Almejado como uma aposta para a transição energética em todo o mundo, o hidrogênio verde - conhecido também pela sigla H2V - tem se mostrado como uma alternativa altamente viável no Nordeste do Brasil, graças ao potencial de geração de energia eólica e solar abundante pela Região.
Entretanto, apesar do volume expressivo de sol e vento, o setor ainda enfrenta embargos para que a produção de moléculas desse tipo de hidrogênio deixe de ser apenas experimental e passe a ser manufaturada em larga escala. A criação de uma legislação que regulamente a área é um destes desafios.
Também neste contexto estão a definição de um mercado consumidor - interno e/ou externo - que viabilize o investimento bilionário das empresas e a definição de políticas de financiamento ou incentivo, assim como aspecto relacionados com a utilização das matérias-primas que compõem a cadeia produtiva do insumo também precisem ser estabelecidos.
A avaliação é de Camila Ramos, CEO da Clean Energy Latin America (Cela), empresa de investimentos que presta assessoria financeira e consultoria estratégica a investidores do setor. A iniciativa dirigida por ela acompanha o tema e realizado estudos de viabilidade em seis unidades da federação.
À reportagem, Ramos pontuou também que o Nordeste é uma potência estratégica no que diz respeito a coeficiente considerável nesta conta: a logística. Afinal, há uma proximidade com os potenciais importadores do H2V, localizados do outro lado do Atlântico, os países europeus.
"No Nordeste, se a gente quisesse fazer hidrogênio verde agora, se quiséssemos colocar em prática todos esses projetos que estão me demandando para abastecer o Brasil e o mundo, teríamos o potencial para oferecer por volta de 107 gigawatts de energia eólica e solar. Deste quantitativo, 71 gigawatts são apenas solar", conta a entrevistada.
Segundo ela, somente nos estados nordestinos, há um volume de energia limpa suficiente para suprir a demanda relevante do hidrogênio verde que a Europa vai ter nos próximos anos. Tudo isso a um custo competitivo.
Marco regulatório
Sobre os entraves ao desenvolvimento desse potencial, a chefe da Cela citou alguns que são expressivos. "A gente não tem algumas coisas. Não temos um marco regulatório hoje. O presidente sancionou um projeto de lei sobre o combustível do futuro na semana passada e aguardamos algo dessa forma. O governo diz que vai ser esse mês ainda, que vai sair", disse.
A especificidade traria uma segurança jurídica para a iniciativa privada, uma vez que o volume de dinheiro requer tais cuidados. "Imagina que cada um desses projetos nós estamos falando de bilhões de reais em investimento. Para o investidor tomar uma decisão dessa precisa ter um marco legal instituído", pontou.
Espera-se que o marco elenque critérios para a definição do hidrogênio de baixo carbono, o órgão que irá regular as operações em solo brasileiro, possíveis metas de produção e consumo e dispositivos que versem sobre pontos de cunho financeiro e econômico.
Quanto ao aspecto de consumo, este é um assunto também que deverá ser resolvido. "Para termos consumidores essas empresas têm que encontrar compradores, seja no Brasil ou fora dele, mas para isso tem que ter um custo que faça sentido. Na minha empresa, estamos há três anos fazendo análises de viabilidade financeiras - uma das coisas para elas serem finalizadas é entender se vai ter incentivo. Tudo vem lá de cima", salientou.
"Tem também a questão logística. Como vamos resolver? Vamos fazer amônia ou exportar? Tudo isso vem na sequência. Todas as empresas estão fazendo essa análise em paralelo, mas aguardando esse marco regulatório ser publicado e definido", destacou.
Nesta quarta-feira (20), a empresária irá proferir um painel sobre o tema no Proenergia Summit 2023, realizado em Fortaleza com players do campo energético.
Expectativa para início da produção
A previsão do início da produção do hidrogênio verde em larga escala era para este ano, com a conclusão da usina da fábrica de fertilizantes da Unigel do Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia. Por razões de mercado, a fabricação dos produtos foi suspensa e o projeto desacelerou.
Nas palavras de Camila Ramos, as primeiras plantas do tipo só devem ficar prontas daqui a quatro anos: "Uma fábrica dessa demora alguns anos para construir, porque tem um estudo de engenharia detalhada que precisa ser feito. Eu diria que as primeiras plantas devem entrar em atividade em 2027".
Graças a emissão zero de carbono - o que reduz o impacto poluente causado por combustíveis fósseis -, o universo de possibilidades de uso do H2V é cada vez mais amplo, podendo ir do processo fabril de fertilizantes, como citado, até a alimentação de veículos automotores, navios e aeronaves.
A geração de emprego e renda, além da chance de reduzir as desigualdades entre regiões, é outro fator que pesa em favor da tecnologia pautada. "São fontes de receita muito grandes. É importante que esses projetos sejam estruturados com um viés de impacto social e econômico nas regiões onde atuam", evidencia Ramos, completando que os bancos que financiam estão sensíveis ao assunto e cobram por soluções nesse sentido.
Segundo ela, as dinâmicas da neoindustrialização e da reindustralização também estão contempladas pela transição que está sendo pensada a partir de agora. "Se a gente demanda mais energia renovável, vamos precisar de mais equipamentos da indústria, para gerar mais", exemplificou, citando a nacionalização de componentes usados para produzir energias solar e eólica e até mesmo o H2V.