Fila do Bolsa Família reduz 96% no Ceará, e número de famílias atendidas salta para 1,4 milhão

Foram incluídas no programa 24,5 mil famílias cearenses em julho

O número de famílias na fila de espera para receber Bolsa Família no Ceará caiu 96,23% em julho, na comparação com igual período do ano passado. Atualmente, 1.351 famílias estão pré-habilitadas para receber o benefício e aguardando a concessão. Em julho do ano passado, o número era de 35,8 mil. Os números são do Ministério da Cidadania.

A redução no Ceará acompanha o movimento nacional. O número de famílias aguardando o Bolsa Família em todo o Brasil caiu 78,20% se comparado com o ano passado. No Nordeste, a queda foi de 94,11%.

A quantidade de famílias esperando para receber o Bolsa Família em julho é a menor de 2024. O número tem comportamento bastante volátil, com mudanças bruscas em curto período tempo. 

De março a junho, o número de famílias cearenses na fila de espera era superior a 10 mil, chegando ao pico do sexto mês, quando 18.421 aguardavam a concessão do benefício. 

Show more

RECORDE DE INCLUSÕES

Julho teve o recorde de inclusões do programa em um único mês neste ano: mais de 500 mil novas famílias passaram a receber o benefício. No Ceará, foram 24.527 mil novas famílias beneficiárias. O benefício abrange agora 1.462.626 famílias cearenses, com investimento de R$ 989,2 milhões ao mês.

João Mário de França, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC) afirma que a oscilação do número mostra que a realidade de zerar a fila de espera do programa pode estar distante.

“Apesar do esforço do governo nesse sentido, esse número vem oscilando mês a mês porque fica muito na dependência de famílias que estão na fila entrarem no lugar de outras famílias que não estão mais aptas a receber ou se o orçamento do Bolsa Família for elevado”, comenta. 

O especialista pontua que a região Nordeste necessita de uma atenção diferenciada na articulação de polícias de combate à vulnerabilidade econômica, já que concentra quase 60% da população brasileira na situação de extrema pobreza. 

“As evidências mostram que a volatilidade dos indicadores de pobreza resultante de choques econômicos induz taxas de pobreza mais elevadas consistentemente”, explica. 

COMO FUNCIONA A FILA DO BOLSA FAMÍLIA?

O Bolsa Família, maior programa de transferência de renda do Brasil, é voltado para famílias com renda de cada membro de no máximo R$ 218. É preciso estar inscrito no Cadastro Único, com dados corretos e atualizados. Em julho, o programa chegou a 20,8 milhões de famílias atendidas, com transferência de R$ 14,2 bilhões

O fluxo de entrada no programa ocorre em quatro etapas, do cadastramento da família até a pré-habilitação. A concessão definitiva para as famílias pré-habilitadas ocorre conforme a disponibilidade orçamentária.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pela gestão do programa, as condições de recebimento do benefício são revisitadas mensalmente, impactando no não ingresso ou na suspensão do benefício para famílias com dados inconsistentes. 

São consideradas prioritárias para entrar no programa famílias indígenas, quilombolas, com crianças resgatadas de situação de trabalho infantil, com integrantes que viviam em situação análoga a de trabalho escravo e com pessoas catadoras de material reciclável.

Fora das prioridades, as famílias são ordenadas sucessivamente pelos critérios de menor renda familiar mensal por pessoa, maior número de crianças e/ou adolescentes e maior tempo de habilitação ininterruptamente. 

Vitor Hugo Miro, professor do Laboratório de Estudos da Pobreza da UFC, destaca que o cadastramento das famílias no benefício depende da capacidade administrativa das gestões municipais e estaduais de processamento e verificação das inscrições. 

“O orçamento do programa é definido ao nível federal, mas as necessidades podem variar substancialmente entre estados e municípios. Estados como o Ceará, que apresentam um número significativo de famílias em situação de pobreza, podem enfrentar desafios adicionais para atender a todas as demandas locais dentro dos limites do orçamento federal”, explica.

O especialista ressalta que o foco do programa deve ser melhorar a capacidade de processamento e avaliação dos dados cadastrais, para detectar possíveis irregularidades e otimizar recursos. 

“Precisamos promover um monitoramento contínuo para detectar possíveis fraudes, integrar as bases e dados de diferentes órgãos governamentais e de diferentes níveis de governo. A redução ou o fim das filas serão uma consequência desses investimentos”, comenta. 

A Secretaria de Proteção Social do Ceará afirmou, em nota, que o Estado não tem problemas com o acesso ao Cadastro Único.

“Estamos sempre realizando capacitação e assessorando aos representantes dos municípios para que possam atender com eficiência e cadastrar todas as famílias no perfil do Cadastro Único. O CadÚnico não só realiza o cadastro das famílias no perfil de quem procura, mas também faz busca ativa destas famílias”, afirma.

ORÇAMENTO DO BOLSA FAMÍLIA É O MAIOR DA HISTÓRIA

O orçamento destinado ao Bolsa Família em 2024 é de R$ 168,6 bilhões, o maior desde a criação do programa. A verba é mais que o dobro do total utilizado no programa em 2023, R$ 70,8 bilhões. 

O benefício foi relançado no ano passado, com pagamento de R$ 600 por família e adicional de R$ 150 por criança de até seis anos ou R$ 50 por gestante e criança e adolescente entre 7 e 18 anos.

A média de R$ 14,05 bilhões por mês, entretanto, vem sendo ultrapassada. Nos primeiros meses deste ano, o programa transferiu em média R$ 14,3 bilhões. Para reduzir custos, o governo realiza um 'pente-fino' para cancelar o benefício de famílias que não se enquadrem nas regras.

Desde julho do ano passado, há integração dos dados do Bolsa Família com o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), que permite a conferência dos ganhos de salários e benefícios previdenciários.

A ação integra um programa de revisão de gastos do governo federal, alvo de pressão para cumprir a meta fiscal. Segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, o governo 'economizou' R$ 12 bilhões com o ajuste feito no cadastro do Bolsa Família. A pasta se comprometeu a não cortar gastos direcionados a programas sociais, como o Bolsa Família. 

João Mário de França aponta que o contingenciamento de gastos é fundamental para preservar a credibilidade das metas fixadas no arcabouço fiscal, mas que o Bolsa Família deve ter o orçamento pelo menos mantido devido à importância já comprovada. 

“Diante desse cenário de incerteza fiscal, é extremamente relevante que o governo federal priorize avaliar e revisar gastos ineficientes, como, por exemplo, benefícios tributários e políticas públicas que não entregam resultados esperados, mas preservando despesas com alto impacto social”, avalia. 

A necessidade de manter os investimentos no programa é reiterada por Vitor Hugo Miro, que aponta que o aumento do valor do benefício trouxe uma melhoria de vida significativa.

“Embora este valor não seja suficiente para erradicar a extrema pobreza e retirar muitas famílias da situação de maior vulnerabilidade, temos uma redução da intensidade e da severidade da insuficiência de renda”, aponta.

O pesquisador comenta que, nos últimos dois anos, estatísticas mostram que quase 600 mil pessoas deixaram a situação de extrema pobreza no Ceará. A otimização do fluxo de credenciamento de beneficiários é fundamental para que as famílias realmente vulneráveis tenham acesso à renda. 

O prejuízo das filas de espera para um benefício dessa natureza fica limitado à imposição de um maior tempo de restrição orçamentária para famílias que realmente precisam, o que aumenta a vulnerabilidade. Infelizmente, isso é um resultado inevitável dos processos que podem gerar ganhos de eficiência e focalização do programa".
Vitor Hugo Miro
Coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza da UFC