O ambiente empresarial ainda é preponderantemente masculino, mas Emília Buarque não se sente intimidada apesar de reconhecer as adversidades impostas por essa desproporção.
Presidente do grupo multissetorial, independente e apartidário Lide Ceará, ela acredita que é preciso apoiar cada vez mais as mulheres para que façam parte de vários espaços da sociedade.
"Eu não era adepta de cotas e acho que existe uma distorção nesse processo, mas considerando que nós precisamos ampliar a cultura da participação feminina, é uma opção para esse momento", pontua Emília Buarque.
A presidente do Lide Ceará é entrevistada pelo Diário do Nordeste em mais uma edição do Projeto Elas, iniciativa do Sistema Verdes Mares que busca informar, discutir e instigar a reflexão sobre o lugar da mulher na sociedade.
"Inclusive na área em que atuo, que é a empresarial, a participação de mulheres em conselhos de administração implica, inclusive, em resultados positivos para as empresas. Por isso eu defendo as cotas como uma boa prática da governança corporativa", frisa a presidente do Lide Ceará.
VEJA A ENTREVISTA COMPLETA:
Emília, primeiramente eu gostaria que você falasse um pouco mais sobre a sua trajetória, sua formação. Quais foram os caminhos que te levaram ao momento profissional em que você está hoje?
Eu venho de uma família matriarcal. Minha avó era uma pessoa muito fluente no meio social dela, poliglota, então eu a tenho como uma referência forte em minha vida. E venho de uma família com essa característica do empreendedorismo muito forte, tanto que meu pai me emancipou quando eu tinha 16 anos para que eu tivesse o meu primeiro negócio.
Eu sou formada em Turismo pela Universidade de Fortaleza, tenho especialização em Gestão Política Empresarial pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e logo cedo participei como coordenadora-geral, que é como o cargo de presidente, mas nós não chamamos assim, da Associação de Jovens Empresários (AJE), em 2003.
Posteriormente fui convidada a ser vice-presidente do Centro Industrial do Ceará (CIC), que é o braço político da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec). Eu passei por duas gestões no CIC.
Paralelamente a isso eu tinha a minha atividade empresarial. Depois dessa atuação (nas entidades) eu decidi que queria um tempo para cuidar dos negócios e da minha família. Em algum tempo depois eu engravidei. Eu não queria dar continuidade a essa participação, digamos assim, classista, em movimentos da sociedade, até que eu fui indicada a assumir a presidência do Lide aqui no Ceará.
Passei um ano e meio tentando adiar esse projeto pensando que seria mais uma entidade de classe, que não agregaria muito para mim e para o Ceará. Até que, para não ficar deselegante, resolvi conhecer.
E eu me surpreendi muito, pois vi que não se tratava de uma estrutura de entidade pesada, fechada e que tinha algo muito produtivo na organização, no sentido de fomentar o networking entre os empresários, não só cearenses, mas em uma rede de conexão nacional e internacional, e sobretudo porque discutia pautas importantes e eu sempre me movi por isso: pautas importantes sobre o País.
O nosso olhar é muito voltado para o ambiente nacional, trazendo essa leitura para o local, e de pensar no desenvolvimento econômico relacionado diretamente com o social e o ambiental. Isso me motivou a assumir a presidência do Lide.
Eu até disse no último evento do Lide que não cabe mais ao empresário esse discurso de que a principal função social da empresa é gerar empregos. É, de fato, uma função muito importante, mas hoje, principalmente após a pandemia, o empresário se apropriou da responsabilidade de fazer algo sobre as desigualdades, sobre o meio ambiente.
Essa é a pauta que nós tentamos construir, sempre defendendo a livre iniciativa e um ambiente para um Brasil melhor.
Meu principal objetivo hoje é discutir essa pauta do empresariado sempre defendendo a participação macro, olhando as oportunidades de negócios que surgem, mas sempre alinhados com o pensamento de um Brasil melhor para transformar o nosso País em um ambiente promissor para os nossos filhos.
Aproveitando que você falou sobre o Lide, eu gostaria de perguntar como a entidade trabalha o estímulo à participação das mulheres dentro do ambiente empresarial e em cargos de liderança?
Nós fazemos um trabalho de estímulo à participação das mulheres dentro do Lide como um todo. Nos encontros, nas mesas principais, procuramos sempre ter uma ou duas mulheres para que eu não seja a única mulher participando da mesa principal, apesar de nos nossos eventos nós não termos muita formalidade.
