária.