De home office, cearenses buscam oportunidades de emprego em outros estados

O trabalho a distância possibilita aos profissionais aproveitar oportunidades com melhores condições e remuneração sem necessidade de mudança

Entre as décadas de 1950 e 1970, auge da industrialização brasileira, era comum que nordestinos migrassem para o centro-sul do país em busca de melhores condições de trabalho. Hoje, com o home office, uma migração parecida ocorre, mas sem a necessidade de sair de casa. 

A pandemia trouxe para o mercado de trabalho uma normalização do regime remoto, o que possibilita aos trabalhadores trabalhar de casa – seja ela onde for. Tem se tornado mais comuns processos seletivos que selecionam pessoas de qualquer lugar do país. 

No conforto de casa, cearenses buscam experiências profissionais em empresas de outros estados, aproveitando melhores condições de trabalho, mercados mais desenvolvidos e, na maioria das vezes, maiores salários. 

A diretora de operações da consultoria LHH no Nordeste, Mariângela Schoenacker, afirma que essa é uma tendência. Segundo ela, as empresas locais vão precisar desenvolver mecanismos de retenção para não perder funcionários para a concorrência que chega a ser global. 

Para os trabalhadores, networking e construção de um perfil profissional nas redes sociais podem ajudar quem quer desbravar novos mercados. 

Prioridade ao home office 

A analista de mídia online Jéssica Machado, de 29 anos, teve sua primeira experiência na área já para uma empresa de São Paulo, como estagiária. Após a formatura, ela chegou a trabalhar para uma agência de Fortaleza, mas acabou mudando para outra empresa do Rio de Janeiro. 

Para ela, independentemente de onde for sediada a empresa, o mais importante é que ela possa manter o regime de home office. 

“O trabalho home office me encantou bastante. Sei que tem muitos problemas, mas eu prefiro em vez de trabalhar presencial, de ter que pegar transporte. Quando eu entrei na empresa, já confirmei com a minha chefe se eu poderia continuar home office”, conta. 

A profissional conta que percebe que sua área de atuação é bem mais desenvolvida no Sudeste do que no Ceará, o que a permite ter experiências profissionais mais ricas. Outra vantagem é ganhar um salário compatível com uma cidade com um custo de vida maior do que Fortaleza. 

A profissional tem planos de manter Fortaleza como residência no momento, mas não pretende voltar a atuar no mercado local. 

Eu vejo que eu tenho mais oportunidades no mercado de Rio-São Paulo. Eu acredito que profissionalmente, para mim, é mais interessante continuar trabalhando para fora do que no mercado local
Jéssica Machado
analista de mídia online

Mariângela destaca que, diante da prioridade de muitos profissionais ao home office, flexibilidade de jornadas é um diferencial que as empresas têm precisado adotar para reter talentos. 

“As empresas hoje têm que se preocupar mais com o tema flexibilidade, que hoje a sua concorrência na busca de talentos não é só local, pode ser nacional ou global”, chama atenção. 

De acordo com estudo feito pelo Grupo Adeco, 53% dos trabalhadores querem continuar trabalhando a distância após a pandemia.  

“Uma empresa que obriga completamente a ficar presencial perde funcionários mais engajados. As pessoas hoje estão buscando personalização, empatia, cuidado”, alerta. 

Questão salarial 

O desenvolvedor de jogos Luan Frota, de 29 anos, nem sequer chegou a ter um primeiro emprego no mercado local. Sua primeira experiência profissional foi para uma empresa de Recife. 

Enquanto eu ainda estava procurando emprego, apliquei para várias empresas e a maioria delas fora do estado, porque não tinha [mercado no Ceará]. Hoje em dia até que tem mais algumas empresas, mas quando eu estava procurando, não tinham oportunidades na área no Ceará, era muito raro mesmo
Luan Frota
desenvolvedor de jogos

Devido ao mercado cearense ainda ser inicial, ele relata que o salário que ele recebe é superior ao pago pela mesma função no Ceará.  

O profissional afirma que não está em busca de outras oportunidades profissionais no momento, mas que o salário seria um diferencial que poderia levá-lo a trabalhar em empresas do Sudeste ou mesmo voltar para o Ceará. 

“Eu viria para cá se tivesse uma oportunidade tão boa quanto. Não estou muito preocupado com onde fica a empresa, mas sim com o que ela me oferece”, coloca. 

Desenvolvimento de carreira 

A arquiteta Julia Saldanha, de 25 anos, trabalhava em um escritório em Fortaleza há dois anos. O que a fez mudar para uma empresa em São Paulo foi a possibilidade de desenvolver habilidades que não eram tão trabalhadas ainda no Ceará. 

“Eu trabalho com BIM, que é uma metodologia de trabalhar arquitetura. É um tipo de mercado que ainda está se aquecendo no Ceará e alguns processos ainda são iniciais nos escritórios do Ceará, mas isso já está mais evoluído em outros estados, inclusive São Paulo”, explica. 

O emprego, segundo ela, é completamente a distância, apesar de o restante dos funcionários da empresa estarem já trabalhando presencialmente, em São Paulo. Julia afirma que não tem planos de se mudar para São Paulo, nem tampouco voltar a atuar diretamente no mercado de trabalho local. 

Mas, o plano é conseguir de alguma forma desenvolver o mercado cearense com os conhecimentos adquiridos de fora. 

Eu levo muito a sério tentar melhorar o mercado que me deu as minhas primeiras oportunidades. Então em formato de consultoria, implementações, aulas, eu quero trazer esse conhecimento para cá
Julia Saldanha
arquiteta

Adaptação das empresas 

Diante da concorrência, Mariângela ressalta que as empresas precisam buscar formas para não perder trabalhadores. Um ponto que, para ela, é principal, é o cuidado com os funcionários. 

“É importante hoje as empresas cuidarem mais das equipes, porque à medida que as pessoas têm oportunidades e mais informação, facilita que o profissional busque trabalho não só da forma que ele buscava antes. É importante cuidar das equipes para não estimular esse fluxo migratório para outros estados”, diz. 

Para as empresas que já contratam de outros estados, a diretora de operações aponta que o alinhamento de cultura é um desafio, mas que a diversidade de pensamentos e regionalismos tem muito a somar para a produtividade.