Fila do INSS: mais de 70 mil cearenses esperam em média 6 meses por benefícios

Prazo pode se estender por anos a depender do caso

A espera de quem depende de algum benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pode ser longa. De acordo com dados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) por meio de Lei de Acesso à Informação, a fila desde o agendamento de perícias até a aprovação do recurso está durando entre 6 e 8 meses, podendo esse prazo se estender por anos a depender do caso. 

Um tempo que se arrasta para quem depende desse dinheiro para colocar comida em casa. É o caso do ex-segurança Jedson Matos Tavares, de 45 anos, que busca uma aposentadoria por invalidez após um incidente de trabalho em 2018. 

Ele trabalhava de segurança em uma casa de praia e teve um AVC hemorrágico após uma troca de tiros, o que fez com que ele precisasse de internação e cirurgia. 

"Quando eu voltei para o trabalho, o patrão me disse que não precisava mais, porque eu não estava apto para trabalhar. Aí me deram os documentos para eu vir para o INSS. Eu vim para o INSS, recebi um mês só. E desse mês para cá eu venho lutando. Recebo um mês aqui, passo um ano, um mês acolá", conta. 

Como ele, outros 70.469 cearenses esperavam na fila de benefícios do INSS em outubro do ano passado, conforme dados do IBDP. Ainda não foram disponibilizadas informações atualizadas referentes a janeiro de 2023. 

O tempo de fila do INSS teve uma redução no ano passado com a aplicação de uma ferramenta de inteligência artificial para a análise de benefícios. Para especialistas, a medida não resolve o problema, sendo necessária uma maior contratação de pessoal para lidar com a demanda do órgão. 

Ajuda da família 

É graças à ajuda de familiares que a desempregada Maria do Socorro, de 40 anos, consegue manter a casa onde mora com o marido e um filho, ambos também sem uma fonte de renda. 

Ela está sem receber salário desde agosto do ano passado, quando quase foi demitida da empresa em que trabalhava após voltar de férias. A dispensa só não ocorreu, conta, quando o problema de saúde dela foi detectado no exame demissional. 

Deram minhas férias porque eu insisti, e quando eu voltei, me colocaram para fora. Quando eu cheguei no médico da empresa [para exame demissional], ela viu o estado do meu braço inchado e o exame da coluna. Aí ela rasgou minha demissão e me jogaram para o INSS"
Maria do Socorro
Desempregada

Ela foi à agência do INSS no Centro para fazer a primeira perícia do caso 5 meses após dar a entrada no benefício, em busca de um auxílio-doença devido à tendinite e um desvio na coluna. Sua esperança era que a aprovação viesse para que ela pudesse pagar dívidas e colocar novamente as finanças nos eixos. 

"Eu tenho como plano pagar as dívidas acumuladas, estou com dívida desde agosto para cá. E muita medicação. Se não fosse a minha família e a do meu esposo, como é que eu estava?", questiona. 

Irmã de Maria e acompanhante dela na empreitada, a aposentada Adriana Pereira, de 37 anos, também enfrentou uma longa espera até conseguir seu benefício. Foram 6 anos em busca de uma aposentadoria por invalidez após uma cirurgia cerebral. 

"Hoje eu me sinto uma guerreira de eu ter enfrentado 6 anos pedindo a Deus a graça de alcançar aquilo que me era de direito, que eu não estava pedindo favor ao Estado nem ao governo. Hoje graças a Deus eu tenho minha aposentadoria, mas porque eu corri atrás", diz. 

Luta pelo benefício 

Jedson Matos já conseguiu receber pontualmente benefícios do INSS após o incidente que o deixou inapto para trabalhar em 2018, mas segue em busca de uma aposentadoria. Ele conta que o benefício já havia sido negado outras vezes e que aquela era a quarta vez que ia a uma agência para perícia. 

As dívidas vão acumulando, é uma bola de neve, e nada. Somos só eu e minha esposa, que era para estar aqui comigo, mas não vem porque se ela viesse ia faltar o pão de amanhã. Aí eu venho"
Jedson Matos
Desempregado

Após as negativas, ele já acionou um advogado para lutar pelo benefício que considera ser de direito, por ter pago todas as contribuições previdenciárias no período em que trabalhava. 

"Estou de saco cheio, porque se eu pudesse trabalhar eu não estava aqui lutando por um salário mínimo que não vale quase nada", revolta-se.  