A nossa conversa é direta, é rápida, é pragmática. Queremos discutir o quê de concreto pode ser feito para a nossa cidade, para o nosso País e para os nossos negócios, mas reunimos vez ou outra só mulheres para alguma discussão importante.
Recentemente nós fizemos um encontro com a Águeda Muniz, que também é membro do Lide. Eu acredito que estamos vivendo um momento de inflexão da valorização da mulher, da diversidade. Eu não sou adepta a essa segregação de olhar para causas e setores da sociedade como se tivéssemos tratando de minorias, mas eu acredito que somos parte do todo.
Avalio que nós precisamos nos apropriar disso e evidenciar vocações, os valores e as virtudes que são características do ideário feminino. É um caminho, desde que seja para compor com outras comunidades.
Eu acho que nós temos que compor com outras comunidades, gosto de pensar no papel da mulher sob o aspecto de funções, de vocações e do que nós podemos exercer na sociedade e que implica em transformação concreta.
No começo da nossa conversa você mencionou essa veia empreendedora, muito ligada à família, e falou do momento em que você parou para a gestação. Como foi pausar uma vida profissional tão frenética, como você lidou com isso e concilia essas facetas? Em que medida elas se conectam?
Eu tive a oportunidade - sei que isso não é possível para todas as mulheres - mas eu quis viver esse momento da maternidade de forma integral.
Então eu realmente dei uma parada, não foi por muito tempo, mas eu quis viver isso porque eu dou muita importância à formação familiar. Vejo que isso influenciou a minha vida.
Quiséramos nós que todas as mães pudessem dar esse tempo e essa formação para as meninas, principalmente, para que elas se sintam mais seguras, mais prontas para enfrentar esse mundo tão adverso que nós vivemos, então eu dei essa parada e logo voltei.
E acredito que nessas paradas nós acabamos aprendendo a delegar, entendemos que não somos únicos e que podemos contar com outras pessoas dentro da empresa e dos outros ambientes.
É muito importante entender que somos parte do todo, mas que nós não somos o todo.
Nas outras unidades do Lide no Brasil e no mundo nós temos presidentes mulheres?
Não são a maioria, mas temos. Eu lembro aqui rapidamente de umas quatro no Brasil e no exterior temos uma CEO, do Lide Alemanha. No Nordeste sou só eu. Todas as escolhas são por mérito.
Ao longo da nossa conversa você falou das mulheres da sua família e destacou a sua avó. Gostaria de saber se você pode falar um pouco mais dessa inspiração e se no campo profissional também há mulheres que te inspiraram ou inspiram.
A minha avó escreveu dois livros, uma mulher que criou os filhos de forma independente, sempre valorizou muito a educação.
Minha mãe também é um grande exemplo para mim, falei do meu pai, que me emancipou, mas a minha mãe é uma das pessoas que me trouxe um grande exemplo de solidariedade e generosidade.
A minha mãe é uma pessoa que é capaz, e já fez, de acolher um dependente químico na rua e levar até uma casa de assistência. Então ela sempre participou de movimentos da igreja que tivessem relação com a solidariedade, com o acolhimento.
Falando do campo profissional, o Turismo é um campo muito recente, muito novo. Então eu não te diria alguém que no meu início de carreira tenha me inspirado como mulher empresária ou empreendedora na área, então não tenho uma referência.
Do ponto de vista nacional e mundial, hoje nós temos várias mulheres inspiradoras, a exemplo da Viviane Senna, que é uma pessoa próxima e uma grande inspiração com fundamento do social.
A Vivi é uma pessoa que fala com propriedade. Ela foi catapultada a esse papel muito pela fama do irmão, Ayrton Senna, mas ela cresceu como liderança que provoca uma transformação na educação.
Temos a Luiza Helena Trajano, uma grande referência empresarial quando falamos sobre perceber o momento de preparar a sucessão com o filho. Ela traz um diálogo de fortalecimento das mulheres, principalmente de fortalecimento das mulheres comprometidas com o País.
Olhando para o cenário mundial, temos a Angela Merkel, chanceler alemã, temos a primeira-ministra neozelandeza, Jacinda Ardern, que teve um papel de muito destaque durante a pandemia.
Também destaco a Vanessa Nakate, de Uganda, com 24 anos, que participou da COP 26. Ela fez cartazes na cidade em que morava junto com os irmãos defendendo a preocupação com o clima e com o meio ambiente e se tornou uma ativista.
Eu tenho lido sobre ela e acho que é uma grande referência. Também temos a Malala, que foi Nobel em 2014.
