Um melão plantado em solo cearense passa por um longo processo até ser comprado em um supermercado na Espanha. Até o destino, ele passa por estradas esburacadas, fiscalizações para adentrar os portos e cruza o oceano em um container climatizado.
As frutas estão entre os principais produtos da exportação cearense. De acordo com dados da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet), esse segmento já movimentou US$ 26.475.157 no primeiro semestre de 2022.
O número representa uma queda de 13,8% em relação a igual período do ano passado, um reflexo de problemas de clima, que reduziram a produtividade, de acordo com o secretário Executivo do Agronegócio da Sedet, Silvio Carlos.
Ele ressalta que os produtores cearenses têm sofrido com o aumento dos custos de frete, mas ainda há demanda externa e interesse em exportar, sobretudo de frutas de maior valor agregado.
Para produtores e especialistas, as cifras de exportação poderiam ser ainda maiores com investimentos que melhorassem a infraestrutura logística do envio das frutas.
O tempo é uma questão central quando se trata do transporte de frutas. Por serem itens perecíveis, qualquer atraso pode ocasionar uma perda total ou parcial da carga, acarretando prejuízos para o produtor.
Com a logística internacional atribulada, ainda em recuperação após o choque da pandemia, e gargalos dentro do próprio estado, atrasos se tornam menos exceção que regra, prejudicando as exportações.
Na segunda reportagem da série "Rotas do Crescimento", o Diário do Nordeste mostra como funciona o transporte de frutas no Ceará e os desafios que os produtores encontram para exportar.
Problemas na logística internacional e aumento nos custos
Quando chegou a pandemia, a logística internacional virou de cabeça para baixo. A necessidade de fechamento de portos para conter a infecção pela Covid-19 ocasionou engarrafamento de navios, dificuldade para a obtenção de containers e, de forma geral, atrasos nas partidas e chegadas.
Conforme o árbitro e advogado especializado no segmento de comércio internacional, transportes e infraestrutura, Larry John Rabb Carvalho, o transporte para o exterior perdeu uma previsibilidade que era fundamental para viabilizar a movimentação de cargas.
Os terminais tinham 80% das janelas de atracação sendo seguidas. E aí a gente entrou em situação que hoje 30% das escalas estão sendo seguidas por conta de congestionamento. Isso afeta de forma direta a logística de frutas, em que todo dia conta".
Essa situação, somada à alta no preço dos combustíveis, trouxe um aumento considerável nos preços cobrados pelo frete. O frete mais caro prejudica sobretudo as frutas, que, por terem baixo valor agregado, não conseguem repassar o aumento de custos integralmente ao consumidor final.
O diretor de logística da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Alexandre Duarte, aponta que isso diminuiu o potencial de competitividade dos produtores brasileiros no mercado internacional.
“Antes da pandemia, um container marítimo com 25 toneladas de melão era US$ 3 mil para sair de Fortaleza para a Europa. Hoje, esse mesmo container custa US$ 8 mil. Porque está faltando container, navio, gente para trabalhar. O custo triplicou. E é um tema de discussão de Brasil, Estados Unidos, Europa”, contextualiza.
Não há previsão de regularização de toda essa situação, pelo menos não ainda neste ano. Para Larry, é questão de tempo.
“Quando a gente fala de problema logístico de navios, tem que lidar muito com oferta e demanda, tem uma oferta limitada de navio e uma demanda crescente. Isso criou um colapso no setor portuário de alguns países, porque deixou eles congestionados com essa alta demanda, não dando vazão à retirada de containers de forma rápida. De outro lado a gente tem o mercado asiático, principalmente China, fechando terminais em uma política de tolerância zero, o que cria um represamento de navio e carga”, diz.
Corrida contra o tempo
Cada minuto conta no transporte de frutas. O atraso de um caminhão no porto, por exemplo, pode levar à perda de um navio que só chegará novamente na semana seguinte.
Da mesma forma, um porto fechado ou engarrafado pode acrescentar dias no trajeto até o consumidor final. Nesse meio tempo, toda a carga pode apodrecer.
“O grande desafio que o mercado tem é justamente esse, por isso que é uma logística tão complicada, que demanda atenção 24 horas. Qualquer omissão de embarque, qualquer container que não embarque, pode gerar o prejuízo de a carga perecer. É uma logística extremamente complicada”, destaca Larry.
Para aumentar a vida útil da fruta, ela é colhida ainda verde. Os containers precisam de refrigeração durante todo o transporte da carga, seja no caminhão ou no navio.
Alexandre Duarte explica que existe um tratamento especial para cada fruta, para atrasar o processo de maturação e evitar desgastes no produto. Caso uma banana seja submetida à temperatura baixa demais, por exemplo, a casca pode ficar queimada, prejudicando a venda posteriormente.
