O cumprimento do teto de gastos e avanço no ajuste fiscal são fatores determinantes para a recuperação econômica do Brasil, aponta a economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. Ele participou de um workshop virtual promovido pelo Banco do Nordeste na manhã desta quinta-feira (22) sobre perspectivas econômicas para este ano.
Almeida lembra que, antes mesmo da pandemia de Covid-19, o Brasil já tinha um sério problema de ajuste fiscal, resultado da interrupção do ritmo de crescimento em 2010 e da crise de 2014, quando a dívida pública saltou de 51% do PIB em 2013 para os atuais 90%.
"A dívida pública começou a crescer, chegando a 90% do PIB, um patamar muto alto para um país emergente. A dívida média dos países em desenvolvimento é 60%. Além do endividamento alto, estamos com déficit primário e temos uma carga tributária muito alta para um país emergente", detalha.
Diante desse cenário, o ex-secretário do Tesouro indica que os principais desafios do Brasil para os próximos anos são relativos à economia fiscal: tentar transformar o déficit em superávit e estabilizar a dívida pública para que, depois, ela possa começar a cair.
"Isso é importante, porque parte dos nossos problemas e riscos estão ligados a questão fiscal. O câmbio, por exemplo, tem tido uma flutuação excessiva. Hoje, está no patamar de R$ 5,50, mas chegou a bater R$ 5,80 por causa da incerteza fiscal", explica.
Conforme Almeida, a restrição externa que o Brasil sofreu até os anos 2000 por conta da falta de saldo suficiente para pagar a dívida externa não acontece mais. O País está com uma entrada boa e estável de dólar e, ainda assim, o câmbio continua alto.
"Como podemos ter excesso de dólar entrando e câmbio continuar desvalorizado? Por causa do risco fiscal. As pessoas olham para frente e não veem garantia que o País irá cumprir as contas"
Aumento da produtividade
Outra condicionante para o crescimento econômico é o aumento da produtividade, que está ligada diretamente à segurança jurídica, à capacidade de inovar, à qualidade da mão de obra e, consequentemente, à qualidade da educação.
No aspecto da segurança jurídica, Almeida destaca a complexidade do sistema tributário brasileiro. O ex-secretário aproveitou a ocasião para tecer críticas à atual sistemática do Imposto de Renda e para defender a simplificação do sistema através da reforma tributária.
"O que se paga de Imposto de Renda não depende da renda, depende do tipo de contrato de trabalho. Por exemplo, uma pessoa que ganha R$ 40 mil através da CLT paga a alíquota mais alta, de 7,5%. Outra pessoa que ganha a mesma coisa, mas que é um profissional liberal, paga a metade dessa carga. Esse tipo de anomalia não acontece no resto do mundo", detalha.
Ele acrescenta que essas discrepâncias trazem custos que se traduzem na complexidade tributária. "Outra série de impostos estaduais estão em constante mudança. Tudo isso precisa melhorar. Precisamos da reforma tributária para simplificar, isso ajuda o crescimento do País".
Redução de despesas e o teto de gastos
Almeida lembra que, para realizar o ajuste fiscal, só há dois caminhos: cortar despesas ou aumentar receita. Em 2016, foi aprovado o chamado teto de gastos que limita as despesas do Governo Federal ao avanço da inflação, congelando em termos reais o gasto público.
"Mas aí nos temos dois problemas. O primeiro é que, antes mesmo da pandemia, a economia com o teto vinha sendo menor que a estimada. Isso porque saímos da crise em 2016 crescendo muito pouco, apenas 1,5% ao ano, patamar excessivamente baixo para um país de renda média"
O segundo efeito é justamente a pandemia, que obrigou o País a gastar muito e provocou nova queda no PIB em 2020, aumentando a dívida e estendendo o prazo para o alcance do ajuste fiscal.
"Com o teto, a previsão era terminarmos 2021 com deficit zero. Se não conseguirmos recuperar a arrecadação perdida em 2020, ainda teremos déficit até 2025. Precisamos cumprir o teto e recuperar a arrecadação. Caso tenha problema com essa recuperação da arrecadação, vamos ter que mexer nos regimes tributários", alerta Almeida.
Ele pontua que alguns desses regimes se justificam, mas outros não. "Precisamos mostrar o problema e construir maioria política para realizar mudanças", acrescenta.
Otimismo permanece
Apesar do novo agravamento da pandemia e de consequentes novas perdas econômicas, Almeida destaca que o otimismo em relação à recuperação ao longo do ano se permanece. Um dos fatores que alimenta esse sentimento é o avanço da vacinação da população.
Ele destaca que a proporção de casos graves e mortes de pessoas com mais de 70 anos tem caído drasticamente em países que iniciaram a vacinação antes do Brasil, demonstrando o efeito da vacina.
"Conseguindo deslanchar a vacinação, teremos um segundo semestre muito melhor. E apesar dos riscos, temos sinais positivos. Uma grande empresa brasileira do setor siderúrgico está reativando um forno que estava parado desde 2014, porque está vendo um cenário positivo para a construção civil e infraestrutura", revela.
Articulação política
O ex-secretário ressalta que os desafios a serem enfrentados precisarão de um bom debate político e de escolhas acertadas. "Precisamos promover o debate político, respeitar o contraditório para avançar com o ajuste fiscal".
Também presente no workshop, o cientista político Ricardo Rodrigues explicou que o modelo de relações entre o Executivo e o Legislativo que está vigorando desde a redemocratização possui problemas, como o fato de o presidente sempre ser minoritário no parlamento e o "pluripartidarismo fragmentado".
Segundo ele, em geral, o partido do presidente é correspondente a apenas 10% a 15% do parlamento. Para alcançar alguma governabilidade, a solução encontrada foi formar uma coalizão de vários partidos que garante a aprovação de projetos.
"Quando o governo Bolsonaro assume, ele é novamente minoritário no parlamento, e declara rejeição à velha política, que é a formação de base de apoio que envolvia uma espécie de loteamento dos ministérios e barganha partidária. Havia uma pergunta que era como se iria operacionalizar isso se, no parlamento, tudo é organizado pelos partidos", acrescenta Rodrigues."Com essa formatação, a agenda do executivo durante 20 anos manteve domínio na formatação de políticas públicas que viram leis. Em 2013, mais de 80% das propostas de leis aprovadas eram de autoria do Executivo", destaca.
O cientista político aponta que o Governo passou a negociar com as bancadas temáticas, que acabam sendo maiores que os partidos individualmente. A estratégia, no entanto, acabou funcionando de forma coesa apenas em votações que interessam às bancadas.
"Se está em votação o código florestal, a banda ruralista vai votar de forma coesa, diferente das demais votações. O custo de mobilização acaba ficando muito alto. Então, o que tem sido feito mais recentemente é negociar com o centrão, mas sem firmar uma aliança", explica.