Aqui no Ceará temos a Izolda Cela, vice-governadora. Temos a Dora Andrade, que é uma transformadora social. Eu me inspiro nesse universo diverso das mulheres.
Também nas artes tivemos mulheres que trouxeram questões importantes, como Lígia Clark, Tarsila do Amaral. Gosto de navegar por várias áreas quando falo de inspirações, não apenas na área empresarial.
Enquanto presidente do Lide, você já sentiu alguma adversidade por ser mulher dentro desse ambiente preponderantemente masculino?
Obviamente existe, mas como eu tenho muita autoconfiança - e volto a dizer, acho que essa questão da mulher está muito ligada à formação, por isso é tão importante valorizar a educação e o ambiente familiar -, eu nunca me senti intimidada ou retraída, mesmo estando isolada muitas vezes.
Eu costumo até dizer aquela frase: “não achando que era impossível, foi lá e fez”. Então essa é uma frase que eu tenho como referência, portanto nunca dei muita importância para isso.
Mas eu acho, sim, que temos que apoiar mais as mulheres para que façam parte desse processo. Eu não era tão adepta de cotas e acho que existe uma distorção no processo de cotas, mas considerando que nós precisamos realmente ampliar essa cultura da participação feminina, é uma opção para esse momento.
Inclusive na área em que atuo, que é a empresarial, a participação de mulheres em conselhos de administração implica, inclusive, em resultados positivos para as empresas. Por isso eu defendo as cotas como uma boa prática da governança corporativa.
Acredito que tudo isso que aconteceu e que está em processo de transformação se deve muito menos à vontade das mulheres de participarem e muito mais pela falta de confiança dos homens em si mesmos.
Essa cultura da potência masculina que hoje vem sendo substituída por essa necessidade de equidade entre homens e mulheres foi de alguma forma, por muito tempo, a barreira para que as mulheres pudessem avançar mais.
Eu tenho certeza que as mulheres, a maioria, sempre desejaram participar mais do ambiente familiar, empresarial, político, do ambiente social como um todo, mas a barreira foi realmente imposta pelos homens. Agora muitos, não todos, mas muitos estão observando como é importante essa complementaridade entre o masculino e feminino.
Você possui mais de cinco anos à frente do Lide. Gostaria de saber quais iniciativas e conquistas suas mais te orgulham dentro da entidade ao longo desses anos.
O Ceará, apesar de sabermos que temos grandes empresas e grandes empreendedores, fica de fora muitas vezes da discussão do cenário nacional, então, quando eu assumi, o meu principal objetivo era colocar o Ceará - e não somente as quatro maiores empresas que todo mundo conhece - nesses grandes fóruns nacionais.
Acho que a primeira grande conquista foi de trazer a discussão nacional para o Ceará, porque hoje trazemos grandes nomes da economia, do mundo empresarial, de governos, da sociedade, para cá.
E não havia esse fluxo tão intenso antes. Quando essas pessoas vinham era para uma palestra paga, enfim.
Então acho que a principal conquista é incluir o Ceará nessa discussão e nesse cenário dos grandes negócios nacionais.
Outro aspecto que fala muito do momento presente é de como nós fomos disruptivos na pandemia. Nós conseguimos agregar muito ao trazer em tempo real um conteúdo necessário e útil sobre Ciência, sobre Economia e sobre o que acontecia no Brasil em termos de desenvolvimento econômico e social, sobre as oportunidades, negócios, empresas e como elas enfrentariam a pandemia.
Fomos um grande fórum de discussão em tempo real do que precisava ser esclarecido no Ceará do ponto de vista do que estava acontecendo nacionalmente e mundialmente.
O terceiro aspecto, que eu julgo muito importante e que inclusive é uma bandeira que o Lide global assumiu em 2021, é trazermos essa discussão do ESG (Ambiental, Social e Governança), não como uma sigla distante e que é tratada somente pelas grandes empresas, mas o ESG na prática, como nós podemos crescer investindo no econômico, no social e no ambiental, porque nós acreditamos que é assim que nós vamos transformar o País: com esses três elos.
Propagar a prática do ESG dentro do ambiente empresarial do Ceará é algo que você assume como missão para os próximos anos enquanto presidente do Lide?
Sem dúvidas. E vejo que deve ser inclusive a meta de todos os empresários que pensam em um futuro sustentável.
Eu vou te dizer uma frase que a Vanessa Nakate disse que tem a ver com a nossa entrevista e com o que estamos vivendo no mundo: nenhuma voz é pequena demais para fazer a diferença e nenhuma ação é pequena demais para transformar uma sociedade.