Larry considera que é necessário que haja um funcionamento 24h de órgãos de fiscalização e anuência para azeitar as engrenagens de toda a logística portuária, evitando atrasos na operação.
“Acredito que uma das coisas que poderia melhorar seria tanto a modernização quanto a melhoria em número de homens em órgãos anuentes e funcionamento em 24h com o efetivo necessário. Se você não tem órgãos anuentes funcionando em pleno vapor que permita dar vazão, você termina engargalando”, ressalta.
Avião ou navio
O tempo é importante, mas como as frutas são produtos de baixo valor agregado, os custos falam mais alto na hora de definir qual o melhor modal para o transporte. Por mais que uma viagem de avião seja bem mais rápida que por navio, os custos também são proporcionalmente maiores.
De acordo com Alexandre Duarte, enquanto um container marítimo demora por volta de 9 dias para sair de Fortaleza até a Espanha, um avião chega ao destino final em 6h30. A rapidez pesa no bolso do produtor.
Hoje a média de tarifa saindo de Fortaleza para Europa é US$ 0,40/kg para fruta. Se for um produto não perecível é US$ 0,30/kg. Se você pegar a mesma mercadoria e colocar por avião, é US$ 1,2/kg".
Outra questão que inviabiliza o transporte de frutas por modal aéreo é a capacidade limitada dos aviões. Conforme o diretor de logística da Abrafrutas, enquanto um avião transporta no máximo 10 mil quilos, o navio não tem limite de peso.
Para além disso, a logística de voos é mais concorrida, dada a menor disponibilidade de voos de carga saindo de Fortaleza para Europa. Por conta disso, o modal é priorizado para frutas sensíveis demais para o transporte marítimo e ou que tenham maior valor agregado.
“O mamão é muito sensível, se demora 10 dias tem muita chance de chegar com um ponto de maturação elevado e não consiga vender. É muito mais caro, porém você faz chegar”, exemplifica.
Larry John acrescenta que alguns países estão dispostos a pagar mais caro para receberem as frutas mais frescas, mas isso acontece mais raramente.
“Existem algumas coisas, mas é muito pontual, são vendas para o mercado do Oriente Médio, empresas ou pessoas que querem frutas bem específicas e querem o mais fresca possível, então estão expostas a pagar o preço. O mercado do Oriente Médio está muito disposto a pagar isso”, coloca.
Não à toa o Ceará vem investindo na produção de frutas com maior valor agregado, como é o caso da pitaya e do cacau.
Escolha do porto
A escolha do porto utilizado para o envio de cargas depende da disponibilidade semanal de navios que passem pelo país. Para além dos portos do Mucuripe e do Pecém, produtores cearenses podem utilizar outros portos do Nordeste, em Natal ou Salvador, de acordo com a disponibilidade e preço.
Para o diretor da Tropical Nordeste, Edson Brok, diante do momento atual de alta nos fretes, o preço é quem fala mais alto no momento de escolher por onde despachar as cargas. A empresa exporta banana nanica semanalmente para Espanha e Inglaterra.
Um porto é mais burocrático que outro, mas se for mais barato a gente releva. Eu não pagaria mais caro para embarcar no Pecém jamais. Eu acho que Pecém é mais moderno, mas se a própria estrada de acesso já é um horror, só aí já acho o Mucuripe melhor".
A empresa produz banana diariamente na fazenda em Limoeiro do Norte, no interior do Ceará. Parte da carga embarca no estado e parte pode ser levada para Natal para embarcar em uma segunda escala que o navio faça antes de partir para Europa.
Mais que os custos, Brok destaca que o tempo de trajeto também é fundamental para a escolha do porto.
“O Pecém e o Mucuripe, como são vocacionados para containers frigoríficos e tem posição estratégica. Se saio de Mucuripe [para Europa] demora 12 dias, se saio de Salvador demora 15. Quanto custam esses 3 dias?”, aponta.
O sócio da Agrícola Famosa, Luiz Roberto Barcelos, conta que no período de safra, entre agosto e abril, a empresa envia carga em dois navios semanais. Segundo ele, ainda não foi fechado qual porto será escolhido para este ano, já que no ano passado houve prejuízos em razão de atrasos.
“Até a safra passada a gente priorizou Pecém, nossos maiores volumes saíram de Pecém. A gente ainda está na negociação da próxima safra, a gente não sabe. Possivelmente a gente tem alguma diminuição, porque foi muito ruim esse ano com os atrasos de navio. Foram safras difíceis as últimas duas”, lamenta.
