Novas tarifas da Aneel em 2023: quais impactos para os consumidores e produtores de energia?

Setor produtivo calcula que os custos serão onerados em até 43%, o que pode frear investimentos no Nordeste; conta de energia deve cair até 2,4%

Novas resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que entram em vigor a partir deste ano devem reduzir as contas de energias aos consumidores, mas pode ter como efeito rebote a redução de investimentos em energia limpa no Nordeste, segundo especialistas

A agência realizará mudanças na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (Tust), passando a considerar o aspecto locacional para beneficiar ou onerar produtores de energia dependendo da distância entre o gerador e o principal público consumidor, no caso, a região Sudeste. 

Para o consumidor, a consequência dessa mudança na tarifa é uma redução nas contas para as unidades localizadas próximas aos centros de geração. De acordo com a Aneel, é prevista uma redução média de 2,4% para os consumidores do Norte e Nordeste e de 1,86% se falando especificamente do Ceará. 

Apesar do alívio nas contas, a tarifa diferenciada preocupa produtores no Norte e Nordeste, que temem que o aumento nos custos pode frear investimentos no setor de energia eólica e solar. O coordenador de energia na Fiec e presidente da Câmara Setorial de Energias da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), Joaquim Rolim, calcula que haverá um aumento de custos de até 43% para os produtores no Nordeste. 

Em novembro, foi aprovado na Câmara o Projeto de Decreto Legislativo 365/22, que suspende as resoluções da Aneel relacionadas à Tust. O tema aguarda tramitação no Senado e, enquanto isso, o setor produtivo estuda possíveis impactos do aumento de tarifas para negociar com a agência. 

Mudança na tarifa 

Historicamente, o Nordeste precisava importar de outros estados grande parte da energia consumida, sobretudo de hidrelétricas no Sudeste e Sul do País. Esse cenário tem se modificado nos últimos anos, com o desenvolvimento da geração de energia eólica e solar. 

A Tust é uma tarifa que sempre existiu, justamente para custear a transmissão de energia em um país de tamanho continental. Joaquim Rolim desconfia de a mudança na forma da cobrança ocorrer justo agora. 

"Essa carga veio toda para o Nordeste, esse aumento da Tust. Teve uma redução para o Sul do País, à medida que se aproxima do Sudeste, tem uma redução dessa tarifa. O que a gente questiona é que o Nordeste foi a vida toda importador de energia e nunca se pensou nisso. Agora que ele passou a ser exportador vem essa tarifa", pontua.

As resoluções da Aneel estabelecem uma transição até 2028 para que os geradores das regiões mais distantes dos grandes centros consumidores paguem mais para usar as linhas de transmissão a fim de escoar a energia elétrica produzida. 

Para o diretor de regulação do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia-CE), Bernardo Viana, a resolução beneficia empresas do Sul e Sudeste. 

É importante entender que existe um certo lobby das empresas que desenvolvem projetos no Sul e no Sudeste, que estão mais próximas de Minas e de São Paulo. Esse pessoal busca equalizar o sistema e tarifar de forma diferente a Tust”
Bernardo Viana
diretor de regulação do Sindienergia

A nova metodologia da Aneel deve ser aplicada já no ciclo tarifário 2023/2024, no qual 90% do cálculo seguirá a contabilização de custos anterior e 10% seguirá o cálculo novo, que considera a proximidade do consumo da energia em relação à região onde é produzida.  

A cada ciclo tarifário, o percentual terá um aumento de 10 pontos até os geradores pagarem a tarifa cheia pelo novo cálculo. 

Produção de energia limpa 

A preocupação é que os custos mais altos desincentivem novos investimentos em energia no Nordeste, sendo sobretudo voltados para energia limpa.  

“O dono de um projeto grande, de uma usina, vai ter que colocar na sua conta esse custo de transmissão mais elevado do que existe hoje em dia”, prevê Bernardo Viana. 

A Fiec e a Adece estão estudando os impactos econômicos e ambientais da medida em busca de argumentar com a Aneel sobre o assunto. 

Queremos mostrar para a Aneel que a decisão não deve ser tomada apenas em um determinado ângulo, não só do locacional, mas também do ambiental. De certa forma, restringe investimentos em energia eólica e solar e beneficia investimentos em energia térmica e não renovável. É preciso olhar o aspecto temporal e ambiental”
Joaquim Rolim
coordenador de energia na Fiec e presidente da Câmara Setorial de Energias da Adece

Joaquim Rolim considera que a mudança na tarifa pode prejudicar inclusive a produção de hidrogênio verde no estado. Ele aponta que aumentar os custos de produção da nova fonte de energia pode atrapalhar o Ceará, com condições ideais e se encontra na dianteira em relação aos investimentos. 

“O Brasil é um país em dimensões continentais, precisamos ampliar os investimentos para permitir esse intercâmbio de energia entre as regiões, e não ir no sentido contrário do mundo, que é investir em energia limpa e barata”, diz. 

Benefício para o consumidor 

Em nota, a Aneel explicou que a mudança na cobrança da tarifa é necessária para recuperar os custos de prestação do serviço e remunerar os investimentos feitos pelas empresas. 

No passado, o consumidor de energia do Nordeste pagava mais pela transmissão porque tinha de consumir a energia que era produzida fora da região NE. Agora, como a energia é abundante na região, o consumidor não precisa pagar tanto pelo uso do sistema de transmissão. Por outro lado, as empresas que geram energia no NE e vendem em outras regiões do país, devem pagar mais pelo uso da rede. Se não fosse feito o ajuste pela Aneel, o consumidor da região NE pagaria mais caro pela energia para as empresas de geração pagarem menos”
Aneel

De acordo com a agência, não haverá um impacto negativo na atração de investimentos em energia limpa para as regiões Norte e Nordeste.  

“Muito pelo contrário, a redução das tarifas para o consumidor final trará grandes possibilidades para o setor produtivo, poderá atrair mais investimentos na cadeia produtiva solar e eólica, com fábricas, prestadores de serviços para atender o crescimento também da indústria de renováveis”, diz. 

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