O que o governo pode fazer para conter o aumento nos combustíveis?

Após reajuste da Petrobras, dois projetos de lei para conter o impacto para os consumidores avançaram tanto na Câmara quanto no Senado

A guerra na Ucrânia tem impactado o mercado internacional de petróleo, o que reflete diretamente nas bombas de combustível. No início do mês, a Petrobras anunciou reajuste que fez com que o preço da gasolina ultrapassasse os R$ 8 no país. 

Em meio a um ano de eleição, a alta repentina de mais de 20% nos combustíveis fez com que o governo se movimentasse para tentar ao menos amenizar o impacto no bolso da população.  

Logo após o anúncio da alta, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei complementar 192/22, que unifica a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis.  

Na mesma semana, o Senado aprovou o n° 1472, que institui um fundo de estabilização de preços dos combustíveis. O projeto aguarda votação na Câmara dos Deputados e pode ser uma forma de conter a instabilidade do câmbio e do valor do barril de petróleo para os consumidores. 

Para especialistas, as medidas combinadas devem ter efeito para baixar o preço dos combustíveis. Contudo, não são definitivas e exigem fiscalização para que o resultado dos esforços chegue ao consumidor. 

ICMS sobre os combustíveis 

A primeira medida a ser aprovada após a alta dos combustíveis já era defendida por Bolsonaro desde o ano passado. A lei complementar estabelece uma cobrança única do imposto estadual, em alíquota fixada em reais. 

O doutor em economia e professor da FACC-UFRJ Joseph Vasconcelos explica que, por mais que a cobrança do imposto não seja a real causa da alta dos combustíveis, ela tinha um poder de potencializar os efeitos negativos. 

“O segundo ponto benéfico é que esse projeto também isenta PIS e Cofins em cima do preço dos combustíveis. Isentando essa tributação, o preço comercializado acaba sendo mais baixo, porque não tem mais a obrigatoriedade de tirar uma parcela para o governo”, acrescenta. 

De acordo com o consultor da área de gás e petróleo Bruno Iughetti, se espera que ocorra uma redução de até R$ 0,80 no preço da gasolina e de R$ 0,60 no diesel com a redução da carga tributária. Ele considera que esse efeito deve começar a ser sentido nos próximos 30 dias. 

Por mais que traga efeitos a curto prazo para os consumidores, a medida pesa para os estados. Hoje, na média das regiões metropolitanas, a alíquota é de 14% no diesel e 29% para a gasolina. Com a lei, o valor recebido pelos estados será um montante fixo, definido pelo Conselho de Secretários Estaduais de Fazenda (Confaz). 

Joseph chama atenção que, para que essa medida chegue aos consumidores, é necessário que haja fiscalização na última fase da cadeia: os postos de gasolina. 

Porque os postos de gasolina podem manter os preços, não reduzindo o combustível. Isso precisa ser fiscalizado, porque os postos podem aumentar os lucros. É preciso que os órgãos de defesa do consumidor e a ANP fiscalizem esses postos para saber se as concessões dadas pelo governo estão sendo cumpridas no preço final
Joseph Vasconcelos
doutor em economia e professor da FACC-UFRJ

Fundo de estabilização 

Ainda aguardando votação pela Câmara dos Deputados, outra medida que pode aliviar o preço dos combustíveis é a criação de um fundo que servirá como “colchão” para conter as variações bruscas do mercado internacional. 

Dessa forma, quando o petróleo subisse por qualquer motivo, esse fundo subsidiaria o aumento para que o consumidor não sentisse o impacto nos produtos finais. 

“Esse ponto ainda não passou com tanta facilidade porque a discussão é: quem vai alimentar esse fundo? Existe um grande debate, será que o fundo deveria ser feito com recursos do tesouro nacional, impostos ou royalties e dividendos das Petrobras que o Governo Federal recebe?”, coloca Joseph. 

Para o economista da FGV Mauro Rochlin, a criação desse fundo seria uma forma de subsidiar o preço dos combustíveis, o que pode ser visto de forma negativa pelo mercado. Ele vê a medida com maus olhos para o médio e longo prazo, tanto do ponto de vista econômico como ambiental, por incentivar o uso de combustíveis fósseis. 

O que se está buscando é alguém para pagar a conta. Acontece que essa conta uma hora vai chegar, porque dependendo do tamanho do subsídio, representa dívida para o governo, representa um risco maior
Mauro Rochlin
economista da FGV

Paridade internacional 

Críticos do governo pontuam o fim da Política de Paridade Internacional (PPI) da Petrobras como uma forma de resolver a questão dos combustíveis. Instaurada no governo Temer, a política equaliza os preços praticados no Brasil com o mercado internacional. 

Bruno Iughetti considera que uma intervenção direta do governo na Petrobras teria consequências negativas. 

Essa é uma ação que, em vez de trazer benefício ao consumidor, traria mais problemas, porque o consumidor estaria pagando um preço artificial na gasolina e no diesel, porque o governo não pode baixar os preços fora das condições do mercado internacionais
Bruno Iughetti
consultor da área de petróleo e gás

A opinião é reiterada por Joseph Vasconcelos. Para ele, o governo precisa encontrar um meio termo que consiga agradar tanto acionistas como os consumidores. 

“Se o governo alterar essa política da Petrobras de liberdade de estabelecer o preço, o que pode acontecer é uma desvalorização das ações da Petrobras. O mercado financeiro entende que a empresa está sujeita a uma condição de prejuízo. Pode haver até mesmo a judicialização da causa que ocorre quando o acionista entra na justiça para requerer que a interferência do governo não ocorra”, discorre. 

Dá para frear a alta dos combustíveis? 

Mauro Rochlin é crítico de qualquer intervenção do governo na Petrobras. Segundo ele, as altas e baixas dos combustíveis no mercado internacional estão para além da regulação estatal em uma economia de mercado. 

“Qualquer freio seria uma forma de intervenção no mercado, seria ignorar que aqui funciona uma economia de mercado, que oferta e demanda estabelecem os preços. Por que o preço dos combustíveis tem que ser regulado e o pão não? Por que se discute regulação do preço da gasolina e não se discute preço de produtos mais básicos? Porque aqui é uma economia de mercado. Não vejo sentido de ver um produto impedindo de ter seu preço aumentado”, argumenta. 

Para o economista, uma solução melhor seria investir em políticas públicas voltadas especificamente para a parcela mais pobre da população, para que a alta dos combustíveis pese menos. Mas, em um ano eleitoral, o que se buscam são as opções que abranjam o maior número de pessoas, diz ele. 

Bruno Iughetti e Joseph Vasconcelos consideram que as duas medidas tomadas, juntas, são um caminho para aliviar o bolso do consumidor. Joseph reitera, contudo, que havia o que ser feito para que a situação não havesse chegado a esse ponto. 

“O governo poderia ter feito é reduzir a dependência que a gente tem do petróleo internacional. Porque controlar os outros países é algo que não temos tantas ferramentas, não temos tanta força. O que a gente pode fazer como tarefa de casa é reduzir a dependência do mercado internacional”, defende. 

Iughetti considera que um modelo híbrido da PPI, que dolarizasse o petróleo exportado pela Petrobras, mas mantivesse os valores em real no mercado interno poderia ser uma solução. 

“Mas isso envolve contratos internacionais, envolve vontade política, o lado econômico da Petrobras e do Brasil. Todas essas medidas que deveriam ser discutidas em uma mesa redonda se tornam inócuas pela demora de o governo decidir qual a melhor das soluções”, pontua.