Jovem Aprendiz: o que muda nas regras do programa e qual o impacto no mercado de trabalho

Funcionários de carreiras já entregaram os cargos contra as medidas e protestos começam a ocorrer no País

A Medida Provisória (MP) de nº 1.116, editada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em 4 de maio, embute alterações que devem extinguir 432 mil vagas previstas para o “Programa Jovem Aprendiz” nos próximos dois anos. A redução recairá, sobretudo, nos mais pobres em razão de artigo específico para estudantes desse perfil. 

O cálculo foi feito por um grupo de auditores-fiscais do trabalho, ligados ao Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), que entregou os cargos em protesto contra as medidas, no dia seguinte à publicação (05/05), totalizando 29 signatários em todo o Brasil.

>>> Leia na íntegra carta de renúncia dos cargos 

Não há, todavia, projeções regionais desses impactos. Mas, em março deste ano, o Ceará contabilizou 16,1 mil alunos aprendizes, quando o potencial de contratação era de 28,1 mil, conforme dados do MTP. 

Entidades de defesa dos jovens apontam distorções nas novas regras, como a contagem em dobro de pessoas vulneráveis para a cota obrigatória de 5% a 15% para companhias de médio e grande porte. 

O texto também prevê que ex-aprendizes efetivados entrem artificialmente no cálculo por 12 meses. Além disso, há o relaxamento das fiscalizações, a suspensão de multas para empresas durante a adesão ao programa e o perdão de 50% do valor das punições aplicadas antes mesmo da criação da MP,  dentre outros tópicos. 

As mudanças começaram a valer já no último dia 4 de maio. A matéria deve ser apreciada pelo Congresso para rejeição ou aprovação em até quatro meses. Do contrário, caducará. 

Veja o que mudou e os impactos

A (MP) de nº 1.116 instituiu o "Programa Emprega + Mulheres e Jovens" sob a justificativa de ampliar a oferta de empregos para essa população.

O procurador do Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE) e diretor de assuntos legislativos da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Antonio de Oliveira Lima, pondera que o efeito será contrário. 

Essa é uma das piores coisas que o governo já fez em matéria trabalhista. Está anulando aprendizagem, reduzindo vagas, liberando empresas das multas e proibindo a fiscalização para aplicá-las. É o caos”. 
Antonio de Oliveira Lima
Procurador do Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE)

“Sabemos que, se não houver fiscalização e se a empresa souber que não será multada, ela não vai cumprir as obrigações, principalmente, quando a própria medida incentiva o não cumprimento da lei”, completa. 

O procurador acredita que a contagem em dobro alcança a maioria dos estudantes devido ao enquadramento em programas sociais. Pelas novas regras, um valerá por dois quando for:

  • Beneficiário do Auxílio Brasil (rebatizado Bolsa Família) e de outros programas assistenciais;
  • Egresso do sistema socioeducativo;
  • Pessoas com deficiência;
  • Vítimas do trabalho infantil ou em outras situações de risco e vulnerabilidade social.

Antonio exemplifica que, em junho último, dos 14.391 aprendizes existentes no Ceará, 8.634 pertenciam a famílias registradas no Cadastro Único (CadÚnico). Com a aplicação da nova norma, esses 8,6 mil adolescentes serão contabilizados como 17,2 mil.

“Há outros trechos da MP que implicam redução de vagas, mas este, especialmente, é o que mais trará impacto. No caso do Ceará, a redução será proporcionalmente maior, sendo quase o dobro da média nacional”, avalia, apontando que a redução ocorrerá gradativamente conforme o fim dos contratos atuais. 

A superintendente Nacional de Operações e Atendimento do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), Mônica Castro, acrescenta que as medidas precarizam o trabalho dessa população com os direitos já garantidos e refuta a contagem dupla. 

É um total preconceito. Esse jovem é contado por dois como se fosse um coitado. Na realidade, a medida para a inserção de grupo prioritário é para demonstrar o quanto ele é importante e não um fardo”.
Mônica Castro
Superintendente Nacional de Operações e Atendimento do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee)

“Mas colocam como se fosse algo promocional: pegue um e leve dois. O nosso sentimento com isso é de tristeza. Quem escreveu essa redação não colocou o olhar para os vulneráveis para ser uma ferramenta para mudar a perspectiva de vida”, reafirma.

Mônica defende a derrubada urgente de todos os artigos relacionados aos jovens aprendizes. Mais de 27 mil adolescentes já assinaram, até essa quarta-feira (18/05), carta endereçada aos deputados para a derrubada das mudanças. Além disso, protestos também já começaram a ocorrer pelo País. 

Jovens relatam as aflições diante das ameaças de redução de vagas

O estudante Francisco Diogo, de 19 anos, ingressou no Programa Jovem Aprendiz há cinco meses. Para ele, essa foi a porta de saída “do mundo do crime”. Egresso do sistema socioeducativo, agora ele finaliza o 3º ano do Ensino Médio e faz estágio na área administrativa de uma empresa, em Fortaleza. 

A bolsa de estudo, no valor de meio salário mínimo, é usada para ajudar em casa e para as despesas com os estudos. “Fui envolvido com o tráfico de drogas. Quando saí, fui acompanhado e tive a oportunidade de ser um Jovem Aprendiz. Aí, sim, consegui sair do mundo crime”, relata. 

Nesta semana, ele participou de manifestação contra a MP 1.116, na Praça da Imprensa, na Capital. Cerca de 1 mil estudantes estiveram presentes, segundo o Fórum Cearense de Aprendizagem Profissional. 

Eu queria que isso também fosse possível para todo mundo. Essa bolsa ajuda a tirar muito jovem do crime. Eu sou um deles. Agora minha mãe já se orgulha de mim”. 
Francisco Diogo
estudante, de 19 anos

A estudante Pâmela Silveira, de 19 anos, também integra o programa há alguns meses. "A bolsa me ajuda a comprar a cesta básica em casa, pagar um curso de informática e continuar estudando. Fiquei muito triste quando soube que isso pode deixar de acontecer para outras pessoas", lamentou. 

A representante das Instituições do Fórum Cearense de Aprendizagem Profissional, Emanuelle Marjuria, avalia que os relatos reforçam o papel social do programa e defende que diversos pontos da Medida Provisória 1.116 "sejam rejeitados”. 

Dentre eles, citou, o que permite contar em dobro o cumprimento da cota, o aumento do prazo de duração do contrato e o cumprimento fictício da quota. 

"Tais artigos são muito prejudiciais e maléficos, porque cada um deles implica redução do número de aprendizes contratados pelas empresas, em comparação com a lei até então vigente”, reforçou.  

O Diário do Nordeste questionou a Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) os pontos sensíveis citados e sobre a entrega de cargos dos 29 auditores-fiscais, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.