Do campo ao porto
Antes da chegada do navio que irá de fato levar as frutas cearenses ao resto do mundo, chegam ao porto containers vazios. Esses containers vão em caminhões até as fazendas e voltam pelo mesmo modal já preenchidos para o porto.
Para garantir a durabilidade das frutas, elas precisam ser transportadas até o porto em containers refrigerados. O trajeto da fazenda até o porto costuma ser complicado devido a problemas nas estradas.
“Demora entre 8 a 10 horas para chegar da fazenda ao porto, a estrada é horrível, não tem como andar. A estrada da BR-116 está horrível. Se fosse duplicada, seria no máximo 5 ou 6 horas”, reclama Edson Brok.
Ele considera que o trecho de ligação entre os portos não tem boas condições de navegabilidade, o que atrasa a viagem em horas.
Segundo o empresário, o tempo em que se percorrem os 20 quilômetros entre a BR-222 e o porto do Pecém é quase o mesmo que se leva de Limoeiro do Norte até lá.
“Você pode andar 80 km em 2 ou 3 horas, quando você não deveria demorar mais que 1h30. Hoje está ruim tudo, tanto a estrada da BR, anel viário e extensão do porto do Pecém e BR-222”, critica.
Luiz Barcellos também considera que o acesso rodoviário aos portos prejudica o trabalho dos produtores de frutas no estado.
“A gente hoje tem sofrido com os acessos ao porto, tem muitos buracos. Isso tem sido uma dificuldade que a gente tem tido”, aponta.
Do porto ao mundo
Os portos funcionam em janelas de atracação, de acordo com escalas. Um navio costuma ficar entre 12 e 24 horas parado no porto para a operação e, depois disso, talvez só volte na semana seguinte.
Para evitar atrasos, é comum que as cargas cheguem ao porto antes mesmo do navio atracar. Os containers podem ficar de 1 a 3 dias esperando, ligados em tomadas para não perderem a refrigeração.
O diretor comercial da Companhia Docas Ceará, Mário Jorge Cavalcante, explica que as cargas que chegam ao porto passam por fiscalizações por parte do Ministério da Agricultura e da Receita Federal.
Os órgãos fiscalizam de acordo com a normativa deles, eles dizem os limites, os volumes. Depois de fiscalizado e liberado por esses dois órgãos, o container está liberado. Quando o navio chega, os operadores providenciam o carregamento".
Segundo ele, o porto do Mucuripe recebe um navio para envio por frutas por semana no período de entressafra e dois no período de safra, de agosto a janeiro. Ao todo, cada navio suporta entre 200 e 300 containers.
As frutas que saem do Ceará vão principalmente para os portos de Roterdã, na Holanda, Algeciras, na Espanha, e Antuérpia, na Bélgica. Esse trajeto pode demorar entre 9 e 12 dias.
Só chegando no porto de destino é que as frutas retiradas da refrigeração e submetidas a etileno, para que o processo de amadurecimento se inicie. Então, já maduras, elas são distribuídas nos países.
Investimento em infraestrutura
Para especialistas e empresários, a exportação de frutas cearenses poderia ser alavancada com maior investimento em infraestrutura, seja portuária ou rodoviária.
Alexandre Duarte considera que precisa haver uma descentralização dos modais logísticos no Brasil para além do eixo Rio-São Paulo, mas que isso também depende de um desenvolvimento econômico dos estados.
Do que adianta um avião ou navio sair da China e vir para o Ceará vazio? Ele não pode vir vazio, tem que vir com produto. O que viabiliza a ida e a volta é a carga que tem para vir e voltar. As companhias aéreas e marítimas pensam o que vão levar para o porto do Ceará. Como tem pouca demanda, levam para São Paulo".
Segundo ele, pouco evoluiu em termos de logística no Brasil nos últimos 20 anos, e o Ceará é apenas uma peça desse quebra-cabeça. Ele considera que falta investimento e controle governamental para que a situação melhore.
“Tem pouco investimento em portos e aeroportos para melhorar a logística brasileira. Não adianta vender e não conseguir exportar. Nós temos solicitações de gente em Israel, Catar. Mas você vai chegar lá como, a que preço?”, critica.
Edson Brok também aponta que é necessária uma renovação da infraestrutura presente no estado.
“A infraestrutura não pode depender de crescimento, tem que ser feito antes do crescimento. Aqui infelizmente não temos uma coisa nem outra. Toda infraestrutura já está ultrapassada. Ela precisa de manutenção e versatilidade”, diz.
Nesta terça-feira (2/8), a série "Rotas do Crescimento" vai falar sobre os problemas que as empresas fabricantes de componentes das torres eólicas enfrentam no modal rodoviário no Ceará.