A pandemia de Covid-19 transformou e acelerou o processo de mudanças do mercado de trabalho como um todo. Profissionais de quase todos os setores tiveram de se adaptar ao home office em meio ao isolamento social. Se por um lado funcionários já experientes tiveram dificuldades no início, a integração de estagiários necessitou de maior atenção.
A situação foi ainda mais complicada para aqueles estudantes que tiveram a experiência do primeiro estágio durante a pandemia. Embora ainda não se saiba exatamente as consequências para o aprendizado, o trabalho dos gestores é fundamental para uma boa integração.
É o caso da estudante de Arquitetura e Urbanismo Gabriela Oliveira, de 20 anos. Ela relata que foram quase oito meses com contatos quase que exclusivamente pelo meio virtual com os chefes e colegas de trabalho.
Somente no mês de fevereiro deste ano, com a melhora do quadro epidemiológico da doença, a estudante, que está atualmente no sexto semestre da faculdade, pôde exercer as atividades do estágio de forma presencial.
Em adaptação
Embora mais cômodo, o home office, de acordo com Gabriela, foi difícil, especialmente por esta ser sua primeira experiência profissional. “A comunicação era um problema, porque não tinha um acompanhamento imediato, algumas coisas fui me virando para resolver”, diz.
Agora que estou no presencial é outra coisa, eu evoluí bem mais, aprendi coisas novas que vou precisar no meu dia a dia como profissional que eu não fazia ideia antes. Eu sabia o básico, mas não o suficiente para me desenrolar”
Gabriela conta também que ainda está se adaptando à nova rotina, mas que não tem atrapalhado os estudos. “Trabalho à tarde e vou para a faculdade à noite, assim fico com a manhã livre para fazer as outras atividades”.
Comunicação ainda é problema
A experiência da estudante de Direito Laís Carvalho, de 22 anos, foi diferente. No primeiro estágio, contratada ainda antes da pandemia, ela passou cinco meses trabalhando de forma presencial durante o ano de 2020. Quando em 2021 um novo lockdown foi decretado, Laís voltou ao home office e ficou no modelo até sair, em setembro.
Eu gostava do home office, mas sentia falta do presencial, porque não tinha a mesma comunicação, sentia falta da experiência com as pessoas. Mas era mais fácil porque já conhecia as pessoas e o modelo de trabalho”
Hoje, a estudante está no segundo estágio e, desde que assinou o novo contrato, está em home office e sem previsão para uma retomada. “Nesse novo local ainda fico receosa com a comunicação, porque não conheço ninguém pessoalmente”, diz.
Logo quando entrou, Laís relata que passou por um treinamento com os funcionários efetivados para saber o que fazer e como fazer. Além disso, o meio de comunicação principal entre os profissionais virou o WhatsApp.
Impactos da pandemia
O gerente da regional Nordeste do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), Alessandro Attina, explica que os impactos da pandemia para o mercado de trabalho se estendem aos estágios. Contudo, a situação para estudantes é mais delicada por se tratar de uma experiência importante para o desenvolvimento profissional.
Attina pontua que, logo no início quando o isolamento social foi decretado, as empresas acabaram por desligar em massa os estagiários, já que não sabiam ainda como se daria o desenrolar da pandemia. De 2019 para 2020, por exemplo, o número de contratações de estudantes foi 26,4% menor no Ceará, conforme o Ciee.
"Houve esse desligamento em massa, mas a coisa foi avançando e se viu que era possível trabalhar no home office, então rapidamente as empresas ou retomaram as contratações ou mantiveram as que já existiam migrando para o modo remoto”.
Apesar disso, o gerente explica que algumas funções tiveram de ser adaptadas, já que as atividades mais técnicas não tiveram como continuar. “Muitos estagiários acabaram sendo realocados para funções administrativas, foi se revendo as questões das atividades dentro do escopo de cada estágio”.
No entanto, essas flexibilidades de horário, principalmente, precisam ser analisadas pela empresa de modo a garantir os direitos tanto do empregador quanto o do estagiário, uma vez que a atual Lei do Estágio não dispõe sobre os casos de home office, conforme o presidente do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT/SINE), Vladyson Viana.
"A legislação ainda é omissa sobre o teletrabalho, ainda há essa lacuna, por isso, é importante que os legisladores possam observar que isso, hoje, é uma realidade e que possam a partir daí estabelecer esses novos modelos de trabalho e de estágio. O que as empresas podem fazer são adaptações”, reflete.
Consequências ao aprendizado
De acordo com Viana, a pandemia foi um catalisador para todo o processo, não só de teletrabalho, mas também de educação a distância. Em meio a tantas adaptações, Viana destaca o papel do supervisor de estágio para que os impactos ao estudante não sejam negativos.
"Se for uma supervisão distante que não compartilha sua experiência, as atividades, não orienta seu supervisionado e não demanda, com certeza aquela experiência que o estudante teria no ambiente de trabalho é perdida. Mas se é uma empresa que estabelece uma rotina, define metas, protocolos, certamente será diferente”.
Viana toma como exemplo uma empresa de call center, para qual o IDT prestou intermediação de recursos humanos, que, hoje, atua praticamente só com home office. De acordo com ele, a empresa fez uma preparação para oferecer treinamentos e sistemas automatizados para controlar e monitorar as metas, a carga horária e as atividades.
"As empresas têm adotado vários modelos pra que possam acompanhar e monitorar o desempenho, além de ter sistemas de avaliações desses estagiários. Treinamento é uma parte fundamental desse processo, ter protocolos também”, afirma.
Além disso, o presidente do IDT acrescenta que o estudante também deve auxiliar o processo, fazendo uma boa organização de rotina, demonstrando ainda proatividade e vontade de aprender. “O home office é um desafio, mas também tem muitos benefícios pois proporciona maior flexibilidade nas rotinas”.
Essa flexibilidade, inclusive, é apontada por Attina como uma possibilidade do jovem se aprofundar mais em conhecimentos, por meio de cursos online, leitura de livros e outros materiais concernentes à capacitação.
Home office veio para ficar?
Com as liberações da economia e a melhora do quadro da pandemia, as retomadas presenciais começam a ser realidade, contudo, algumas empresas devem adotar o modelo remoto ou híbrido como permanente no dia a dia. Para o presidente do IDT, as necessidades de cada negócio é que vão ditar a modalidade de trabalho.
"A pandemia deu uma celeridade a esse processo que já vinha acontecendo, por isso acredito que é um caminho sem volta e vai ser cada vez mais presente nas nossas vidas. Obviamente, nem tudo pode ser feito pelo teletrabalho, então acredito que as empresas devem adotar um modelo híbrido em que parte se dará de forma presencial e parte dele no home office”, diz.
A visão do gerente do Ciee é a mesma, mas Attina pontua ainda ser cedo para emitir uma opinião concreta. “Do ponto de vista do negócio, vai depender muito do segmento. Eu acredito que vão ter segmentos que o presencial ainda seja a melhor forma de se trabalhar, outras empresas continuam no home office”.