À medida que as tecnologias avançam, é normal que algumas profissões se tornem, aos poucos, obsoletas. O temor de ter seu trabalho trocado por uma máquina se torna mais presente quando, para além de tarefas puramente manuais, esses robôs conseguem executar papéis mais complexos, escrevendo textos, fazendo pesquisas e até gerando imagens.
Essas são só algumas funções do ChatGPT, ferramenta que tem se popularizado na internet e que vem sendo utilizada inclusive por algumas empresas no mercado de trabalho. Enquanto alguns têm medo de que o robô possa trazer demissões por substituir funcionários, outros têm se aproveitado da tecnologia para aumentar a produtividade.
Para a líder de transição de carreira da consultoria LHH, Patrícia Paniquar, a inteligência artificial não substitui habilidades que são essencialmente humanas, como empatia, sensibilidade e pensamento crítico.
Ela pontua que atividades que envolvam levantamento de informações, traduções, revisão e escrita de textos simples podem ser impactadas pelo ChatGPT nos próximos anos. O profissional deve, contudo, se preparar para utilizar a ferramenta como aliada e destacar seu valor frente a ela.
Como funciona o ChatGPT?
O professor da Fundação Vanzolini, Marcos Barreto, define que o ChatGPT é uma inteligência artificial generativa, tecnologia que já existia há bastante tempo, por exemplo, nos corretores gramaticais de softwares de texto.
A diferença dessa ferramenta é a quantidade de informação que ela consegue compilar em uma interface simples, que pode ser utilizada por qualquer pessoa.
Ele explica que as inteligências artificiais transformam partes de cada palavra em uma representação numérica, chamada de token. No caso do ChatGPT, são 175 bilhões de tokens, retirados de livros, documentos e páginas da internet.
A ferramenta pega milhares de livros e páginas da internet e converte nesses tokens e aí fica com um conjunto de números. Aí ela calcula a probabilidade de que o próximo token seja x ou y e aí vai se construindo o texto, com base nessas probabilidades. São 175 bilhões de possibilidades, de arcos ligando um nó a outro. Por isso que é um negócio enorme, que traz resultados impressionantes”.
Ele considera que o ChatGPT é nada mais que uma ferramenta de produtividade, que pode afetar diretamente o dia a dia de algumas profissões e muito pouco o de outras. Assim como algumas profissões utilizam frequentemente o Excel e outras não, ele exemplifica.
“O ChatGPT não morde, não machuca. Muito se tem falado do medo que a inteligência artificial vai dominar o mundo, mas a gente está muito mais longe disso do que do homem pousar em Marte”, diz.
Impacto no mercado de trabalho
O que preocupa os trabalhadores é que, muitas vezes, uma maior produtividade significa que menos pessoas são necessárias para realizar um trabalho. O que, invariavelmente, pode levar a demissões.
“Quando você tem ganho de produtividade, onde se precisava de dez redatores pode se utilizar talvez oito. Se cada jornalista demorava 8 horas para fazer uma matéria de certo tamanho, talvez agora leve 6. Mas isso não elimina o jornalista, só permite que ele trabalhe melhor e mais rápido. Não vai substituir 100% alguém, vai só permitir que as pessoas tenham uma produtividade maior, mas pode ser que algumas pessoas percam emprego por conta disso”, exemplifica Marcos.
Patrícia Paniquar, da LHH, considera que profissões como analista de dados, atendente de telemarketing, pesquisador devem ser impactadas no período de um ano. Em dois anos, a mudança pode chegar para planejadores de viagens, de eventos, profissionais de design gráfico, recrutadores assistentes financeiros e jornalista.
“Quem está nessas profissões deve começar a buscar ampliar e entender como ele pode ser um gerenciador do ChatGPT e usar o que está sendo produzido para fazer outras coisas e outras análises também. Essas pessoas vão precisar se desenvolver, aprender novas possibilidades, novas profissões, e aprender como o ChatGPT pode alavancar a profissão. Se posicionar como inimigo do ChatGPT não traz benefício, está aqui, está acontecendo. É aprender a usar, porque de fato ela reduz etapas, otimiza. É ver como utilizar ela no trabalho que você faz hoje”, destaca.
Para quem está nesses ramos, a indicação é se atualizar, assim como fazem as tecnologias.
“O que eu gosto de trazer é essa coisa de estar o tempo todo se desenvolvendo. Assim como a tecnologia sempre faz isso, nós como profissionais temos que estar sempre abertos a aprender e reaprender, sempre estar empregável”, ressalta.
Uso da ferramenta no dia a dia
Há 3 anos no mercado, a CBRdoc é uma empresa de gestão de entrega e solicitação de documentos para empresas. O negócio começou a utilizar o ChatGPT cotidianamente nos últimos três meses e tem visto resultados positivos em termos de produtividade.
“O ChatGPT multiplica nossa capacidade de fazer as coisas. Se antes em uma hora a gente conseguia analisar um contrato, agora a gente consegue até centenas, isso otimiza nossa capacidade de tomar decisões”, diz o co-CEO Allan Jorge Mendonça.
A ferramenta é utilizada na empresa para identificar algumas informações específicas em documentos que chegam a ter mais de 50 páginas. O trabalho que uma pessoa teria antes de ler todas as páginas para encontrar os dados necessários, o robô faz em alguns segundos.
“A gente tem feedback positivo dos clientes, eles perdiam muito tempo para ler. Um documento de dez páginas que a pessoa podia perder dez minutos para ler tudo, a gente passa as informações-chave”, conta o também co-CEO da empresa, Rafael Galante.
Ele afirma que os cerca de 50 funcionários da empresa seguem com seus empregos garantidos e que não houve demissões desde o início do uso da tecnologia. Pelo contrário, a rapidez acabou trazendo mais demanda, o que pode levar a novas contratações.
Ganhos na área jurídica
Essa capacidade rápida de processamento de um grande volume de dados pode ser bastante útil para o setor jurídico, que trata com centenas de documentos diariamente. Conforme o conselheiro de Tecnologia da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), Victor Rizzo, o ChatGPT já vem sendo utilizado por escritórios como fonte adicional de pesquisa.
Como ele é utilizado como uma fonte adicional, ele pode ser muito interessante. Ele foi treinado com um volume muito grande de conhecimentos então ele consegue redigir uma quantidade muito grande de fatos e dados que podem enriquecer o trabalho do advogado. Ele ajudaria a fazer uma pesquisa no que tange aos resultados dos processos iniciais de uma determinada matéria ou nas alegações”.
Ele ressalta, contudo, que o advogado deve checar todas as informações trazidas pela ferramenta. Isso porque, como a tecnologia constrói os textos com base em probabilidades, podem vir dados incorretos na pesquisa.
“Nos Estados Unidos, um advogado colocou dentro de uma peça processual dele informações sobre casos relacionados que ele pegou do ChatGPT e os casos nunca existiram. E aí tá dando uma polêmica por ele ter simplesmente copiado e colado. Aqui no Brasil a mesma coisa aconteceu, um juiz multou um advogado porque ele pegou um texto de uma conversa dele com o ChatGPT”, exemplifica.
É por causa disso que ele considera que o robô jamais poderia substituir um advogado.
“Se você usa o ChatGPT apenas para fazer uma pesquisa e checa em outras fontes, ótimo, você vai continuar sendo um advogado. No caso do direito, será sempre uma ferramenta que pode gerar mais produtividade”, afirma.