A autônoma Danelys de Torre, de 52 anos, veio da Venezuela para o Brasil em busca de tratamento médico para sua filha, que tem uma doença crônica degenerativa. Após ter tido o Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência (BPC) negado para sua filha, ela busca obter o direito para si mesma devido a problemas de insuficiência cardíaca. 

Eu trabalho por minha conta, eu tenho problemas de insuficiência cardíaca. Eu não estou conseguindo direito as coisas. Eu trabalho por minha conta vendendo salgado, mas não está dando certo", conta. 

Além do trabalho de Danelys, a família se mantém com ajuda do Auxílio Brasil. O plano é que com o BPC mãe e filha possam ter maior tranquilidade. 

"Só um salário para morar aqui é difícil, mas a gente aprende depois de algumas coisas. Quero pagar o aluguel direito, para dormir pelo menos tranquila. Outras coisas, Deus resolve", diz. 

Fila que cresce 

O advogado previdenciário Renato Soares avalia que houve uma piora gradativa no tempo de espera da fila nos últimos anos. Segundo ele, a espera pelo BPC é a mais demorada, podendo chegar a até um ano. 

Ele explica que o INSS abriu uma linha os recursos extraordinários, fazendo com que, além da demora inicial, os segurados precisem esperar em uma segunda fila no caso de uma negativa. Ele projeta um aumento de três meses na demora a cada semestre. 

Na análise do coordenador do IBDP, Paulo Bacelar, a piora na fila de benefícios vem desde 2018, quando o início do atendimento digital se juntou à aposentadoria de vários servidores públicos do INSS, unindo uma maior demanda a um menor quantitativo de pessoal para análise. 

"Com muitos processos entrando de qualquer meio e com poucos servidores, essa fila aumentou. O que tem sido feito é muito pouco ainda para que essa fila seja reduzida. Essa análise é bem demorada, de 6 a 8 meses cada processo", afirma. 

Uma estratégia recente para diminuir as filas foi a implementação de uma inteligência artificial para a análise de benefícios. Apesar de trazer celeridade ao processo, uma consequência tem sido o indeferimento indevido de segurados. 

"Tem benefícios que são indeferidos automaticamente por constar falhas na data de saída. O BPC quando tem qualquer vínculo de emprego sem data de saída o sistema considera renda e já indefere automaticamente. Aí entra na fila da revisão do recurso ou na justiça", exemplifica Bacelar. 

Mesmo com a situação, Renato reitera que os beneficiários devem insistir caso haja negativa, buscando, de preferência, um profissional da área do direito previdenciário para auxiliar no processo. 

Independentemente das dificuldades e das negativas do INSS, insisto que o segurado faça outros pedidos, não se inconforme com negativas iniciais, tem muitos processos mal analisados. Se você tem uma doença ou comprova que tem uma renda precária, uma hora vai conseguir o benefício"
Renato Soares
Advogado previdenciário

Perspectivas futuras 

O cenário futuro ainda é incerto, dado o momento de transição de gestão entre governos. Em nota, o Ministério da Previdência Social informou que ainda está sendo feito um diagnóstico da situação. 

"Informamos que estamos em transição das gestões. Estudando todos os processos internos para um diagnóstico da situação. Em breve, o Ministério vai propor medidas para reduzir o tempo de espera dos segurados", disse. 

Para Renato, o indicativo de uma abertura de novos concursos públicos para servidores do INSS é um bom sinal para uma redução no tempo de espera pelos beneficiários. 

"Eu vejo uma perspectiva positiva no sentido que o concurso público foi lançado, porém não é só isso que vai sanar a ausência de profissionais, mas acredito que isso é um começo. Não acredito que a curto prazo seja resolvido, mas é uma perspectiva positiva", coloca. 

Paulo Bacelar também sinaliza que a contratação de novos profissionais é o caminho para que a fila do INSS diminua. Ele se mostra otimista com relação ao novo governo. 

"O governo tem feito um trabalho pelo menos no início de juntar profissionais que tenham conhecimento da área, formando equipes de consultoria para que essa equipe tenha uma solução melhor. Vejo como uma melhora, já é um bom caminho. O resto é aguardar a contratação de novos servidores, esperamos que tenham mais concursos ao longo do ano de 2023", percebe.